Extremos
 
O EDITOR ELIAS LUIZ
 
Os 10 mitos do Everest
texto: Elias Luiz | Allan Arnette
15 de setembro de 2015 - 12:45
 

ESCALÃO HILLARY: Geada cobre os montanhistas durante ascensão do Escalão Hillary a 8.760 metros de altitude, às 5:30 do dia 20 de maio de 2012.
 
  Elias Luiz  

O filme Everest vai estrear nos cinemas nesta semana, com certeza a grande maioria do público será leigo no assunto e não entenderão ou poderão ser contaminados com mitos que blogs propagam pela internet.

Nós já assistimos e em primeiro lugar é bom alertar que ele não é um documentário e sim um filme. Everest é uma superprodução que tomou como base diversos livros, entre os principais: No Ar Rarefeito (Jon Krakauer), A Escalada (Anatoli Boukreev), Left For Dead (Beck Weathers) e Alto Risco (David Breashears). Todos eles estiveram presentes na maior tragédia do Everest até o ano em questão, 1996 e David Breashears foi co-produtor do filme.

O diretor foi muito fiel aos acontecimentos, e não foi preciso inventar ou acrescentar mais drama em uma história que por si só já tem todo o enredo de cinema. Mas lógico, o foco do filme é entre as duas principais agências comerciais daquela época, a Mountain Madness e Adventure Consultants. É claro que haviam montanhistas profissionais escalando o Everest naquele ano, mas o foco foi em cima da tragédia e das agências comerciais, o que de certa forma registrou aquele momento da história e o que viria a se propagar no Everest nos próximo anos, não em relação a tragédia, e sim na popularização das agências comerciais.

Então vamos ajudar a desmistificar muito do que se fala do Everest, este será o primeiro artigo de muitos. Espero que gostem, pois todos os artigos terão como base a nossa experiência de 10 anos de Cobertura Online do Everest, além de nossa experiência no Campo Base da Face Sul e Face Norte. Também teremos a participação de sete colunistas do Extremos que já estiveram no cume do Everest e muitos outros que já tentaram escalar a montanha, além de consultores para assuntos específicos.

Os 10 mitos do Everest

1- O Everest é um depósito de lixo:

Falso

Há lixo no Everest sim, pois é possível encontrar uma barraca abandonada, uma corda velha ou até as vezes uma embalagem de comida voando pelo acampamento. Nada muito diferente do que vemos em outras montanhas pelo mundo e principalmente no Brasil.

É verdade que, como a Cascata de Gelo do Khumbu está derretendo, há lixo de expedições do século passado que costumam aparecer. A partir dos anos 2000, a atenção ao lixo no Everest ganhou uma importância maior e muitos trabalhos de conscientização vem sendo realizado.

A agência Asian Trekking há muitos anos vem realizando expedições de coleta de lixo na montanha. Há também uma recompensa aos sherpas por cada cilindro de oxigênio recolhido. Hoje em dia todas as garrafas de oxigênio são recolhidas no Everest.

Muitas expedições usam sacos biodegradáveis para remover resíduos sólidos da montanha, incluindo o Colo Sul (C4 - 8.000m). Em 2015, o exército indiano permaneceu no Campo Base do Everest para remover os detritos causados pela avalanche.

2- Os clientes pagam US$ 65.000 para escalar o Everest:

Um pouco de verdade, mas falso

A grande maioria dos montanhistas, aproximadamente 90% pagam menos de US$ 45.000, incluindo licença. Muitos pagam algo em torno de US$ 30.000. Todo mundo paga US$ 11.000 para o governo do Nepal para uma licença de escalada na Primavera (temporada principal) e esse valor cai para US$ 5.500 no Outono e US$ 2.750 no Inverno ou Verão.

Existem algumas empresas ocidentais, incluindo a Adventure Consultants, Himex e Alpine Ascents que tem o preço de tabela de US$ 65.000. Por esse valor a mais você tem vários guias ocidentais, comida de melhor qualidade, previsões meteorológicas constantes e mais precisas e guias Sherpas mais experientes.

Nos últimos 5 anos, guias nepaleses responsáveis por 70% dos clientes no Everest, tem cobrado entre US$ 30.000 a US$ 40.000. Mas geralmente eles pagam baixos salários para os seus funcionários, não possuem uma previsão do tempo profissional e seus guias tem experiência limitada ou quase nenhuma no Everest.

3- Os clientes não estão preparados para escalar o Everest:

Verdadeiro e Falso

Essa é uma situação em mudança, mas a grande maioria dos alpinistas que escalaram nos últimos 10 anos possuíam experiências com escalada no Aconcágua (6962m) ou Denali (6194m). Alguns até já tinham escalado um 8.000, o Cho Oyu (8201m).

Mas em 2015 alguns montanhistas mais jovens tinham apenas experiência em escalada no Kilimanjaro (5891m) ou trekking pela Índia ou Nepal. Eles dependiam 100% dos seus guias e estavam longe de ser auto-suficientes. Na maioria destes casos eles não possuíam um bom traje e equipamento de escalada e seus guias eram inexperientes.

Infelizmente algumas agências ocidentais têm seguido esse exemplo de baixo custo, com pouca experiência e qualidade, onde os montanhistas fazem seu principal treinamento de escalada no próprio Everest.

4- Os Sherpas arrastam seus clientes para o Cume:

Falso

Em primeiro lugar os Sherpas querem viver e arrastando um cliente para o cume colocaria a sua própria vida em risco.

Claro que existem exceções, mas na maioria dos casos, é o cliente que está empurrando o Sherpa a continuar, o que caracteriza a famosa “Febre do Cume”. Onde o cliente tem o cume em seu campo visual e acha que está próximo. Mas o tempo de escalada muitas vezes ainda pode levar horas e consumir toda sua energia. Neste momento o cliente só pensa em chegar ao cume, calcula até que corretamente que com a energia que ainda possui, consegue chegar ao cume. Mas esquece que o cume é apenas o meio caminho de toda a montanha.

Cada Sherpa recebe um bônus de U$ 1.000 quando consegue levar o seu cliente ao cume. Mas não adianta só chegar ao cume, ele precisa voltar em segurança e estar vivo para pagar esse valor.

5- Escalar pelo Tibet é mais seguro que pelo Nepal:

Verdadeiro e Falso

Antes de 2014, a taxa de mortalidade era um pouco menor na Face Norte (Tibet) com 106 mortes em comparação a Face Sul (Nepal) com 140. Mas as temporadas de 2014 (16 mortes) e 2015 (19 mortes), aumentaram e muito e fizeram a Face Sul ter quase dois terços do total das 282 mortes no Everest.

Mas, esse é um dos pontos que poucas pessoas esclarecem e que o Extremos vem noticiando há muito tempo. A Face Sul (Nepal) já registrou 4.421 conquistas com 176 mortes até setembro de 2015, resultando em 3,98% de mortes em relação as conquistas. Na Face Norte (Tibet) são 2.580 conquistas contra 106 mortes, totalizando 4,1%.

E esse quadro continuará a favor do Nepal, pois a maioria das expedições preferem escalar pela Face Sul, por ser mais estável politicamente do que a China (Tibet).

Na maioria das vezes quando há um grande número de mortes, muito se deve em estar no lugar errado e na hora errada. Em 1922, 7 Sherpas foram mortos na Face Norte atingidos por uma avalanche, o mesmo aconteceu em 2014 e 2015.

6- A maioria dos montanhistas morrem na Cascata de Gelo do Khumbu:

Falso

As quedas são uma das principais causas de mortes no Everest, 67 no total, de acordo com o Banco de Dados do Himalaia até setembro de 2015. As mortes na Cascata de Gelo somavam apenas 15 até início de 2014, mas esse é um dos exemplos que podem ser alterados por grandes desastres, em abril de 2014 morreram 16 Sherpas na Cascata de Gelo devido a avalanche, dobrando o número de mortes em apenas um ano, 31 no total agora. As mortes por AMS, a doença do Mal da Montanha ainda está no topo da lista, com 90 mortes registradas.

De 1921 a 1999: 170 pessoas morreram no Everest, contra 1.169 conquistas ou 14,5%. Mas as mortes diminuíram drasticamente, enquanto as conquistas aumentaram cinco vezes neste século. De 2000 a 2015, foram 5.832 conquistas e apenas 112 mortes ou 1,9%. Perceba que nesse pequeno número atual de mortes já estão incluídas as duas maiores tragédias que o Everest já sofreu, a de 2014 (16 mortes na avalanche, mais outras 3 na temporada) e 2015 (19 mortes, mais outras 3 na temporada).

Resumindo, com a profissionalização das agências comerciais no Everest, a escalada está muito mais segura.

7- Sherpas são forçados a trabalhar para clientes ricos:

Falso

Os Sherpas optam por trabalhar, ninguém força eles a fazerem nada. No entanto, o Nepal é um país pobre e as oportunidades de trabalho são limitadas. Os guias Sherpas ganham US$ 3.000 ou mais em 6 semanas de trabalho, é uma carreira lucrativa em um país onde uma pessoa média ganha cerca de US$ 700 por ano.

8- Os Sherpas são explorados:

Falso

Esta é uma questão de opinião e a minha é que os Sherpas não são explorados como muitos afirmam. Exploração é definido como “usar de forma egoísta para os próprios fins”. Para ser claro, 99% dos escaladores hoje em dia não conseguiriam chegar ao cume e voltar em segurança para casa sem o apoio Sherpa. Os Sherpas trabalham por salários justos, quando comparado com guias locais em todo mundo.

Operadores respeitáveis dão-lhes subsídios em equipamentos e gerenciam as cargas de trabalho razoavelmente. O governo do Nepal exige US$ 15.000 de seguro de vida - um limite ditado pelas facções políticas dentro do Nepal e não pelos operadores. Os operadores ocidentais há muito tempo apoiam as famílias dos Sherpas mortos no Everest junto com organizações.

Nós do Extremos temos apoiado vários projetos no Nepal em conjunto com Manoel Morgado, Karina Oliani, Rodrigo Raineri, Carlos Santalena, Eduardo Sartor e Rosier Alexandre. Em 2015 arrecadamos mais de R$ 200.000 para ajuda ao Nepal, se comparar é quase que o dobro que a Cruz Vermelha arrecadou.

Os Sherpa que são explorados, muitas vezes é por alguma empresa de low-cost (baixo custo) do Nepal, que pagam menos do que a média do mercado, e exigem longas horas de trabalho e grandes cargas, a fim de manter o custo baixo para o cliente.

9- Montanhistas passam por cima de cadáveres rumo ao cume:

Muito falso

Essa história ganhou os noticiários depois que David Sharp lutou para sobreviver na Face Norte (Tibet), em 2006, após ter feito o cume. Ele estava subindo sem oxigênio suplementar, e sozinho em uma expedição extremamente de baixo custo, quando ele provavelmente desenvolveu a doença do Mal da Montanha (AMS). Ele não tinha rádio.

Foi relatado que 40 pessoas passaram por cima de seu corpo em sua própria busca egoísta de chegar ao cume. A verdade é que várias pessoas, incluindo Sherpas da Himex pararam e deram-lhe assistência, incluindo oxigênio e medicamentos, mas ele já estava a beira da morte.

Nesse caso, não obstante, os escaladores têm sido conhecidos por passar por um corpo a caminho do cume, e muitas vezes sem saber se a pessoa está viva ou morta mesmo depois de verificar o seu pulso (no filme Everest você notará isso em relação ao montanhista Beck Weathers). Não é uma desculpa, mas a 8.500 metros de altitude, ajudar outra pessoa coloca a sua própria vida em risco. É necessário 10 Sherpas fortes para mover um corpo, vivo ou morto.

No geral o que mais vemos no Everest é montanhistas desistindo do cume para ajudar pessoas em perigo.

10- Escalar o Everest é apenas uma caminhada até o cume:

Falso

Qualquer pessoa que imagina que escalar o Everest é apenas uma caminhada, espero que tenham mudado de ideia depois das imagens das tragédias de 2014 e 2015 e também após assistirem o filme Everest.

As pessoas que escalam em paredes de rochas, afirmam que no Everest não se escala em paredes verticais utilizando camalot, pitons ou nuts, como se vê nas Dolomitas ou em Yosemite e mesmo nas montanhas aqui no Brasil. Da mesma forma, as pessoas que escalam em gelo veem uma diferença enorme em não precisar escalar com piquetas de gelo e usando a ponta dos seus grampons para escalar.

As pessoas que escalam o Everest fazem uma das manobras mais difíceis quando atravessam a Cascata de Gelo do Khumbu, utilizando o jumar. Alpinistas no Everest chegam a escalar em nível 4 em rocha quando atravessam o Yellow Band, Escalão Hillary, e o Segundo Escalão na Face Norte. Mais do que tudo isso, o Everest se resume a altitude, nada é comparado a escalar a 8.848 metros ao nível do mar e não tem como um escalador do nível mar querer comparar isso, sem nunca ter pisado no topo do mundo.

Bom filme,
Elias Luiz

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