A dura conquista do Elbrus
Texto de: Helio Costa
15 de julho de 2013 - 16:00
 
 
 
 
  • Foto: Helio Costa
    Faltando 2h para chegar ao cume a visibilidade era muito baixa Foto: Helio Costa
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    No cume" Foto: Helio Costa
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    Membros de nossa equipe no cume Foto: Divulga��o
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Faltando 2h para chegar ao cume a visibilidade era muito baixa Foto: Helio Costa

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Tecnicamente o Elbrus, maior montanha da Europa, com 5.642m, não é uma montanha difícil de ser escalada. No entanto, como toda montanha requer seus cuidados, pois também não é um passeio no parque. Segue relato da escalada para pensarmos um pouco mais antes de nos aventurarmos nessas montanhas.

No começo do ano, me inscrevi para essa escalada, tendo como empresa guia a Morgado Expedições. Treinei durante cinco meses o preconizado para esse tipo de atividade (esteiras, escadas, transport, mochila nas costas, musculação, etc... tudo certinho), achando que estaria preparado, mas a montanha sempre tem suas surpresas.

Passagem compradas, mochilas preparadas e lá fui eu para Moscou encontrar o grupo de desconhecidos, exceto o próprio Manoel Morgado, com quem já havia feito outras “baladas”.
Após um dia de passeios em Moscou, partimos os 18 (15 clientes e 3 guias) para Terskol, cidade base para a escalada. Chegando em Terskol, fizemos dois dias de caminhada para iniciar o processo de aclimatação chegando a uma altitude de 3.600m no Mt. Cheget. Até ai tudo bem e todos os membros do grupo conseguiam fazer as caminhadas sem muitos problemas.

Partimos, então, para o acampamento base do Elbrus, localizado em um conjunto de abrigos a 3.700m. Cada abrigo possui capacidade para oito pessoas e, apesar de precários, serve ao destino a que se presta.

Almoço reforçado, botas duplas calçadas e partimos para mais uma caminhada de aclimatação até um refúgio chamado Pryutt 11 a 4.100m. Já aqui observamos a primeira grande mudança. O tempo estava ruim, a visibilidade baixa e o ambiente completamente nevado fez com que todos tivessem que se esforçar mais para chegar ao objetivo, mas até aí ... tudo bem.

No dia seguinte, saímos do acampamento base e subimos até 4.700m (Pastukov Rocks), ou seja, 1000m de desnível. O tempo ainda estava bem ruim e a visibilidade baixa. Todos chegamos, mas alguns com um pouco mais de dificuldade que os outros. Meu desempenho não foi ruim, mas já apresentou um certo decaimento.

Em seguida, um dia de descanso. A previsão meteorológica para o dia seguinte (ataque ao cume) era perfeita: céu claro, ventos fracos, nenhuma neve e temperatura negativa (-150 C), mas não muito.

03:30 da manhã, todos prontos e entramos nos snowcats para subir até 4.700m e a partir daí, iniciar o ataque ao cume. Às 4:15 começamos a caminhar. Divididos em três grupos lá fomos nós, todos tentando manter o ritmo, na medida do possível. Já com meia hora de caminhada meus pés, como de costume, começaram a reclamar de frio. Meus dedos do pé esquerdo mal se mexiam. Conversei com Manoel que me informou que assim que o sol nascesse a coisa iria melhorar. Toquei em frente, mas meu desempenho já não era o mesmo dos dias anteriores. Meus passos estavam lentos, a respiração ofegante e os dedos dos pés completamente duros.

Com duas horas de caminhada (cerca de 5.000m) parei para comer e reparei que havia cometido um erro. Deixei as barrinhas energéticas do lado de fora da mochila. Quando fui pegá-las pareciam sorvete. Tive que me virar com uma barra de chocolate que estava dentro da mochila. Quando tentei beber água precisei tirar as luvas e em instantes minhas mão ficaram duras como pedras. Lição número dois: nunca fique sem luva, nem que seja uma liner.


Nesse momento, Marcos, um paulistano de 48 anos, em sua primeira montanha, sentou e resolveu desistir da escalada. Seu filho, Pedro, rapaz de 20 anos que também fazia sua estreia em montanha apareceu e me proporcionou um dos momentos mais emocionantes que já vi numa montanha. Juntos, pai e filho se abraçaram por um longo tempo e choraram. O pai desceu e o filho partiu em disparada em direção ao cume. O que um disse para o outro, nunca vou saber, mas o rapaz foi um dos primeiros a chegar ao cume, se tornando o brasileiro mais jovem a chegar ao cume do Elbrus.

Marcos desceu e eu decidi continuar. O sol estava nascendo e a vida voltou a meus pés e mãos. Mas meu desempenho era cada vez pior. Não estava entendendo porque estava tão lento. A 5.100m, sentei para descansar mais uma vez e junto comigo estava Rodrigo, um repórter cinematográfico que acompanhava duas apresentadoras de TV que estavam escalando a montanha junto conosco. Um dos guias russos que estava nos acompanhando sugeriu que deveríamos descer. Rodrigo aceitou sua sugestão. Conversei com um dos guias do grupo (Agnaldo Gomes), que estava acompanhando a equipe de TV e falei que iria continuar.

Com muito esforço cheguei ao colo entre as duas montanhas. A essa altura já estava completamente exausto fisicamente, mas mentalmente ainda estava forte, até que olhei para frente e vi a parede que tinha que subir. Uma rampa branca de quase 300m de altura e com uma fila de pessoas espalhadas pela trilha. Foi ai que me dei conta de como eu estava afastado do grupo.

Comi mais um pouco, bebi água e levantei junto com o guia russo que me acompanhava. Meu mantra era: Só mais um passo! Só mais um passo! Só mais um passo!

Aos trancos e barrancos venci a rampa e cruzei com amigos do grupo que já estavam descendo do cume. Que inveja! Depois da parede, faz-se um contorno na montanha e sobe-se mais uns 100m mais tranquilamente acompanhando uma corda fixa, providencialmente colocada, em função de uma ribanceira existente. Mais gente descendo e meu desempenho cada vez pior. Só mais um passo! Só mais um passo! O guia perguntou se eu queria voltar. Não dei nem resposta. Virei e continuei andando leeeeeeeentamente.

Mais alguns metros e chega-se ao platô do cume, um trecho quase plano que ao final apresenta uma pequena elevação a ser vencida. Ao ver o cume falei para mim mesmo. Agora eu chego, nem que seja me arrastando! Minha preocupação era: Terei forças para voltar?

O mesmo deve ter passado pela cabeça da Marieta, uma das integrantes do grupo havia desistido no meio da rampa quando soube que ainda faltava cerca de 1,5 horas para o cume. Desistiu pois estava exausta e não sabia se tinha energia para ir e voltar. Será que eu tenho? Pensei eu.

Não parava de me perguntar isso durante a tal 1,5 horas que tive que caminhar. Estaria eu sofrendo da febre do cume? Não dá para saber. Lição três: tente se conhecer para saber qual o seu limite.
Os últimos integrantes do grupo passaram por mim retornando do cume. Só faltava eu. Nesse momento as coisas mudaram e não para melhor. Um vento forte começou a soprar, a trilha começou a desaparecer e a visibilidade caiu para poucos metros. E eu exausto. Só mais um passo! Só mais um passo!

Cheguei ao cume cerca de 12:15h e por lá fiquei no máximo 5 minutos. O suficiente para tirar algumas fotos e respirar um pouco. O guia estava preocupado, pois o tempo estava virando muito rapidamente. Iniciamos a descida e ao passar pela corda fixa decidimos nos encordar para aumentar a segurança, pois não estávamos enxergando mais do que 5m para frente e teríamos que passar por uma trilha estreita e muito exposta.

Lentamente descemos a rampa e chegamos ao colo. Encontramos o Agnaldo, mais dois amigos do grupo (Luiz e Giancarlo) e as duas apresentadoras da TV (Ana e Júlia). Estavam me aguardando para descermos todos juntos. A visibilidade a essa altura era cada vez menor e para piorar as coisas, estávamos muito cansados, especialmente eu e o Luiz. Lentamente Agnaldo nos conduziu pela encosta entre os dois cumes, outro trecho razoavelmente perigoso em função da exposição e da baixa visibilidade.

Para piorar as coisas encontramos um montanhista da Servia que cambaleava pela trilha. Ele estava sozinho na montanha, coisa de doido, mas nesse momento dois russos estavam prestando apoio, devido o péssimo estado do rapaz.

Agnaldo decidiu avaliar a situação e pelo o que podia ser observado ele apresentava sintomas de edema cerebral. Agnaldo conversou com os russos e sugerimos ao sérvio tomar um comprimido de Diamox. Assim ele o fez. O quadro clínico do rapaz não melhorou, mas tínhamos que descer, pois não havia muito o que ser feito. E a visibilidade nada de melhorar. Pelo menos o vento havia diminuído.
Foi então que chegamos a um ponto decisivo. Ou Agnaldo nos dava apoio ou apoiava o sérvio. Conversou com os russos, falou no rádio com Manoel sobre as condições do grupo, especialmente a do Luiz, que estava exausto. Não que eu também não estivesse, mas eu ainda conseguia andar. Luiz se arrastava.

Agnaldo conversou com os russos e eles informaram que iriam descer com o sérvio. Assim, Agnaldo reuniu o grupo e informou ao Manoel pelo rádio que na velocidade que estávamos demoraríamos ainda cerca de uma hora para chegarmos ao ponto de encontro do grupo a 4.700m onde um snowcat nos esperava para descermos até o acampamento base.

A visibilidade era baixíssima, mas pelo menos tínhamos passado pela parte exposta e estávamos na gigantesca rampa de descida. Passados uns 30 minutos Luiz sentou, deitou e lá ficou. Não conseguia caminhar mais. Agnaldo conversou com Manoel pelo rádio e solicitou um snowmobile, que rapidamente chegou para socorrer o Luiz. Já tínhamos o ponto de encontro a vista, mas ainda estava longe. Continuamos a descida da rampa o mais rápido que podíamos e observando o sérvio.
E assim foi, até que chegamos ao snowcat, onde encontramos o Manoel e outros membros da equipe nos esperando para descer. Manoel, fez uma rápida avaliação no sérvio e constatou que ele deveria estar com edema cerebral.

Foi então, que presenciei uma das cenas mais tristes que já vi montanha. O líder russo de nossa expedição não deixou o sérvio entrar no snowcat pois ele não fazia parte do grupo. Coisa deplorável para alguém que como ele acabara de completar sua ascensão de número 200 ao cume do Elbrus e possui também o recorde de velocidade.

Diante do fato, Manoel e Agnaldo decidiram acompanhar o sérvio na descida junto com os russos para prestar algum apoio, se necessário. Quanta diferença de atitude. Parabéns aos dois.
Finalmente chegamos ao abrigo e fomos recebidos por todos que lá já estavam. Almoçamos caviar russo com direito a brinde de champagne. Todos celebrando suas vitórias.

Para mim ficam ainda as seguintes lições:
1 - Não adianta preparo físico. Ele é importante, mas não é tudo. Apesar de todo o treinamento, não foi o preparo físico que me levou ao cume, mas minha cabeça;
2 - Nunca subestime uma montanha. As condições podem mudar rapidamente e uma escalada simples pode se tornar repleta de perigos;
3 - Respeite as ordens dos guias. Eles estão lá porque são experientes e sabem o que fazem. Obrigado Manoel, Agnaldo e Michail, que me acompanharam como anjos da guarda;
4 - Aprenda desde cedo a reconhecer seus limites e pare antes de alcança-lo, apesar de ser difícil definir esse ponto;
5 - Companheirismo é tudo na montanha. Ele salva vidas!


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Leia também o artigo sobre o Trekking ao Everest de Helio Costa.