A Volta do Kilimanjaro
Texto e Fotos: Daniel Chu
16 de junho de 2013 - 8:38
 
comentários    
 
 
  • Foto: Daniel Chu
    Cl�udia e Daniel no cume do Kilimanjaro (Uhuru Peak) Foto: Daniel Chu
  • Foto: Daniel Chu
    Vista do Kilimanjaro: Face sul do Kibo ao por do sol. " Foto: Daniel Chu
  • Foto: Daniel Chu
    Vista do Topo da �frica. Ao fundo: Monte Mawenzi. � direita: As neves eternas do Kilimanjaro " Foto: Daniel Chu
  • Foto: Daniel Chu
    Cl�udia em parada obrigat�ria sobre as nuvens no 4� dia de escalada " Foto: Daniel Chu
  • Foto: Daniel Chu
    Vista da Rota Mweka: Descida do Kilimanjaro " Foto: Daniel Chu
  • Foto: Daniel Chu
    N�s e o time de guias e carregadores que tornaram poss�vel a aventura. Acima � esquerda: Cl�udia. � direita: Daniel " Foto: Daniel Chu
1 6

Cláudia e Daniel no cume do Kilimanjaro (Uhuru Peak) Foto: Daniel Chu

todas as imagens
 

Daniel Chu é administrador de empresas, engenheiro e aventureiro viajante. Em outubro de 2012, ele junto com sua prima Cláudia Martinelli escalaram o Kilimanjaro. Como todo alpinista aprende que a descida pode ser o ponto crucial de uma escalada, assim não foi diferente para eles nesta ocasião.

Ficamos pouco mais de 1 hora no topo da África: o pico Uhuru no Monte Kilimanjaro, a 5895m de altitude, no norte da Tanzânia, junto à fronteira com o Quênia. Agora, passados 3 meses, percebo que é quase impossível recordar as emoções daqueles momentos preciosos. Mesmo na hora, era difícil saber exatamente o que eu estava sentindo. Era uma sensação mista de sonho e de descrença em estar vivendo uma experiência única em um lugar tão especial cujo visual é arrebatador: De lá, naquele momento era possível observarmos a leste o sol nascer acima do Monte Mawenzi (o segundo maior pico do Kilimanjaro com 5149m), provavelmente o nascer de sol mais bonito que vi na vida; a lua cheia que nos acompanhou durante toda a subida ao cume ainda brilhava distante do horizonte a oeste; o que seria todo o interior de uma enorme cratera vulcânica ao norte e as famosas geleiras e neves eternas do Kibo (o maior dos 3 picos do Kilimanjaro) estendendo-se por todo o lado sul, isso tudo em meio a uma vasta planície de savana.

Junto comigo estavam os três que me fizeram companhia ao longo de toda a jornada: minha prima Cláudia e os guias locais Nechi e Chayo, sem os quais, não seria possível chegarmos lá. Diversos são os caminhos que levam ao cume e escolhemos percorrer o mais popular, a rota Machame, também chamada de rota “Whisky” pelo grau de dificuldade (a rota mais tranquila é chamada de rota “Coca-cola”), mas considerada como a rota mais bonita.
Embora o Kilimanjaro não seja considerado uma montanha de difícil escalada, qualquer escalada que requer vários dias para se completar não deixa de ser uma experiência intensa e desafiadora. De fato, não se trata de uma escalada, pois em nenhum trecho do percurso se exige o uso de alguma técnica especial de alpinismo, mas é necessário um bom preparo físico e na tão esperada noite de ataque ao cume, o desafio se mostrou bastante respeitável: Para percorrer a distância de aproximadamente 5 km (e 1.220 m verticais) que separa o acampamento base (acampamento Barafu) do cume, levamos mais de 7 horas.

Apesar dos cuidados que tomamos com a alimentação e a preparação (inclusive optando por realizar o percurso de subida em 5 dias para melhor aclimatação ao invés dos costumeiros 4 dias dos pacotes mais populares), durante esse percurso final, pudemos experimentar alguns dos efeitos mais comuns causados pela alta altitude como: dores de cabeça, enjoos e outros desarranjos. Por conta também do cansaço extenuante, tivemos não apenas que fazer paradas adicionais não previstas como também passamos a caminhar em um ritmo mais lento do que o já lento ritmo pole pole (devagar em Swahili) habitual, para que pudéssemos continuar em frente.
A parte final do ataque ao cume iniciada na madrugada do quinto para o sexto dia é particularmente difícil, não só pelo evidente cansaço acumulado dos dias anteriores. Além de ficar cada vez mais íngreme, o terreno também começa a ganhar uma consistência arenosa e com isso, cada passo que dávamos para cima era acompanhado de um deslize para baixo tornando a luta tanto física quanto mental. A partir desse ponto, passei a sentir a necessidade de descansar a cada 5 minutos por causa da exaustão e sede. A água que carregava comigo em garrafas plásticas já estava parcialmente congelada, indicando que a temperatura estava a alguns graus abaixo de zero e o frio que até então estava suportável, agora começava a incomodar.

Porém, nada havia nos preparado para o desafio que viria a seguir: a volta.
Depois de encarar uma disputa com os outros turistas pela vez de tirar as fotos junto da placa que marca o local do cume, eu estava tão exausto e com as pontas dos dedos tão geladas que não aguentava mais focalizar as paisagens deslumbrantes no visor da câmera. Ajustei então o zoom no ângulo máximo e entreguei a câmera para minha prima, que assim saciou a inquietação por tirar fotos que vinha alimentando desde quando sua câmera quebrou ainda na metade do caminho.
Após um rápido descanso começamos a descida. O caminho de volta não é o mesmo da ida e os mais de 4000 m de altitude que conquistamos em 6 dias de caminhada são vencidos em apenas um dia pela rota Mweka, mais curta e usada apenas para descer. Trata-se de um caminho extremamente íngreme e escorregadio que leva de volta ao acampamento Barafu, depois para o acampamento Mweka e daí para o início da rota.

O último trecho do caminho é um passeio agradável, mas o primeiro é uma verdadeira prova de resistência e velocidade, no nosso caso ainda acentuda porque como demoramos para chegar ao cume, já partimos de lá atrasados (nossa equipe de carregadores ainda teria que desmontar nossas barracas no acampamento Barafu após um breve descanso nosso para então voltar a monta-lo no acampamento Mweka onde iríamos passar a última noite).
Sentimos-nos como numa corrida nas dunas, usando a gravidade para chegar logo à linha de chegada no acampamento base. Descíamos como se estivessemos patinando, deslizando os pés, mas mesmo deslizar é uma dificuldade, pois o terreno além de pedregoso e todo irregular ainda é instável.
Se o tempo estivesse pior, eu provavelmente teria encontrado forças para descer deslizando mais rápido e acompanhar o ritmo dos demais, mas depois de sentir por várias vezes a fadiga dos músculos das pernas e as descargas de ácido láctico, começei a sentir pena dos meus dois joelhos - ambos já submetidos à cirurgia de reconstrução do ligamento cruzado posterior – e, detestando a experiência toda, continuei deslizando lentamente no limite da dor.
O sol já estava alto e o frio congelante sentido no cume deu lugar a um calor intenso que tornava ainda mais agonizante essa descida. Por mais de uma vez tivemos que parar para descansar, mas na última o pior já havia passado, estávamos então a poucos metros do acampamento base. O mundo estava acendendo ao sol da manhã é a vida era maravilhosa. Tínhamos subido o Kilimanjaro e em breve estaríamos de volta ao conforto de casa.

Neste momento, abracei minha prima e não me recordo o que dissemos um para o outro; provavelmente algo banal, mas me lembro vividamente da sua expressão de alívio por termos conseguido chegar lá e do profundo sentimento de amizade que aflorou enquanto percorríamos juntos o último trecho dessa aventura inesquecível.