Patagônia: força e fragilidade!
Texto da Leitora: Quésia Cunha
3 de abril de 2012 - 8:55
 
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TORRES DEL PAINE - Lago Nordenskjold
 
Loma Del Pliegue Tumbado Laguna Amarga Las Torres
 

Em fevereiro desse ano, realizei com mais dois amigos uma expedição à patagônia argentina e chilena. Nosso objetivo era fazer primeiro o cicuito W, tradicional percurso do Parque Torres Del Paine, e depois seguir para El Chaltén na Argentina. Sabíamos do incêndio ocorrido em dezembro de 2011 na parte norte das TDP, mas, com a abertura do parque resolvemos arriscar pactuando anteriormente que iríamos até onde fosse possível ou aprazível caminhar. Em 2009 eu havia realizado sozinha o mesmo percurso e retornar a um dos cenários mais lindos e perfeitos da minha vida e que havia me emocionado muito, era um belo sonho a ser compartilhado com diletos amigos. Ao chegarmos à Patagônia chilena seguimos até o acampamento El Chileno e no dia seguinte colocamos o pé na trilha com destino ao mirador das torres. A despeito do tempo nublado, o caminho estava perfeito com a estonteante beleza que integra o lugar a inebriar olhos, alma e coração. Por todo o trajeto ouvíamos o som do rio espumoso que serpenteia todo o trecho. Árvores imensas e elegantes com um verde intenso deixavam o ar úmido e levemente perfumado. O céu com suas nuvens lânguidas cobria aquele santuário generoso e especial e todo cansaço foi compensado ao final pela inigualável visão das torres sendo adorada pelo lago verde turquesa a lhe prestar eterna admiração. A visão das torres imponentes é linda e ficamos ali contemplando a beleza que as palavras não são capazes de traduzir numa reverencia cúmplice e de gratidão por estarmos sorvendo a perfeição do lugar. Todo o cenário nos fazia sentir o quanto éramos privilegiados e nos emocionava estar tão próximos de tantos elementos que compunham aquele ambiente espetacular.

Ao seguimos para o abrigo Los Cuernos pegamos um atalho, um caminho menos íngreme e mais estreito, e à medida que andávamos desfrutávamos de um céu límpido e de um tom azul que só o céu da patagônia tem. Depois de mais ou menos quatro horas de caminhada, tudo foi ficando mais deslumbrante e mais estimulante com a presença constante do Lago Nordenskjöld à vista. O imenso lago contorna e adorna a montanha se destacando na paisagem pela cor, beleza indescritível e imensidão. Os ventos fortes movimentavam sua superfície encrespando em singelas ondas brancas que o fazia parecer um mar patagônico. Quem se aventura por esse caminho encontra águas cor de jóia preciosa que atua como alento cromoterápico capaz de curar infinitos males do estresse, tédio e outros. Quem nos dera poder reter eternamente essa visão e serenar os dias maus que todos nós enfrentamos na caminhada da vida. Fomos recepcionados por ventos fortíssimos que demonstravam toda a força da natureza, seu dinamismo e movimento. O maior privilégio e recompensa da caminhada foi descansar no abrigo sentados em frente a uma imensa janela de vidro, aconchegados e apreciando uma imponente montanha coberta de gelo a derramar - se em abundante beleza que revigora a todos montanhistas. A Patagônia é tão bela e cheia de elementos que pode ser considerada um dos cenários mais lindos que a natureza caprichosamente elaborou com os ingredientes de encantos e mistérios.

O caminho até ao vale francês proporciona é também imensamente lindo com vista do lago e da belíssima montanha Paine Grande. As primeiras quatro horas foram de intensa caminhada até o acampamento italiano e com o dia limpo com muita luz típica da estação. Ficamos deitados e acomodados na rocha apreciando a imensa montanha gelada com seu glaciar branco e azul e um fio de água a escorrer sem pressa produzindo sons que ecoam por todo o espaço. São 360º de pura beleza! Um sentimento de êxtase para quem aceita pagar o preço do esforço e do enfrentamento dos limites do corpo e da mente e se aventura na estrada em busca de sinergia com a natureza. O lugar é como um anfiteatro natural com montanhas imensas e lindas. Para estar ali não precisa ser o mais forte ou mais abastado financeiramente, mas, escolher caminhos de coragem que estão fora do confortável, domesticado e conhecido padrão urbano. Aceitar encarar as dificuldades e os desafios que nos ensina sobre limites, privações e da autentica beleza da natureza. Sair da rotina e converter em estímulo a ansiada qualidade de vida que exige indubitavelmente, romper com a inércia niveladora dos dias e lançar-se á vida.

O lugar descortina um recorte da natureza com uma larga variedade de seus elementos. São montanhas e pedras redondas, pontiagudas, simétricas e irregulares, gelo, água, som, ventos e muitas árvores! Um conjunto harmonizado e cheio de vida. Tudo bem elaborado com perfeição indescritível e singular. O imenso glaciar nos remete ao um apetitoso suspiro convidativo à celebração da vida. E, estar ali olhando as montanhas, sorvendo a paz que o ambiente emana nos proporciona uma inconfundível felicidade que ilumina todo o ser.

No entanto, rumo ao abrigo Pehoé tivemos a noção do estrago causado pela atitude inconsequente e irresponsável, aparentemente não intencional, de um jovem israelense que acampava no parque. O incêndio aconteceu no final do ano passado e conforme divulgado exaustivamente na internet, o referido jovem havia colocado fogo em papel higiênico e logo as chamas haviam se alastrado de forma incontrolável pelo parque. Por todo o ambiente o ar ressentia a cheiro de queimado. As árvores denegridas jaziam contorcidas em pé e sem vida. Uma enorme devastação da natureza se vislumbrava por toda a região. O cenário era muito triste, implacável e devastador com tudo ressequido até onde os olhos podiam alcançar. Caminhar por ali nos impactou profundamente e nos deixou emudecidos durante muito tempo diante da tristeza que nos assolava. Não nos ocorria dizer nada. Nossa expressão de consternação nos tirava as palavras e a alegria presente até aquele dia.

É verdade que a natureza demonstra sua força por meio da manifestação de fenômenos naturais como tempestades, furacões, ciclones, tsunamis e outros, mas, também revela sua fragilidade diante da irresponsabilidade humana e, requer cuidados, respeito e atenção.

O azul intenso do céu sem nuvens e o verde da lagoa contrastava com a devastação do que outrora tinha vida e cor. O som das águas e de alguns pássaros sinalizava a esperança de que a natureza buscará sua força para generosamente renovar e, de certa forma repetíamos esse “mantra” para nos confortar diante da tristeza da paisagem destruída.

O charmoso abrigo Pehoé milagrosamente permaneceu de pé no meio do estrago ao derredor e estava funcionando precariamente. De alguma forma ele ficou intacto enquanto todo o resto, depósitos, estrutura da guarda e tudo mais foi sucumbido pelo fogo. As chamas lamberam uma imensa área e estar ali, naquele silencio sem vida, despertou tão somente o sentimento de impotência e incapacidade.

O pedaço da Patagônia ferida que encontramos foi decisório na avaliação da viagem e na mudança de planos. Não seguiríamos adiante, pois, o que víamos se estendia até a parte norte do parque sendo, inclusive, segundo informações do local, inapropriado a permanência no local.

Durante o percurso encontramos um grupo de jovens voluntários com enxadas, pás e outras ferramentas nas mãos trabalhando na recuperação da área queimada. Foi emocionante e ainda me arrepio ao lembrar do quanto significou para nós encontrar jovens restauradores da natureza . Parabenizamos o grupo e a firmeza de propósitos que reacendeu nossa esperança no homem. Infelizmente, o ato de uma única pessoa é capaz de causar uma destruição de proporções incalculáveis e nem mesmo um batalhão de gente corajosa e bem intencionada conseguirá recuperar, na mesma proporção de tempo, a destruição causada. Mas, a natureza tem seu tempo e seus milagres e não podemos perder a fé.

É imperioso refletirmos a respeito da necessidade de mudança de racionalidade para quem se aventura na natureza. Os padrões urbanos precisam ser revistos em função de sua natureza antropofágica. Assim como as atitudes que buscam resultados imediatistas, instantâneos e convencionais que se somam às práticas de consumismo desenfreado e egoísta que esgota os recursos naturais. A natureza carece de proteção e cuidado e repetir rituais urbanos a fragiliza e expõe de forma contundente um conjunto harmonioso que se equilibra na dependência, justamente, do ser humano que é ao mesmo tempo seu aliado e algoz.

Quésia Cunha