Reinhold Messner: "Quando você está só, o medo é tudo"
Tradução: Elias Luiz - Fonte: Le Mint - Rudraneil Sengupta
12 de março de 2014 - 13:45
 
 
 
Reinhold Messner no hotel em Nova Deli. Sem oxigênio artificial, sem chapeletas e sem sistema de comunicação. O grande montanhista fala porque ele escala sozinho. Foto: Priyanka Parashar/Mint
 

Ele é mundialmente conhecido como o maior alpinista vivo, mas Reinhold Messner, 70, não concorda com esse epíteto.

"A escalada não é uma competição, e você não pode falar em termos de ‘maior’, não significa nada.” _ diz ele com um copo de água na mão em um hotel em Nova Deli

Para os não escaladores, mesmo com esse epíteto que lhe atribuem, é difícil compreender o quão sobre humano foram as suas realizações em alta montanha.

De volta a 1975, quando Messner e seu parceiro de escalada Peter Habeler decidiram descartar toda a parafernália de grande altitude, os tradicionais porteadores, uma grande equipe de alpinistas, oxigênio engarrafado e auxílios mecânicos, para escalarem o Gasherbrum I, de 8.068 metros, a 11ª montanha mais alta do mundo, abriu-se então a possibilidade de uma nova dimensão no montanhismo. Durante toda a sua carreira de alpinista, ele continuou a expandir e definir novos limites, em 1978 escalou sem oxigênio engarrafado o Everest, novamente com o seu parceiro Peter Habeler, e em 1986, finalizou a escalada das 14 montanhas acima de 8.000 metros de altitude, sem oxigênio suplementar, sem apoio externo e usando o mínimo de equipamentos.

Durante a última década, o alpinista italiano esteve ocupado construindo e criando 5 Museus sobre o montanhismo, na região onde mora, em Tyrol do Sul, nos alpes italianos. No próximo verão, em julho, deve lançar o seu 6º museu. Os Museus cobrem praticamente toda a história do montanhismo, desde a cultura, arte, religião, técnicas e equipamentos utilizados ao longo dos anos e muito mais.

“Os Museus falam sobre a relação entre as montanhas e os seres humanos, e sobre o que acontece dentro de nós quando nos encontramos nas montanhas.” diz ele.

Ele estava na Índia para filmar um documentário sobre o Himalaia e seu povo, viajando pela região mais oriental, passando pelas cordilheiras do Butão, atravessando o Nepal e a Índia e finalmente o Paquistão. Foi neste cenário que ele nos concedeu esta entrevista.

Essa é a primeira vez que você está filmando em todo o Himalaia. Sobre o que será este filme?
Há uma grande e bela história para esta vasta cadeia de montanhas, e a idéia e falar sobre isso, a cultura de um povo que vive na estrada, atravessando o Himalaia e não os seus cumes. Nós iremos falar sobre a luta que essa região tem visto há mais de 300 anos. Os britânicos estavam nas montanhas, lutando guerras com o Nepal, de olho nas rotas de comércio. Francis Younghusband invadiu o Tibet em 1904, O Grande Jogo (a luta pela supremacia na Ásia Central entre os impérios britânico e russo, entre 1813-1940) ainda continua, um jogo diferente, mas ainda assim as fronteiras das montanhas estão cheias de exércitos e tensão, Índia e Paquistão lutando sobre o Glaciar Siachen, o Taliban matou alpinistas no Nanga Parbat (em 22 de junho de 2013, 11 alpinistas foram mortos a tiros no acampamento base, na face Rupal).

Quão diferentes são essas áreas de quando você chegou aqui para escalar na década de 1970? A escalada comercial se tornou muito grande nas últimas duas décadas?
Na verdade, pouca coisa mudou. Eu não sou contra o turismo nas montanhas. Nos Alpes existe expedições comerciais há mais de 150 anos. Os clubes alpinos foram criados para dar as pessoas a chance de ir até as montanhas e, ao mesmo tempo, para ajudar o povo que vive próximo delas a ter uma renda. Caminhadas, trekking, pode ser uma base forte para o turismo na Índia, mas devemos ter uma divisão clara entre o Alpinismo tradicional (escaladas auto-suficientes com mínimo equipamento) e o turismo, e não devemos implementar infra-estrutura em todas as montanhas. Agora há rotas normais em praticamente todas as montanhas acima de 8.000 metros são para turistas, e isso é bom. Mas eu não gostaria de ver aberta uma rota para turistas no Nanga Devi (7.816m).

O montanhismo perdeu muito do seu espírito pioneiro, devido à comercialização?
Sim, o montanhismo mudou no mundo todo. Antes íamos para a montanha e lidávamos com o perigo. Agora é apenas um esporte. Na Europa, a maioria dos escaladores não vão para a natureza, eles vão para as paredes de escalada indoor. Eles não estão interessados em ir para as montanhas, porque isso é perigoso! Por outro lado, a partir do momento que o Himalaia, os altos Alpes, o Cáucaso ou o Hindu Kush foram abertos por sérios alpinistas, agora elas estão acessíveis para qualquer pessoa, caminhante ou turista. Assim, a cada ano, os acampamentos base das montanhas de 8.000 metros, especialmente o Everest, quando chega a temporada, eles estão preparados para um ataque em massa a montanha. Muitas agências de turismo vendem roteiros para o cume do Everest. No ano passado, 600 sherpas foram ao Everest antes da temporada começar, e eles abriram a rota, fixaram as cordas, colocaram as escadas, fizeram os depósitos de oxigênio e em seguida um grande número de pessoas foram guiadas pelos sherpas até o cume. O que costumava ser o auge, uma caminhada ao acampamento base do Everest, hoje eles querem ir até o cume. Eu chamo este tipo de escalada de “pista de alpinismo” (da mesma forma que é preparada uma pista de esqui). E as pessoas quando voltam de uma escalada ao Everest, ainda falam que escalaram como Edmund Hillary ou Tenzing Norgay. Eles realmente sentem isso, que fizeram o mesmo que os pioneiros, eles nem sequer sabem a diferença. Os verdadeiros alpinistas não estão desaparecendo, mas há apenas alguns, e eles são cada vez mais raros.

Em 1980, você escalou o Everest sozinho, sem oxigênio engarrafado, e você disse: “Eu não sou nada mais do que um pulmão ofegante, flutuando sobre as brumas e cumes”.
Em 1980 a escalada não foi o mais difícil, a face norte do Everest não é tão difícil tecnicamente, o risco de cair era muito pequeno, mas fisicamente era o extremo, a coisa mais difícil que eu já fiz. Durante a noite, tendo que montar a barraca sozinho, cozinhar, carregar tudo, sem oxigênio, os meus pulmões e os meus músculos queimando e sem ninguém para compartilhar qualquer coisa. Quando estava a 7.000 metros caí em uma fenda, era noite, e eu quase desisti. Mas de alguma forma eu consegui sair e imediatamente esqueci isso.

O grande problema quando você está só, é que você não pode dividir o medo.
Fazer uma escalada difícil é muito sobre enfrentar o seu próprio medo, e se você estiver com outra pessoa, você pode dividir esse medo, compartilhá-lo. Mas quando você está sozinho, o medo é tudo em você, e é muito difícil aprender a lidar com isso, para ficar dia após dia, noite após noite, naquele vasto espaço onde você não deveria estar, sofrendo com o mau tempo, com avalanches e tempestades.

Você tem que aprender a lidar com isso, você tem que aprender lentamente e em pequenos passos. Se você permitir que isso aconteça lentamente, você conseguirá dar muitos passos que precisa até chegar aonde você quer. Mas se você não se permite a esse tempo, ou você irá desaparecer em algum lugar nas montanhas em seus anos de juventude, ou vai desistir de chegar ao cume.

Quais são os fundamentos da escalada para você?
Há três elementos no montanhismo: dificuldade, perigo e exposição. Dificuldade é o aspecto técnico. Perigo, é melhor evitar, mas algumas pessoas gostam de aumentar o perigo a um ponto onde o seu sucesso depende apenas de sorte. E a exposição, que é o que realmente define o alpinismo, é o que você enfrenta na natureza selvagem. É o tempo, o frio, o oxigênio, as tempestades, as avalanches, as quedas de rochas, a chuva e a neve. É a exposição que determina como você se move, isso significa que um passo errado é a morte. Exposição significa que não há nenhuma ajuda externa, é somente você e a montanha.

A maior ajuda hoje é o telefone. Cada expedição carrega um telefone via satélite, por isso há sempre informações, e quanto mais informações você obtém a partir do exterior, há menos aventura. Desta forma a Índia ainda é um lugar de aventura em que você não está autorizado a transportar GPS ou telefones via satélite (risos). Você sabe, eu fiz o meu próprio ABC de escalada. A, é sem oxigênio artificial. B, sem chapeletas (ancoragem artificial fixa na rocha com um parafuso e chapeleta para auxiliar na escalada). E o C, sem sistema de comunicação.

São pessoas como Alex Honnold, que praticam escalada solo em livre (escalada sem cordas ou ajudas mecânicas), a nova geração de verdadeiros alpinistas? Ou você acha que não é certo ir, sem quaisquer medidas de segurança?
A escalada solo em livre deve ser aceita como todos os outros estilos de montanhismo. Na escalada, não há questão de certo ou errado. Moral ou imoral, isso é uma questão religiosa, e isso nada tem a ver com a atividade anárquica, e o alpinismo clássico é uma atividade completamente anárquica. As únicas medidas são, possíveis e impossíveis. Caso contrário, o alpinismo extremo ou a escalada solo em livre, será sempre errado. Não há uma resposta para o que fazemos. Cada um tem a sua própria motivação, e todas as motivações são corretas.

Eu tinha 5 anos quando subi uma montanha de 3.000 metros, com meus pais, e eu tenho escalado desde então. Escalada é uma atividade perigosa e difícil de praticar. Escaladores não gostam de falar sobre isso, dizem eles, escalamos porque gostamos da vista do cume, e aqueles que não são escaladores aceitam essa resposta. Porque não é possível que eles entendam porque alguém vai para um lugar onde pode morrer a qualquer momento, por falta de oxigênio, quedas, avalanches, tempestades que pode surpreende-lo na crista. Mas os montanhistas experientes, que sabem que o sentimento é real - depois de ter alcançado o cume e voltar - a sensação é de renascer. Por ter sobrevivido a um lugar onde a sobrevivência é extremamente difícil.

Vamos para as montanhas para experimentar essa sensação de novo e de novo. E também para sentir como os seres humanos devem ter sentido há cem mil anos atrás, antes da civilização, dos governos, das estruturas sociais, religiões e de todas as regras que você deve seguir para ser um humano.