Monte Roraima, alegria e tristeza
Texto: Hélio Costa
24 de janeiro de 2014 - 8:25
 
 
 
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Monte Roraima Foto: H�lio Costa

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Subir o Monte Roraima é, com certeza, o desejo de muitos montanhistas brasileiros. Não pelo desafio ou dificuldade técnica, que são praticamente mínimos. Basta não ser uma pessoa sedentária que, com um pouco de esforço e persistência, consegue-se chegar a seu topo, que é justamente onde a aventura começa.

O Roraima não é uma montanha como tantas outras com um pequeno cume, que se chega e desce, e sim um enorme platô de 190km², uma área aproximada de 38 campos de futebol com incontáveis vales, elevações, rochas, riachos, lagoas e plantas, mas três são as coisas que mais se encontra por lá: pedras, lama e nuvens. Pedras corroídas pelos milhões de anos de erosão a que a montanha está submetida. Lama formada pela terra e pelas constantes e imprevisíveis chuvas que ocorrem por lá. Nuvens, muitas nuvens. Grande parte do dia o cume fica coberto por nuvens formadas tanto pela ascensão dos ventos e pela umidade da região, que deve ser uma das maiores do mundo.

Se você pensa em subir o Monte Roraima e não quer se molhar ... ESQUEÇA! Vá para outro lugar, pois isso é uma tarefa impossível. Leve sacos estanque e coloque tudo lá dentro, e talvez alguma coisa fique seca.

Ao chegar ao cume você é, literalmente, transportado para a pré-história e a cada curva você fica achando que vai encontrar um dinossauro. É um ambiente surreal e único no planeta. Meu grupo de expedição ficou lá por quase 4 dias e não conseguimos ver tudo, pois as distâncias são longas, os deslocamentos lentos e por lá você não faz o que quer, e sim o que a meteorologia permite. Você pode ver penhascos, ou não, ver lagos, ou não, ver cachoeiras, ou não. Você pode ver tudo o que existe por lá, ou nada, vai depender da sua sorte e não adianta reclamar. O Roraima é assim.

O que acabo de relatar é a parte da alegria desse artigo, pois a viagem realmente vale a pena. Ponto final, pois o resto dá pra saber pelos sites na internet e folders de empresas de viagens.

No entanto, o principal motivo de escrever esse artigo é para fazer um alerta. O Roraima precisa de ajuda e urgente! O que vou relatar aqui pode não ser a realidade de todos, mas é o que meu grupo observou ao longo de 8 dias de expedição e resultado de muitas conversas com outras pessoas de outros grupos.

Para ir para o Roraima ou você contrata uma empresa nacional ou da Venezuela, país por onde a ascensão é realizada. A despeito da sua escolha, os guias, carregadores e cozinheiros serão índios de pequenas aldeias venezuelanas, sendo a principal chamada de Paraitepui, que é onde começa o trekking.

Quero deixar claro que o que vou relatar é uma opinião pessoal e pode não ser uma verdade absoluta em relação às empresas que organizam trekkings por lá, mas é o que observei e coletei de informações com outras pessoas de outros grupos. Meu alerta será dividido em três pontos: Ecologia, Segurança e Exploração Humana.

Em relação à Ecologia fiquei chocado com o descaso com que os guias e carregadores tratam a montanha. A quantidade de lixo acumulado nos acampamentos e ao seu redor é literalmente absurda. Sacos, latas, papel, comida e tudo mais que pode existir podem ser observados a céu aberto. Em nosso grupo e em alguns outros era possível visualizar guias e carregadores arremessando essas coisas no mato ou deixando nos acampamentos após o período de estada. Em nossa expedição existia um banheiro portátil e todos os dejetos eram depositados em saquinhos que éramos orientados a deixar ao lado do tal banheiro portátil que seriam transportados montanha a baixo junto com o lixo pelos carregadores. Em nenhum dos oito dias que passamos lá vimos isso acontecer. Pelo contrário, vimos muitos restos de expedições anteriores abandonados e, particularmente, duvido que nossos carregadores tenham trazido para baixo os cerca de 100 saquinhos de cocô produzidos. Em algum lugar foram deixados, bem como as latas e outros detritos.

Aliado a isso existe a infraestrutura dos acampamentos. Na montanha tudo bem, não há muito o que melhorar, mas nos acampamentos de base fossas sanitárias poderiam ser construídas facilmente, locais definidos para se cozinhar e depositar lixo poderiam ser definidos o que, certamente, diminuiria o impacto ambiental. Tudo isso sem falar na higiene dos guias, carregadores e cozinheiros. Tudo bem que não dá para se manter um padrão de limpeza de restaurantes e hotéis internacionais e não é isso que se espera, mas o nível de higiene é baixíssimo. Apesar de todo cuidado que tomei com a purificação de águas não consegui escapar de uma infecção intestinal. E por fim, não é realizado um controle de quantas pessoas podem subir ou estar na montanha simultaneamente. Acho que isso deveria ser realizado para se ter um maior controle do que acontece por lá.

No que se refere à segurança tenho a relatar o seguinte. O ambiente lá em cima é inóspito, caminha-se por pedras úmidas o tempo todo e quase sempre escorregadias. Para alguém cair e se machucar não custa nada e, apesar de existir o serviço de resgate de helicóptero do governo venezuelano, como falei antes as condições meteorológicas são extremamente desfavoráveis e não há muitos locais de pouso. Se alguém se machucar longe do local de resgate ou em um período longo de tempo fechado, vai passar um aperto, pois dificilmente alguém conseguirá carregar uma pessoa por muito tempo, pois o terreno é muito acidentado e inapropriado, como dito anteriormente. Descer a montanha com alguém nas costas, nem pensar. Mesmo porque não vi nenhum equipamento de segurança sendo carregado por nenhuma expedição.

No dia que estávamos descendo a montanha ouvimos falar de um brasileiro que estava passando mal e cuspindo sangue. Como não havia condições de pouso ele já estava há dois dias sem poder receber ajuda adequada. Não sei direito o que aconteceu e o desfecho dessa história, mas é um pequeno exemplo do que pode acontecer por lá.

Um outro fator que considero sério é a relação guias/turistas. No nosso grupo era de 1 para 8. Em outros de 1 para 6. Em diversas outras montanhas que estive essa relação é bem menor. 1 para 3 ou mesmo 1 para 2. Tudo bem que eram montanhas bem mais complexas, mas 1 para 8 é algo inaceitável. Ainda mais sendo o único guia do grupo. Se algo acontecesse com ele quem seria nosso guia? Em muitas situações passávamos o dia bem longe dos acampamentos. Como a montanha é um imenso labirinto, confesso que sem o guia não tínhamos a menor condição de nos orientar por lá ou mesmo pedir ajuda.

No meu ponto de vista, as autoridade locais deveriam estabelecer uma relação mínima a ser utilizada e procedimentos de segurança mais claros e fáceis de serem definidos. Rádios e mapas ilustrativos com proas e auxílios de navegação poderiam ser fornecidos e briefings de segurança deveriam ser dados aos grupos.

Finalmente, chego ao ponto mais delicado de todos, que talvez seja a origem de todos os problemas. E exploração dos guias e carregadores. Vou ser claro e direto. Um carregador ganha em bolívares o equivalente a R$ 25,00 por dia para trabalhar mais de 12 horas por dia carregando algo entre 20 e 30 kg e ainda precisam montar e desmontar acampamentos e cozinhar para o grupo. Vou repetir. R$ 25,00. E muitas empresas locais reclamam desse valor e só querem pagar R$ 22,50. Todos sabem que guias e carregadores e guias não ganham muito por aí, mas cerca de R$ 2,00 por hora dura de trabalho é demais. Fizemos as contas do que pagamos e quanto eles receberam e o lucro das empresas venezuelanas é absurdo, Isso sem falar que as empresas nacionais cobram cerca de 3 vezes o que as venezuelanas cobram.

Resumo da história: muita coisa que acontece por lá tem a ver com dinheiro ou falta dele. Não pudemos observar, em nenhum momento guardas florestais, fiscais ou responsáveis pelo parque nacional. A única fiscalização que existe é no vilarejo de Paraitepui, onde alguns membros da guarda nacional venezuelana revistam algumas mochilas em busca de bebidas alcoólicas. No regresso da expedição, se quiséssemos ter trazidos toneladas de cristais ou souvenirs da montanha teríamos conseguido facilmente, pois ninguém nos revistou.

Tenho absoluta certeza que como um parque nacional de três países devem existir leis e normas estabelecidas para acesso e manutenção do parque, mas o principal problema é que não as vi sendo cumpridas ou fiscalizadas. Provavelmente isso ocorra por falta de pessoal ou recursos. Só espero que a montanha continue resistindo à ofensiva humana e que as autoridades tomem alguma providência sobre esses fatores que deveriam ser observados para o bem de todos.