A conquista da mineira Pedra Riscada
 
da redação: Elias Luiz - Fonte: edição 155 - Janeiro / Fevereiro de 2010
12 de janeiro de 2010 - 11:39
 
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Com seu incontestável expertise, Edemilson Padilha representou com classe o Brasil em um grupo de reconhecidos escaladores gringos que conquistou uma bela via na Pedra Riscada, o maior monólito das Américas. A rocha, de dificuldades técnicas respeitáveis, fica no pequenino município de São José do Divino, no leste mineiro, terra de gente hospitaleira e bastante festiva.

Há 18 anos ingressei no mundo da escalada. Por essa época, um dos escaladores mais famosos do mundo era o alemão Stefan Glowacz. Reconhecimento mais que merecido: ganhou inúmeras competições internacionais e escalou as vias mais difíceis que existiam nos anos 90. De lá para cá, passou cada vez mais a se envolver em projetos de escalada em lugares remotos como Antártida, Patagônia e Ilha Baffin, no arquipélago Ártico, no Canadá,, tornando-se um dos escaladores mais completos de todos os tempos. Participar de uma expedição escalando lado a lado deste rock master, para mim seria uma experiência incrível.

Quando tive a oportunidade, eu era o único brasileiro da expedição. Além de mim, nosso time era composto de dois escaladores alemães – Stefan Glowacz e Holger Heuber, um fotógrafo alemão – Klaus Fengler, e um escalador argentino – Horacio Gratton. Foi este amigo argentino que me apresentou aos alemães e me convidou para fazer parte da equipe. Eles haviam visto algumas fotos do Brasil e ficaram tentados pela ideia de abrir uma via aqui.

Depois de uma semana andando pelo leste mineiro, pudemos vislumbrar o que buscávamos: a aresta norte da Pedra Riscada. Parecia grande, mais ou menos 800 metros de granito vertical e difícil, ou seja: perfeita. A sorte estava lançada. Montamos nosso campo-base  em um refúgio de montanha a 5 km da base da via. Depois dirigimos até Belo Horizonte para buscar os alemães no aeroporto; 500 quilômetros separam a capital mineira de São José do Divino, onde se localiza a Pedra Riscada, considerada o maior monólito das Américas.

Chegamos ao Refúgio Pedra Riscada às quatro da madrugada, num dia cálido do início de julho deste ano, e às oito da manhã, Edimilson Duarte, seu proprietário, nos despertava com Bob Marley no último volume. Graças a ele, começamos a escalada naquele mesmo dia. Cansados e enfrentando nosso primeiro dia de sol forte com grandes mochilas nas costas, alcançamos a base da via, seguindo por uma trilha que havíamos aberto previamente. Trilha essa responsável por despertar a hérnia de disco que vive nas minhas costas e que estaria “ativa” durante toda a viagem.

Dois dias de abertura da via, por um terreno menos vertical, nos deixaram na base de um diedro (formação que se assemelha a um livro aberto) impressionante e vertical a 350 metros de altura, cortado por uma fissura que, por vezes, sumia. As fissuras são bem-vindas nesse tipo de escalada, pois por elas podemos subir mais rapidamente. Eu e o Horacio havíamos guiado até ali, o terceiro dia seria dos alemães. Stefan e Holger progrediram metro a metro pelo difícil caminho enquanto transportávamos água e cordas para serem fixadas. Nessa primeira etapa, íamos deixando as cordas presas na pedra e, à noite, descíamos por elas para tornar a subir na manhã seguinte. Enquanto isso, Klaus, fotógrafo da expedição, nos acompanhava em todos os momentos, disparando centenas de clicks com suas poderosas câmeras. Fazíamos este revezamento, uma dupla escalava enquanto a outra dava apoio. Quando era nossa vez de conquistar, era como se o bambambã Glowacz fosse um dos nossos sherpas, brincávamos. A equipe estava trabalhando bem e as cordadas (trechos de 50 metros aproximadamente) foram se mostrando cada vez mais difíceis para nossa alegria, pois buscávamos uma linha perfeita e isso pressupõe alta dificuldade de escalada em rocha. O diedro foi trabalhoso e tomou dois dias de esforços.

Planos adiados?
No quinto amanhecer, tínhamos um problema: a rocha que se via adiante parecia podre e estávamos todos muito preocupados. Se nossas suspeitas se confirmassem, teríamos de tomar uma decisão que poderia inclusive ser a de desistir da via. Nesse dia, eu e Horacio estávamos na pedra lutando com os cliffs (ganchos que são colocados em agarras naturais da rocha, usados como apoio para podermos bater as chapeletas, pontos de proteção) e os alemães na festa da decisão do Campeonato Municipal de Futebol de São José do Divino. Dá para imaginar? Klaus tornou-se o fotógrafo oficial do evento. E o Glowacz passou de rock master a rock star, pois o pessoal da cidade é apaixonado por escaladores. Nós só chegamos para o fim da festa, e com boas novidades: a rocha não estava nada podre (era perfeita!), as agarras não quebravam e a dificuldade não baixava! Tudo o que a gente queria. A comemoração foi curtir um forró na praça central, regado a bebidinhas, e um pouco de chuva.

Sonhando nas alturas
No outro dia, sobrava só ressaca, a nossa e a do tempo. O Stefan andava de um lado para o outro maldizendo as determinações de São Pedro, porque pela tarde do dia anterior abriu um solão e nós perdemos um dia de escalada. O problema é que os gringos estavam com os dias contados, então mudamos a estratégia. Subíamos para ficar dois dias na parede e dormíamos nos portaledges (barracas suspensas) montados a 500 metros de altura. São como macas fixadas na pedra, que oferecem uma boa noite de sono e até sonhos, para quem não tem medo de altura, claro. Foi assim que num dia ensolarado deixamos os alemães na base da via e voltamos para o refúgio buscando um descanso merecido, depois de muitos dias de estrada e escalada. Enquanto a facção europeia torrava no sol, tomávamos um refrescante banho de piscina. “Vidinha mais ou menos”, como diriam os mineiros. Mas nossa hora não tardaria. Estávamos ansiosos por notícias quando buscamos a outra parte da equipe dois dias depois. Pelas caras de alegria, já dava para notar que as cordadas abertas tinham sido espetaculares; e não era para menos, grandes dificuldades técnicas, parede vertical, rocha excelente. A linha estava ficando perfeita e não poderia ser diferente, estávamos na montanha ideal! À noite, comemoração com pasta à carbonara, feita pelo chef Stefan, o melhor escalador e, de quebra, cozinheiro da equipe.

No outro dia, às seis da manhã já estávamos tomando café, e, com as baterias da furadeira carregadas, partimos destemidos para mais dois dias de “rock‘n roll”. Subimos, eu e o Horacio novamente, 600 metros de cordas fixas e seguimos abrindo a via. Cada metro era conquistado com muita dificuldade naquela aresta vertical. Quase à noite, nos abrigamos num dos portaledges. Conforto total: sacos de dormir, queijo mineiro, mate e até boa música. Acordamos com um tempo fechado, que anunciava uma desagradável chuva a cair a qualquer momento. Mas não podíamos esmorecer, tínhamos uma missão: terminar a via, rapelar tudo e voltar a tempo para o show do Zé Ramalho, que animaria São Félix de Minas à noite, e que seria aberto pelo Edimilson Duarte, o dono do refúgio onde estávamos instalados, músico, e dos bons.

 Fui subindo completamente absorto pela beleza da escalada que realizava. Passei uma saliência pronunciada de rocha e pensei que a rota ficaria menos vertical, mas as dificuldades já aumentaram após alguns metros. Num dos lances deste dia, quando puxava a furadeira para bater uma proteção (chapeleta), uma agarra do pé quebrou e quase fui abaixo com furadeira e tudo. Pedi água para aliviar o sol que não dava trégua, mais chapeletas e uma nova bateria para a furadeira. Depois de recuperado, nada de moleza. Já tínhamos 700 metros e nada de cume. Às três da tarde eu estava destruído e acabaram as baterias. Decidimos descer, mas quando olhamos para baixo, percebemos que Klaus estava subindo. Olhamos um para o outro já diagnosticando: ele vai querer fazer uma sessão de fotos e, infelizmente, nós seremos os modelos... Dito e feito, foram horas de olha para lá, coloque a sua mão mais para cima, aponte ali, etc. Tudo isso a 700 metros de altura, com possibilidades de levar quedas impressionantes e ainda de perder o show! Foi estressante, mas as fotos valeram a pena.

No fim, deu tudo certo, o Zé Ramalho esteve muito bem, o Edimilson também, e os alemães amanheceram no forró. E de lá voltaram direto para a base da via, para encadenar todas as cordadas. Encadenar significa escalar novamente metro a metro, sem cair, nem apoiar-se nas proteções (chapeletas fixadas na pedra ou proteções colocadas em fissuras). Isso serve para graduar a dificuldade técnica de cada trecho para que outros que queiram repetir a via possam saber onde estão se metendo.

Nos juntamos a eles no outro dia para alcançarmos o cume. Já era o 11º dia de escalada e jumareamos (subimos pelas cordas) 850 metros! Chegamos um após o outro ao topo da aresta e festejamos muito. Estávamos impressionados com a beleza da via e da paisagem que nos cercava. Pela perfeição que foi toda a trip, pelo bom entrosamento da equipe e pela hospitalidade e alegria dos habitantes locais, resolvemos batizar a via com o nome Place of Happiness.

 

Place of Happiness
850 m, 9a, Aresta norte da Pedra Riscada, São José do Divino, MG. Escaladores: Edemilson Padilha (BRA), Horacio Gratton (ARG), Stefan Glowacz (ALE), Holger Heuber (ALE) e Klaus Fengler (ALE). Julho/2009.

 

 
 
 
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