Expedição ao Rio Noatak na Brooks Range: Parte 2
Texto: Thomaz Brandolin
10 de setembro de 2013 - 17:18
 
 
 
  • Foto: Thomaz Brandolin
    Chifre de caribou. Para evitar que pessoas passem por l� e levem de recorda��o, o pessoal do Alaska evita mencionar onde encontram esses chifres. Farei o mesmo.
  • Foto: Thomaz Brandolin
    Caribou." Foto: Thomaz Brandolin
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    Musk Ox, uma esp�cie de b�falo comum no �rtico." Foto: Thomaz Brandolin
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    Um dos picos avistados pelo caminho. Em 1� plano, tipo de vegeta��o na beira do Noatak." Foto: Thomaz Brandolin
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    Fazendo caf� �s 7h da manh�." Foto: Thomaz Brandolin
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    Acampamento �s 11h da manh�, aguardando as roupas secarem. " Foto: Thomaz Brandolin
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    Em primeiro plano a vegeta��o da tundra. Embora n�o d� para perceber, em alguns trechos enfia-se o p� na �gua at� a canela. Ao fundo a montanha que subi em um dia de caminhada. Com 1633 m de altitude, n�o tem nome. Foram 20 km de caminhada ida e volta. " Foto: Thomaz Brandolin
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    Vale do Rio Nushralutak, � direita do pico que subi. O vale termina no Passo Nakmaktuak. Do outro lado do Passo nasce o Rio Ambler, um dos mais famosos da regi�o. " Foto: Thomaz Brandolin
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    Pegadas de urso e de caribou, presentes em in�meras praias. " Foto: Thomaz Brandolin
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    Parte final da aresta, pr�ximo ao cume. D� para ver uma trilha no cascalho....n�o sei se feita por pessoas ou animais, pois fezes de animais s�o vistas em todo o caminho, inclusive no topo. " Foto: Thomaz Brandolin
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    Curvas do Noatak navegadas nos dias anteriores. " Foto: Thomaz Brandolin
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    Plantas e flores t�picas de tundra, nas encostas do pico que subi. " Foto: Thomaz Brandolin
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    Plantas e flores t�picas de tundra, nas encostas do pico que subi. " Foto: Thomaz Brandolin
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    Um dos acampamentos mais bonitos da viagem. " Foto: Thomaz Brandolin
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    Procurando lugar para acampar. " Foto: Thomaz Brandolin
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    Tipo de �lavanderia� onde lavava minhas roupas. " Foto: Thomaz Brandolin
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    Meia noite na Brooks. " Foto: Thomaz Brandolin
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Chifre de caribou. Para evitar que pessoas passem por l� e levem de recorda��o, o pessoal do Alaska evita mencionar onde encontram esses chifres. Farei o mesmo. Foto: Thomaz Brandolin

 

Começa a descida do Noatak

Acordei às 6h da manhã, mas demorei tanto para tomar café, fechar o acampamento e carregar a canoa que só consegui sair às 10h10.
O dia estava nublado, sem vento, mas parecia mais ensolarado rio abaixo, a oeste. A temperatura girava em torno de uns 15 graus.

O objetivo nesse dia, mais que fazer distância, seria me ambientar à canoa, à posição de remada, os efeitos da distribuição da carga, apurar as técnicas para desviar de obstáculos e, principalmente, aprender a “ler” o rio. Propus a mim mesmo tentar fazer um expediente de 6h, para ter uma ideia básica de quanto isso significaria em distância....e esforço.

A canoa estava abarrotada de carga. Acostumado com caiaques oceânicos, logo percebi que a canoa inflável demora uma “eternidade” para responder aos comandos. Mas o rio estava manso e agradável.

A água, de um verde intenso, era límpida e transparente, o que me permitia ver o fundo de cascalho alaranjado. Para mim era uma verdadeira higiene mental ver as pedrinhas passando suavemente sob o casco da canoa a cada remada. Em vários pontos, o rio era tão raso que o fundo da embarcação quase raspava nas pedras. Remando num ritmo cadenciado, rapidamente fui vencendo uma curva atrás de outra, algumas em ferradura, me dando a impressão que eu estava remando de volta, rio acima.

O cenário era magnífico, rodeado por uma linha contínua de montanhas, a perder de vista, em ambos os lados do rio. A cada curva, um cenário diferente, ou um ângulo diferente de uma mesma montanha. A cada curva também surgiam praiazinhas de areia e cascalho, uma mais linda que a outra, protegidas por uma vegetação variada, pontilhada de flores e arbustos.

De repente vi um esquilo todo serelepe, subindo da praia para o pequeno barranco coberto de vegetação, que forma a margem do rio. Não demorou e avistei dois imensos caribous atravessando o rio, uns 300 metros na minha frente. Semelhantes a uma rena, mas com imensas galhadas que atingem mais de um metro de altura, são os animais mais graciosos da Brooks Range, mas muito desconfiados e ariscos. É difícil se aproximar deles. Calcula-se de 500 mil a 800 mil caribous cruzando o Noatak nessa época, todos os anos, e era o que eu mais queria ver nessa viagem.

Depois de 1h10 de remada procurei uma praia ampla e distante da vegetação para meu primeiro lanche. Não queria ser surpreendido por algum animal neste primeiro dia. Comi sentado no chão, de frente para canoa e com o spray para urso sempre à mão.

Depois de comer, peguei firme no remo e não parei mais. O silêncio e a solitude aos poucos diminuíram minha ansiedade, e eu comecei a me sentir mais em paz, e mais integrado ao ambiente.

Minha única preocupação passou a ser encontrar a melhor correnteza na mansidão do rio. O que não era difícil. Bastava tentar vislumbrar, na superfície lisa, onde fazia marolas. O problema era que isso quase sempre acontecia do lado de fora das curvas. E para chegar do lado de fora delas eu tinha que remar 50, 80, 100 metros, ou mais. Como as curvas se sucediam, na prática eu tinha que fazer um cansativo zigue zague dentro do leito do rio. Mesmo assim, fiquei impressionado com a distância percorrida.

Conforme ia descendo o rio, o céu foi ficando mais azul, mas o vento frontal foi aumentando. No começo estava gostoso e refrescante, mas não demorou a incomodar. Aos poucos comecei a cansar e a perder rendimento.

Duas gaivotas surgiram em cima de mim e me seguiram atentas, por um bom tempo. Quanto mais o sol brilhava mais a força do vento aumentava, a ponto de eu quase não conseguir sair do lugar. Eram apenas 15h quando achei uma praia na margem direita do rio, relativamente abrigada (eu achava) do vento. Decidi parar.

Feliz com a remada, fui montar a barraca. Foi quando o vento aumentou a ponto de quase arrancá-la das minhas mãos. Sem ajuda, foi uma luta conseguir segurá-la e montá-la com as mãos, enquanto os pés manobravam os barris de comida para servirem de ancoragem. Fora a areia fina que me cobriu inteiro, entrando em todos os poros.

Pus para estrear meu painel solar dobrável. Não sei porque, as 3 baterias da câmera Go Pro, novas e recém carregadas em Anchorage, estavam totalmente descarregadas.

Brincando com o perigo

No dia seguinte acordei novamente às 6h. Desta vez levei 3h25 para estar pronto para mais um dia de remada.

Quando estava carregando a canoa tomei um baita susto. Ouvi um rugido forte e bem próximo. Pensei que era um urso dentro da mata, ao meu lado. Agarrei o spray e fiquei na espera. Ainda tinha coisas espalhadas pelo acampamento, mas preferi ficar ao lado da canoa. Outro rugido. Olhei em volta e não vi nada se mexendo. Outro rugido. Parecia que vinha do outro lado do rio, mas podia estar do lado de cá!! De repente, vi na margem oposta um animal marrom enorme saindo de trás da mata, e se aproximando da beirada do rio. Para minha sorte, era um Musk Ox (espécie de búfalo local) faminto, devorando um arbusto. Aliviado, desta vez consegui fotografar.

Assim que entrei na água vi que o tempo rio abaixo estava pior. Dava para ver cortinas brancas de chuva espalhadas no horizonte.

O rio foi ficando cada vez mais largo. Passava de 100 metros de largura em vários lugares. Aos poucos fui deixando para trás várias montanhas, algumas do porte do Pico do Jaraguá, em São Paulo. A base de algumas chega na beira do rio. Outras ficam bem mais recuadas.

Nas águas rasas, quanto mais largo é o rio, mais lento ele fica, exigindo mais força na remada. Algumas vezes ele bifurca, e é preciso ficar atento para seguir pelo canal correto. Se errar, a canoa encalha, como aconteceu algumas vezes. Mas era só descer e ficar de pé na água, que a canoa, com 80 quilos a menos, desencalhava sozinha. Com ela boiando ficava fácil trazê-la pela corda para uma parte mais funda com alguma correnteza.

Ao meio dia começou a garoar. Logo a garoa engrossou, até virar uma chuva forte. E não parou mais! No começo meu anorak “segurou” a chuva, mas aos poucos senti até a calça e a cueca umedecendo. Eu tinha me dado novamente a meta de remar 6 horas, por isso, apesar do aguaceiro, decidi continuar. Afinal eu estava no Alaska. Se eu parasse cada vez que começasse a chover, não acabaria nunca, pensei.

Os problemas rapidamente começaram a aparecer. Primeiro tive que tirar meus óculos, que não dispõe de “limpador de para-brisas”. O que comprometeu minha visão. Depois tive que remar praticamente sem comer, pois quando tentei parar para um lanche, tremi descontroladamente. Mas o pior foi lutar contra o desânimo. Sem ninguém para conversar e te incentivar (mesmo que pela simples presença), você começa a pensar no que está fazendo ali.

Remando no temporal, não demorou para ficar encharcado por baixo das roupas de nylon. O desconforto era enorme. Mesmo assim insisti em só parar às 15h30, cumprindo a meta do dia. Quando deu 15h20, quando a chuva deu uma diminuída, percebi que estava muito exausto, e na eminência de pegar uma hipotermia. Eu precisava urgentemente encontrar uma praia para acampar. Era evidente que eu estava forçando a barra. Um erro primário na natureza hostil do Alaska. Ainda mais sozinho.

Por sorte avistei um pequeno platô de grama, ao lado de um banco de cascalho e areia, à minha esquerda. A distância desde o leito do rio era grande – mais de 60 metros, mas não tinha escolha. Tiritando de frio e quase sem forças puxei a canoa para o cascalho, e levei os barris, sacos e mochilas até o platô. Para meu horror, vi que parte das roupas nos sacos estanques estavam molhadas! Tinha entrado água nos sacos que deveriam ser à prova d´água! Como pode?!? Assim que comecei a montar a barraca, a chuva caiu mais forte que nunca. Sem óculos e tremendo, eu não conseguia enfiar as varetas nas mangas da barraca, o que só aumentou minha irritação. Quando finalmente consegui montá-la, pus às pressas apenas os itens mais importantes dentro dela, tirei minhas roupas encharcadas, entrei na barraca, passei uma toalha pelo corpo e me enfiei pelado no saco de dormir. Ufa! Que alívio. Eu precisava me esquentar urgentemente. Meu travesseiro e meu casaco mais grosso estavam molhados mas o saco de dormir estava intacto.

Meu estômago estava roncando de fome mas a chuva impedia qualquer refeição ao ar livre. O jeito era ficar quieto e esperar. Mais tarde, quem sabe, faria um lanche, cuja caixa ficara....na canoa.

O dia seguinte amanheceu ensolarado e quente, o que me permitiu secar as roupas e equipamentos, enquanto degustava lentamente meu café da manhã. Só sai ao meio dia.

Depois da segunda curva no rio avistei um enorme caribou, que pude fotografar com tranquilidade. O dia estava perfeito, com a correnteza bastante amigável. Passei pelos afluentes Komakak e Ipnelivik, de águas cristalinas, que desembocam no Noatak, formando deliciosas praias de cascalho.

Seduzido por uma montanha

Montanhas e mais montanhas para onde quer que eu olhasse Tinha feito apenas metade do expediente quando uma delas “olhou” para mim e me “chamou”. Sim, ela me “chamou”. Tinha um topo agudo, se destacando das demais, e uma graciosa e convidativa aresta em S, que levava ao cume. Não poderia visitar a cordilheira Brooks sem subir uma de suas montanhas. A maioria tem o “padrão” Pedra da Mina, Agulhas Negras etc, isto é, acessíveis por “escalaminhadas”. Subir uma delas seria, literalmente, o ponto “alto” da viagem.

Montei acampamento numa praiazinha linda. Só depois percebi que estava repleta de pegadas de lobos, caribous e, ops, ursos!! Fazer o que? Pelo menos tinha uma excelente vista para o pico (1.633m)....que nem nome tem. Aproveitei a tarde livre para lavar roupas e recarregar as baterias das câmeras.

O legal de subir montanhas ali, é que eu não havia pesquisado nenhuma delas. Podia escolher qualquer uma aleatoriamente que não saberia qual a melhor rota a seguir, grau de dificuldade ou quanto tempo leva. Contaria apenas com meus 30 anos de montanhismo para farejar o melhor caminho. Era uma maneira de tentar experimentar a inigualável sensação dos pioneiros conquistadores.

Assim, na manhã seguinte, 8 de agosto, calculando que seriam uns 15-20 km ida e volta (sem trilhas), saí para caminhar às 9h45, com o “feeling” que retornaria para o jantar. O dia estava nublado e abafado. Com mais de 50 itens na minha pequena mochila, eu sentia a alegria contagiante de um adolescente indo ao primeiro encontro com uma garota, ansioso com o que poderia acontecer naquele dia que, eu imaginava, seria “especial” na minha vida.

O pico principal se conecta por uma longa aresta a um pico menor, à direita e mais próximo do acampamento, com sua base se juntando a outro pico à esquerda do principal. Rumei direto nesse ponto, onde, pela vegetação mais alta, deveria haver uma drenagem. Para chegar ali tive que atravessar alguns quilômetros de uma extensa planície coberta de grama, mas encharcada em vários pontos. No começo até tentei ser cuidadoso, driblando as poças, mas depois que enfiei os dois pés na água, desencanei e passei a caminhar mais rápido, mesmo afundando a bota inteira na água num ponto ou outro.

Assim que cheguei perto da drenagem, percebi que a mata alta poderia ser uma armadilha, pois vários ursos poderiam “morar” ali. Para não surpreendê-los, fiquei com um dos sprays bem à mão, e comecei a “chamá-los” aos berros...hey bear!!.....(na dúvida preferi gritar em inglês para “garantir” que eles entendessem rsrsrs).

Se um deles aparecesse eu teria que enfrentá-lo. A primeira coisa que o guarda parque me ensinou em Bettles, é que NUNCA se deve virar as costas para um urso e sair correndo, pois ele terá certeza que você está com medo, e não oferece perigo. O certo é encarar o bicho com coragem (fácil, né), ser firme mas sem agressividade, gritar bem alto e tentar parecer maior, abrindo os braços e o anorak, de modo que ele desista de atacar alguém “maior” que ele.

- E se ele vier para cima de mim, perguntei?
- Bem, os ursos costumam blefar, mesmo assim convêm você ter uma arma!
- Só estou levando um spray de gás pimenta!
- Sério?!? Hummmm... então é bom você saber que essas latas de spray só dão para um único “tiro”! Talvez dois! Se você ficar calmo. E só são efetivos se você estiver a menos de 2 metros do urso... e com o vento a seu favor... lembre-se também de mirar no pescoço dele, pois o gás pode subir e passar por cima da cabeça....sem fazer efeito...
- OK. Você me convenceu. Vou levar “dois” sprays...
- Evite atirar contra o vento. O gás volta para você, seus olhos vão arder e o urso vai te atacar...
- Mais algum conselho?
- Se tiver que brigar com ele, tente acertar socos no nariz e nos olhos.....
- Ah, legal, super fácil, obrigado, não vou esquecer...

Aproveitei uma gostosa cascata para descansar, repôs os cantis e beber bastante.
Atravessei o riacho e me aventurei pela encosta do pico da direita, buscando sempre os pontos mesmo inclinados e de mata mais baixa. Sem trilhas e com a mata chegando na altura do peito em vários pontos, tive bastante dificuldade para subir. Na primeira parada para descansar, suando em bicas, fui atacado por um exército de mosquitos, que eu tinha até esquecido que existiam. Tive que por a tela mosqueteira na cabeça para poder ter um pouco de paz.

Próximo ao topo, fiz um desvio em curva de nível para a esquerda, com a mata fechada e a enorme inclinação, dificultando meus movimentos. Quando finalmente desci para o col que conecta com o pico principal, estava exausto.

Eu havia lido sobre a enorme dificuldade de se caminhar pela complexa vegetação da tundra mas...uma coisa é “ler”, outra é estar ali, ao vivo e em cores.
A mata, mesmo com meio metro de altura, é intransponível, e o terreno, mesmo nas encostas, cheio de sulcos e buracos. Assim, os pés, espremidos nas botas molhadas, e pernas, estavam massacrados.

Forçado a parar algumas vezes para descansar, aos poucos fui me dando conta da beleza do lugar. Estava num imenso platô de grama, coalhado de flores que eu nunca tinha visto, e salpicado por bolinhas brancas parecidas com algodão, como as que existem perto da nascente do Noatak. Junto a pequenos paredões naturais de pedra, passarinhos iam e vinham, entoando um canto alegre, único ruído a quebrar o silêncio do lugar.

Parei para ouvir minha respiração e aguçar os sentidos. Olhando em volta eu conseguia enxergar a vários quilômetros de distância para todos os lados. Para a esquerda podia avistar as inúmeras curvas do Noatak que eu havia navegado nos dias anteriores. Para a direita, as curvas que eu percorreria nos próximos dias. Para trás, depois do acampamento, que mal dava para ver, pude avistar o imenso lago Matcharak, e as montanhas a perder de vista atrás dele.

À minha frente, à direita do pico, o vale do rio Nushralutak, rodeado de montanhas mais agudas, e que penetrava fundo na cordilheira. À esquerda, o vale do Ipnelivik. No céu, nuvens carrancudas se deslocavam com rapidez, fustigadas pelo vento. E o incrível era que, para onde quer que eu olhasse, não via um único ser humano. Toda aquela paisagem estava ali somente para mim. Eu me sentia um privilegiado de estar ali.

Mar de montanhas

Aos poucos cheguei na base da imensa encosta, coberta de pequenas flores vermelhas, que me levaria para a longa aresta em S, que por sua vez me levaria ao topo. Novamente tive que buscar os pontos mais firmes e menos inclinados para conseguir subir. Cheguei bem cansado na aresta, por volta das 13h30. A forte inclinação, e o meu precário preparo físico, tornaram a subida em “câmera lenta”, como se eu estive em grandes altitudes. Isto é, eu dava uns 15-20 passos e parava para respirar e descansar. Perto do cume não conseguia dar mais que 5 passos de cada vez.

Cheguei no topo às 14h20, quando, enfim, pude contemplar a real dimensão daquela cordilheira. Inesquecível. Depois de um merecido lanche, devorado no mais absoluto silêncio, comecei a descer pela aresta. A alegria pela subida e tristeza pela descida se misturavam.

Resolvi mudar um pouco o trajeto da volta, para evitar qualquer subida. Decidi explorar a parte superior do riacho que tinha atravessado pela manhã e, quem sabe, descer por ele. Foi uma péssima ideia. O riacho, descendo em degraus, seguia por dentro de uma vegetação fechada, que barrava o meu caminho a toda hora. Isso exigia grandes malabarismos, a mochila enroscava a toda hora, e sempre que eu tentava avançar pelas margens a coisa só piorava. Apesar de exausto, fui obrigado a abandonar o riacho e subir pela encosta à minha esquerda, no meio de uma mata alta e fechada. A muito custo consegui avançar, tornar a descer e finalmente retornar à planície encharcada que me levaria ao acampamento, onde cheguei às 19h, sob um céu azul, com muitas nuvens.

Considerei minha subida aquele pico da Brooks Range como um troféu, que eu levaria para sempre na minha existência. Agora eu poderia descer o rio mais realizado.
Fui dormir cedo, pensando nas emoções que o Noatak me daria nos próximos dias... quando começariam as corredeiras. Eu não via a hora de acordar.

Continua...