Carretera Austral, uma viagem pelos fiordes do sul do Chile
da redação, Manoel Morgado - 13:30
13 de fevereiro de 2012
 
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Por muitos anos o nome Carretera Austral me intrigou e me chamou. Imagens de um lugar isolado, montanhas nevadas, remoto, de difícil acesso, fiordes e clima horroroso, centenas de quilômetros de estradas de terra, poucos intrépidos viajantes. Por essas mesmas razões sempre quis ter tempo para poder explorar da maneira que o lugar merecia. E com isso, o tempo foi passando e eu sempre com a impressão de que estava perdendo a oportunidade de ver esta região do mundo enquanto ainda fosse assim. Com o cancelamento de minha expedição ao Pólo Sul de repente me vi com 5 meses de férias nas mãos e os planos começaram a tomar forma. Dois meses nos parques nacionais americanos e algumas escaladas em rocha, a escalada do Vinson na Antártica e ainda tinha tempo de fazer a Carretera Austral... perfeit... tinha chegado a oportunidade!

Como estava em Punta Arenas vindo da Antártica, aluguei um carro 4x4 e fiz a monótona estrada de lá a Puerto Montt, 2000 km de nada, pampas com nenhuma árvore, sem vistas e sem gente. Em Puerto Montt reencontrei a Lisete que vinha dos Estados Unidos, de Utah, onde havia feito um curso avançado de montanhismo. E de lá partimos para os 1200 km de terra rumo ao último vilarejo do Chile ligado por esta estrada. No mesmo dia que saímos tomamos 2 balsas e chegamos ao pequeno vilarejo de Hornopiren. As vistas do barco já foram além de nossa expectativa com montanhas com neve, águas de um azul super intenso e geleiras descendo rumo ao mar. A idéia da viagem era percorrer a carretera, mas sempre que possível fazer caminhadas e quem sabe alguma escalada. Ao invés das chuvas que esperávamos fomos surpreendidos pelo calor intenso e o céu azul. Isso deve ser sorte pensamos sem saber que nos 35 dias que passamos na carretera teríamos apenas 2 dias de chuva e frio. Deixamos o carro em camping e seguimos para uma caminhada de dois dias até um lindo lago a beira de um vulcão. Mas, claro, como diria minha mestra de budismo, estamos no sansara então nada é perfeito. Não havia nem haveria chuvas, mas para estragar a perfeição tinha uma nuvem de “sancudos”, vorazes mutucas que não nos deram sossego por muitos dias. Quando perguntávamos se era assim o ano todo nos diziam que não, que apenas em janeiro tinha tantas, conforme foi passando o mês começaram a nos dizer que não, apenas no verão... Mas, a gente aprende a se adaptar a tudo e com um pouco de repelente e muita paciência começamos na medida do possível ignorá-los.

Seguindo nossa jornada nossa próxima parada foi Futaleufu com seu maravilhoso rio e um dos mais famosos raftings do mundo, um rio caudaloso de grande volume como os do Nepal com ao redor de 4 corredeiras classe 5 e várias classe 3 e 4. Resolvemos fazer o rafting de dia todo e foi fantástico. Por muitos anos kayak de corredeira foi um dos meus esportes preferidos, e com meu envolvimento cada vez maior com montanhas acabei deixando de lado, mas a paixão nunca foi embora. O visual era impressionantemente bonito e a emoção de estar novamente em grandes corredeiras super intensa.

Os dias se seguiram com caminhadas por bosques lindíssimos com riachos de montanha vindos de glaciares imensos, acampamentos com vistas magníficas e encontros com pessoas interessantes. A Carretera deve ser a única estrada do mundo onde você encontra mais ciclistas do que carros. Este é um dos trajetos mundiais mais famosos para os ciclistas hard core com muitas subidas, muito pó, 1000 km de estrada de terra, com apenas poucos lugares para comprar comida, mas em compensação vistas deslumbrantes que são vividas de bicicleta de uma maneira que é muito mais intensa do que de dentro do conforto de um carro como estávamos fazendo. Tanto para a Lisete como para mim deu uma enorme saudades de viajar desta forma. A Lisete tem um ano de uma maravilhosa viagem de bicicleta pela Nova Zelândia e Austrália e eu as minhas muitas viagens pelos Himalaias. Para ambos estas viagens de bici nos deixaram algumas das lembranças mais intensas.
Em Coyaique, mais ou menos no meio da carretera, nos encontramos com a Patty Soto, amiga montanhista chilena, a primeira chilena a escalar o Everest e fazer os Sete Cumes, e com outros 2 amigos dela fomos escalar o Cerro Castilho, uma linda montanha nevada que estávamos namorando desde o começo da viagem. Infelizmente os dias de sol e calor que estávamos vivendo impossibilitaram a chegada ao cume. A montanha quase não tinha neve e conseguimos chegar até uns 200 metros do cume. De lá para adiante as condições estavam muito precárias com rochas soltas e decidimos voltar. Mas, foi ótimo estar lá com amigos e sentir o delicioso barulhinho da neve quebrando sob nossos crampons.

Também fizemos uma caminhada de 7 horas no gelo do lindíssimo glaciar dos Exploradores com cavernas de gelo, colinas de gelo azul formada pelo vento e formações lindas.
Após um mês de viagem chegamos a Villa O’Higgins, a última vila da estrada. De lá saímos para um passeio de barco até o Glaciar O’Higgins, que desaba no mar com uma parede de 3 quilômetros de largura e até 80 metros de altura! Maravilhoso estar a 300 metros da parede e ver os enormes blocos de gelo desmoronarem com grande estrondo para minutos depois voltarem a superfície como monstros brancos marinhos .

Como não podia deixar de ser, já na metade da Carretera e entusiasmados com ela começamos a pensar em oferecer mais este destino para nossos clientes. O lugar é muito bonito, diferente, remoto para que não venha a vontade de dividir isto com outros. Escolhemos em cada vila um pequeno hotel super transado e fizemos um roteiro de 14 dias com o melhor do que vimos neste mês e o roteiro ficou fantástico. Dentro em breve estará no nosso site.

De Villa O’Higgins voltamos 300 km pela Carretera até o primeiro passo para a Argentina para fazer a última parte de nossa viagem pela Patagônia, El Chalten e o trek das Torres Del Paine. Mas, isso fica para a próxima.