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Trekking ao Everest em meio ao terremoto
 
texto: Jota Marincek
19 de junho de 2015 - 00:35
 

Uma parada durante a subida ao Gokyo Ri (5.357m). Foto: Jota Marincek
 

Embarcamos em São Paulo dia 17 de abril e depois de uma conexão em Abu Dhabi, pousamos no aeroporto internacional de Katmandu por volta das 17h do dia 19. Mesmo depois de uma longa viagem, ninguém fica indiferente ao desembarcar no Nepal. Antes de tudo deve se ter em mente que este é um dos países mais pobres do mundo e isso fica bastante evidente nos primeiros momentos em solo nepalês, mas não se demora muito para perceber que não existe uma relação direta entre pobreza/riqueza e felicidade, pois aqui se encontra um povo muito solícito, simpático e risonho.

 

Depois de aproximadamente 20 minutos e muitas buzinadas conseguimos chegar no bairro turístico, Thamel, onde está localizado o hotel que nos aguarda. O Thamel é uma loucura... A exportação de artesanatos está entre as maiores fontes de renda do país, juntamente com agricultura e turismo. Nas ruas do Thamel estão restaurantes, lojas de equipamentos de trekking e escalada, livrarias especializadas, cafeterias, pubs, empresas que organizam viagens de trekking, supermercados, câmeras e todos os tipos de acessórios fotográficos, casas de câmbio, cyber cafés e seus derivados e lojas de artesanato dos mais diversos tipos como adereços em pratas, tapetes, pashiminas, capas de almofada, relíquias antigas, grande variedade de artigos em papel reciclado, entre outros artigos.

Passamos dois dias conhecendo sítios históricos e fazendo as últimas compras de equipamentos antes de partir para as montanhas. Nosso grupo era composto por oito brasileiros e sete nepaleses (4 carregadores, 1 guia e dois auxiliares, sendo um deles também responsável pela supervisão de nossa alimentação) e nosso objetivo era fazer Gokyo Ri, um pico a 5300m de onde se tem algumas das mais belas paisagens do Everest e demais gigantes do planeta (Lhotse, Nuptse, Makalu, Cho Oyu) e depois seguir pelo passo Cho La (5.400m) até o Kala Patar e Campo Base do Everest em um trekking de 17 dias.

     
 

Aqui cabe uma confissão: Apesar de amante da vida ao ar livre e sobretudo das montanhas, meu barato e motivação principal nunca foi a “conquista” dos picos, embora já tenha usufruído do prazer advindo da sensação que se tem quando se atinge o topo de uma montanha. Extraio minha motivação da possibilidade de uma interação plena e integrada com a natureza local, incluindo as pessoas que lá vivem e as que estou acompanhando. Neste sentido, o “como” estou me sentindo é preponderante sobre o “onde” estou e abdico prazerosamente da ideia de dormir em altas altitudes, que por si só já esgotam nossas energias. Diante deste contexto, minha maior preocupação nas viagens que lidero é criar e manter uma convivência harmônica entre os participantes e montar uma estrutura que possibilite atender às necessidades e características de cada um, mesmo que isso implique em dividirmos o grupo quando necessário.

Assim, considero muito importante que cada um encontre seu ritmo de caminhada, evitando-se a pressão nos mais lentos de terem de andar rápido e também a chateação que seria para os mais preparados fisicamente se tivessem de andar lentamente. Os primeiros dias de caminhada transcorreram tranquilamente com todos no grupo se aclimatando adequadamente e encontrando seu lugar na trilha, mas o destino traria algo totalmente imprevisto e novo para mim.

Amanheceu nevando em Khunjung (3.790m) no dia 25 de abril e como um prenúncio do que viria, assim ficou o clima por todo o dia. Situação inusitada em mais de 20 anos acompanhando grupos caminhando pelo Nepal. As temporadas de trekking no Himalaia acontecem sempre nos meses de março, abril e maio, e outubro e novembro. Neste ano o clima se comportou diferente, nevando muito mais do que o esperado. Era nosso quinto dia de trekking e todos em nosso grupo composto por oito brasileiros e sete nepaleses, estavam bem dispostos. Saímos às 7h45 e caminhamos apreciando a paisagem incomum para quem vive nos trópicos. Nossa meta do dia era o vilarejo de Dhole (4.110m) a aproximadamente seis horas de distância. A neve fina batia na capa de chuva e escorria até o chão e graças ao fato de estarmos todos bem equipados, pudemos desfrutar da caminhada e da paisagem inusitada. Um pouco antes da hora do almoço, tivemos um encontro com as cabras montesas, um bonito animal coberto de pelos e bem difícil de avistar, pois ele se mimetiza em meio a paisagem.

Paramos para almoçar por volta de 11h30 em Phortse Thanga (3.680m), um pequeno entreposto com poucas construções. Entramos no lodge que já abrigava umas 20 pessoas, penduramos nossas capas de chuva e fizemos nosso pedido. Conversávamos tranquilamente quando Paulo olha para mim e pergunta – “Você esta sentindo? É terremoto ou avalanche?” Um som de trovão se fez ouvir e imediatamente todos saíram correndo para fora sem sabermos exatamente o que estava acontecendo. Estávamos no fundo do vale, e por alguns instantes imaginei se tratar de uma avalanche. O tremor reduziu para então recomeçar forte. Momentos de pânico. Entendi que era um terremoto e imaginei que poderia ser seguido de uma avalanche, pois estávamos no fundo do vale. Para nossa sorte nada mais aconteceu. O lodge ficou apenas com uma trinca, mas nada que impossibilitasse nosso retorno para o almoço antes de prosseguirmos nosso caminho.

     
 

Seguimos caminhando de tarde por mais duas horas debaixo de neve, passando por florestas e cachoeiras que sob a neve eram de uma rara beleza até chegarmos na vila de Dhole e só então, começamos a nos dar conta do tamanho da tragédia... Logo de cara as primeiras casas e lodges estavam parcialmente destruídas. Ao caminhar por entre as casas, uma replica fez com que todos saíssem correndo para fora do que restara de suas casas. Um senhor mantinha seu filho de uns 3 anos no colo o tempo todo para poder correr a qualquer momento. Aperto no coração... tristeza.

Encontramos um dos poucos lodges que estavam funcionando, pois por ser feito de madeira não sofreu grandes danos, exceto pela parte frontal do refeitório que por ser de pedras havia cedido parcialmente. Nos acomodamos em quartos de madeira que ficavam isolados e que nada haviam sofrido com o terremoto. Decidi que permaneceríamos em Dhole por mais um dia para garantir nossa segurança e termos tempo para receber mais informações que nos possibilitassem decidir o que fazer dali para frente. Minha única certeza é que agiríamos exatamente como quem pretende subir uma montanha: Um passo de cada vez para e sem se deixar levar pela ansiedade de chegar e muito menos pela incerteza do prosseguir. Aos poucos fomos recebendo noticias de rádio, pois não havia como nos comunicarmos. Quando percebemos que o terremoto fora de grandes proporções, nossa primeira reação foi de alertar nossas famílias que estávamos bem, mas como isso não era possível naquele momento, nos contentamos em subestimar a velocidade da informação em tempos cibernéticos, achando que por ser madrugada no Brasil, talvez ninguém ainda soubesse do ocorrido, evitando que se preocupassem.

Estávamos todos abalados (alguns mais, outros menos) com os acontecimentos imprevisíveis e, incentivado por uma das participantes do grupo, a Fernanda Belo, reuni o grupo para uma conversa. Minha intenção era tranquilizar a todos e buscar uma maior união pela cumplicidade do que estávamos passando. Chamei a atenção de todos para o fato de que apesar da tragédia e as implicações que viriam pela frente, nós estávamos em segurança, abrigados do frio e sem privações de comida ou bebida. Efetivamente não havia absolutamente nada de errado conosco naquele momento. Além disso, a sorte havia mais uma vez nos brindado, já que todos os familiares da equipe nepalesa estavam a salvo (embora tivessem tido perdas materiais).

Fizemos então um momento de silêncio em intenção dos que foram atingidos pelo terremoto e também para que cada um pudesse tentar afastar os pensamentos angustiosos e buscasse se conectar com o momento presente e com a realidade que se apresentava para que cada um soubesse por si próprio como deveria lidar com a situação presente.

Alertei que a mente tenderia a ficar dando voltas e elucubrando sobre o passado ou o futuro, causando frustrações, desesperos e aflições fundamentadas em um danoso descompasso entre a ilusão do que cada um gostaria que fosse e a realidade que é. Acredito que podemos escolher como queremos viver nossos dias, mas é preciso estar conectado com os fatos e vivendo atentamente ao presente para se perceber os diversos pontos de vista possíveis e então optar se irá focar na metade cheia ou na vazia do copo.

     
 

Durante a noite e nos dias que se seguiram, sentimos novos tremores das replicas, mas em menor intensidade. Dhole amanheceu no dia 26 coberta de neve e com o tempo encoberto. Sabíamos através de outros trekkers que a próxima vila que estava em nosso percurso, Machermo (4.470m), fora muito afetada pelo tremor. Diante deste quadro decidi mudar a Rota. Combinei com Nabin Karki, líder dos Nepaleses, de ir até a vila de Phortse (3810m), mais abaixo na montanha e do outro lado do Vale, para checar as condições de acomodação e retornasse com mais informações. Comuniquei ao grupo que só responderia questões sobre as próximas vinte e quatro horas e assim foram os dias que se seguiram. Nabin seguia sozinho até a vila mais próxima e retornava com informações e locais adequados para pernoitarmos. Optamos acertadamente por permanecer nas montanhas ao em vez de descer para a tumultuada cidade de Lukla, ponto de partida e final dos trekkings, por abrigar o aeroporto que serve Katmandu e que sofria com desabastecimento e excesso de turistas tentando embarcar.

O movimento de helicópteros que se seguiu foi muito intenso e cada passo era cuidadosamente calculado. O tempo não ajudou nos primeiros dias, mas depois fomos brindados com dias ensolarados. Mantivemos nosso cronograma ficando na cota de 4.200 metros e optamos por não subir mais para evitar possíveis problemas que pudessem sobrecarregar ainda mais as missões de ajuda, já tão atribuladas com o resgate dos que estavam necessitando. De toda esta experiência intensa, sobressai a oportunidade de aprendermos. Primeiro sobre humildade, sobretudo para aqueles que acreditam poder controlar suas vidas, não podem. Segundo sobre gratidão, uma lição que deve ser levada para todo canto todos os dias, pois estamos vivos e por fim e não menos importante, sobre dedicação ao próximo, pois os nepaleses que convivemos, mesmo em meio a uma situação de crise como esta, não pensavam em outra coisa que não fosse prover o bem estar ao próximo e no caso, tratava-se de brasileiros que não tiveram suas casas afetadas e que logo retornariam a seu país.

Ajuda

Juntamente com os demais integrantes brasileiros, assumimos o compromisso de ajudar os membros da equipe nepalesa que tiveram suas casas condenadas ou comprometidas. A ideia é focar os esforços em ações que podemos acompanhar a correta aplicação dos recursos, bem como monitorar o andamento das obras.

Convidamos os interessados em participar voluntariamente desta iniciativa a fazerem suas doações na conta da:

Empresa: Venturas
Banco: Santander
Agência: 4721
C/C: 130002378
CNPJ: 71.613.061/0001-72

Favor enviar o comprovante para o email para nepal@venturas.com.br. Para mais informações acesse o site: www.venturas.com.br/Ajude-o-Nepal/

Jota Marincek
www.venturas.com.br

 
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