Pedalando nas Montanhas do Gila
da redação, Thiago Bahia
5 de novembro de 2012 - 15:30
 
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A Floresta National do Gila - pronuncia Rila - fica localizada no lado sudoeste do estado Americano do Novo México. É a sexta maior Floresta Nacional dos EUA e abriga as famosas montanhas Mogollons com seus vários picos de mais de 3.000 metros de altitude. Uma área bastante remota e também histórica desse país, pois foi o local de nascimento do grande Guerreiro apache Gerônimo e por muitas vezes o esconderijo do temível Billy the Kid. As famosas ruínas de Gila, habitadas pelo povo Mogollon por volta do ano 1.200 ainda estão de pé e ainda se pode caminhar dentro delas.

Como é de costume aquí nos EUA, cada estado tem o seu slogan, que vem escrito na placa do seu carro. Por exemplo, o de Nova York é “ The Empire State”, o da Flórida é “The Sunshine State”, Arizona é “The Grand Canyon State”  etc.  O slogan do Novo México é “Land of Enchantments” que traduzindo quer dizer “Terra de Encantos”.  

O nome já diz tudo. As belezas naturais desse estado são realmente de deixar qualquer um fascinado. Eu tive o prazer de passar alguns dias explorando mais um cantinho desse maravilhoso lugar. Já havia estado na Floresta do Gila antes em uma pescaria de “fly fishing” em busca das elusivas Trutas do Gila. Porém dessa vez encontrei o lugar totalmente diferente. Planejei minha visita para coincidir com o festival de cores que o outono traz anualmente toda vez que as árvores começam a se preparar para o inverno. Agora presenciei uma floresta literalmente “encantada” com árvores de folhas amarelas, vermelhas, laranjas, rouxas, etc… Quando o sol bate nessas folhas, a floresta toda brilha e parece ter lúz própria. A melhor hora para ver tal fenômeno, é cláro, logo após o nascer do sol e logo antes dele se pôr. Em inglês esse intervalo de tempo se diz “the golden hours” ou “As horas de ouro” onde tudo, desde às pedras às árvores à pele humana, adquiri aquela cor dourada tão especial.  

O vídeo que segue é apenas um resumo da experiência. Foram 2 dias de muita pedalada mas que envolveram caminhadas e trajetos de carro também. Afinal, essa área tem mais de 1 milhão de hectares. Impossível fazer tudo isso em 2 dias apenas em cima de uma bike. As cidadezinhas dessa região são poucas e isoladas umas das outras. É possível cobrir longas distâncias sem ver ninguém, nem mesmo um carro passando ou uma casinha sequer. 

O estado do Novo México tem fama de atrair uma leva de pessoas alternativas, esotéricos, hippies, artistas e naturalistas. Cidades como Santa Fé, Taos e Silver City parecem ser um ponto de encontro dessa gente.  Foi no fim do primeiro dia que encontrei uma dessas figuras. 

O Sasquate de Cornell. O cara  tinha uns 2,10m de altura, loiro e de cabelo e barba longa.  Ele vinha caminhando na beira da estrada, sozinho, com uma mochila do tamanho do mundo que devia pesar uns 30 quilos. Nós vínhamos em sentido contrario. Eu descendo a montanha de bike e ele, subindo. No momento em que nos cruzamos, nós dois levantamos a mão direita em um gesto universal de quem diz “Olá”. Dei meia-volta com a bike e resolví parar pra conversar. Eu queria saber a história do cara. Logo disse que eu era do Brasil e que tinha crescido na Amazônia e que estava alí para fazer um vídeo de bike nas montanhas do Gila. Eu sempre digo que sou do Brasil, em todas as minhas andanças por aí afora, isso é um abre-portas e um quebra-gelo tremendo. Dito e feito, o cara era apaixonado pelo Brasil e tinha como sonho visitar o nosso país. Depois das devidas introduções, nos sentamos ali na beira da estrada e à sombra dos pinheiros a bater papo e comer barras de granola. Percebendo a abertura do cara, entrei logo em modo de entrevista e descobri que a vida dele daria um interessante livro. Ele me lembrou bastante o personagem do Krakauer do livro “Na Natureza Selvagem”. Ele tinha se formado pela prestigiada Universidade de Cornell e estava já há 1 ano percorrendo os EUA de costa a costa. A pé e pedindo carona sempre que possível. Percebi que dobrado no bolso externo da mochila havia um papelão de dizia simplesmente a palavra “OESTE”.  Esse cartaz ele usava para pegar carona nas principais rodovias que cortam o país de leste a oeste. O seu plano era chegar até as famosas florestas de Sequóias na California. Porém ele gostou tanto do Novo México que acabou ficando por aqui muito mais tempo que o planejado. Quando chegou a hora de seguir nossos caminhos, eu lhe perguntei o que ele iria fazer depois que chegasse lá na Floresta das Sequóias. Ele respondeu em um tom misterioso e pensativo:  

“- Quem sabe?” 
 
Pedras Aquecidas na fogueira: Quando chequei a previsão do tempo vi que a temperatura na noite não iria baixar mais que 12ºC. Então relaxei e deixei o saco de dormir na mala do carro. O que eu não levei em conta é que já havia subido pelo menos mil metros daquela montanha e agora que começava a escurecer, percebi que a noite seria muito mais fria do que eu havia me preparado. Decidi que descer a montanha no escuro para ir buscar o saco de dormir seria inviável pois o carro estava a pelos menos 3 horas dali. Na mochila eu tinha uma barraca, 3 pares de meia, uma calça e 3 camisas de manga longa. Também levava um lençol grosso e por sorte encontrei lá no fundo da mochila um par de luvas e um gorro de lã, restos da minha última saída de snowboard. Trazia comigo um isqueiro. Há 3 coisas que sempre levo comigo nessas aventuras. Isqueiro, apito e uma ferramenta multi-uso como o Letherman. Alguns anos atrás participei de um workshop de sobrevivência em clima frio oferecido nos arredores do parque Nacional do Yosemite, na California. Lá aprendi uma técnica simples e bem antiga que consiste em aquecer pedras na fogueira para poder dormir bem em uma noite fria. As pedras, depois de aquecidas, irradiam o calor possibilitando pelo menos umas 6 horas de sono tranquilo. Claro isso varia do tipo de rocha que você usa. Então foi assim que passei a noite, dentro da barraca, vestido com todas as peças de roupa que tinha, enrolado naquele lençol e cercado de pedras aquecidas (é importante não deixar as pedras em contato direto com a barraca e nem com o corpo).  Não havia lua e o céu estava extremamente estrelado. Por isso retirei a parte de cima da barraca para poder contemplar melhor aquela noite. Lá fora ainda podia ouvir o barulho das brasas que queimavam na fogueira apesar de já ter tentado apagar o fogo uma vez. Aquele ar frio e seco do outono entrava pelo teto da barraca e eu podia senti-lo no rosto, refrescante! Entre uma estrela cadente e outra, fui logo pegando no sono mas não antes de me dar conta que aquilo ali, aquele momento, era o resumo da essência do que me faz, desde criança, buscar experiências na natureza como estas. A busca por essa comunhão com o mundo natural, longe de tudo e de todos, mesmo que somente por alguns dias sequer. 

No dia seguinte constatei que a temperatura baixara para 3ºC. E por mais incrível que pareça, foi uma das noites mais confortáveis que já passei.
 
Até a próxima aventura.

Thiago Bahia