Após pouco mais de um ano desde quando descobrimos a estreitíssima e imperceptível fenda que dá acesso à Caverna da Talhada, finalmente consegui retornar para esta espetacular formação que se encontra entre os locais mais inacreditáveis que já conheci. E desta vez a exploração foi ainda mais especial... mergulhando por suas cristalinas e misteriosas águas!
Como este atrativo continua desconhecido do público desde a minha primeira visita, se mantendo como novidade inclusive para antigos mergulhadores e caiçaras que há décadas pescam nesta erma região do Arquipélago de Ilhabela, e considerando as tristes ameaças que assombram Ilhabela e movem o projeto VIAGENS ECOLÓGICAS E CULTURAIS* e o reduzido risco de impacto (sem vegetação, espeleotemas ou outras formações frágeis, paredes de granito, etc.), voltei desta vez com o objetivo de palmilhar a área com mais atenção e apresentar esta incrível caverna a aventureiros, Trade Turístico especializado e demais interessados em proteger e explorar de forma sustentável o nosso paradisíaco quintal. Acompanhando-me nesta aventura, o experiente Andreoli, Instrutor de Mergulho da operadora Universo Marinho e responsável pela logística sub da empreitada, e a atleta-documentarista Fernanda Lupo, fiel companheira com quem passei os últimos cinco anos explorando centenas de áreas isoladas deste arquipélago - dedicação e tempo investido que, dentre outras ações, gerou um livro e um levantamento que segundo órgãos públicos e profissionais de diversas áreas se consagra como o mais completo e preciso inventário ecoturístico e de Aventura sobre Ilhabela.
Além de outras quatorze ilhas e ilhotes, o Arquipélago abriga a grandiosa Ilha de São Sebastião, popularmente chamada de Ilhabela e que se destaca como terceira maior ilha marítima do Brasil. E é no seu extremo sul que se localiza a Talhada, em uma bela e acidentada costa formada por várias fendas e grutas e afamada como um dos trechos mais tensos para a navegação do litoral brasileiro, região constantemente castigada por poderosas tempestades provenientes do quadrante sul.
Para a nossa sorte, assim como na primeira exploração, novamente fomos presenteados com condições perfeitas e, apesar do pequeno desfalque em nosso sistema de iluminação, realizamos um mergulho tranquilo, seguro e inesquecível.
Apesar de ainda não termos conseguido medir a extensão da caverna com precisão, estimamos que penetramos o costão por cerca de 50 metros, iniciando por uma fenda bastante espremida que dá acesso a um túnel estreito e escuro que alcança uma minúscula praia de pedras.
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Marcio Bortolusso, Fernada Lupo e Andreoli. |
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ATENÇÃO! A Talhada é realmente fantástica, mas... devido ao seu difícil acesso e às nervosas condições do mar nesta área, trata-se de um isolado point de complexa visitação RECOMENDADO APENAS PARA PRATICANTES EXPERIENTES (remadores oceânicos com experiência em Águas Brancas, mergulhadores avançados, etc.) e que só deve ser visitado durante os raros sonos profundos de Netuno - o que significa mar calmo como um espelho. As fortes ondas que açoitam esta instável zona marítima já levaram a pique grandes navios e apenas meio metro de ondulação de sul pode transformar uma tentativa de acesso em um sério pesadelo. E como exemplo, em abril de 2015 um acidente envolvendo turistas em Jet skis resultou na morte de uma mulher em uma outra caverna marítima de Ilhabela.
Ou seja, além dos riscos próprios de tal lugar, nunca é demais lembrar dos cuidados extras ao mergulhar em "espaços confinados" (naufrágios, etc.), especialmente em cavernas, uma das atividades mais arriscadas do mundo e provavelmente a mais técnica e a responsável pelo maior número de fatalidades no Mergulho, que além de envolver uma série de riscos particulares (gases tóxicos, desabamentos, maior desorientação, limitação de Contingências, etc.) exige técnicas e equipamentos bastante diferentes do simples mergulho em mar aberto (equipo reserva de quase tudo, 3 lanternas, capacete, cabos, nunca consumir mais de 1/3 do seu estoque de ar, etc.).
Portanto, este vídeo não serve como parâmetro para o planejamento de possíveis interessados em conhecer tal atrativo ou uma caverna. Primeiro, pois neste dia ainda iríamos fazer um reconhecimento de quatro outros pontos de Mergulho no arquipélago e, principalmente, pois após duas décadas de experiência em condições extremas adotamos estratégias “minimalistas” em nossas ações que, apesar de nos levar além em algumas explorações, nos obriga a assumir um número maior de riscos. Desta forma, considerando as ótimas condições meteorológicas do dia, a experiência do grupo (Andreoli é o principal responsável pela exploração e cabeamento das Grutas da Ilha dos Búzios, um dos maiores sistemas de grutas e passagens submarinas do Brasil), o nosso conhecimento nesta área, as características de tal caverna (linear e sem dutos, com segura câmara de ar, água com ótima visibilidade, etc.) e a nossa limitação de tempo, optamos por utilizar um equipamento mais simplificado (sem cilindros reservas, capacete, etc.), o que nos forneceu maior agilidade e segurança em certas situações (enroscos, fortes correntes, etc.).
E aproveitando para esclarecer algo que sempre gera confusões, inclusive entre mergulhadores menos familiarizados com este tema, assim como existem penhascos de apenas 100 metros muito mais técnicos e perigosos que as altas montanhas do Himalaia, ondas de poucos metros muito mais mortais que montanhas de 45 pés e um número infinito de exemplos em outras modalidades, os riscos do Mergulho em Espaços Confinados estão menos relacionados com nomenclaturas e muito mais com as características geográficas de cada local. Ou seja, não importa se é uma caverna, gruta, abismo, gruna, lapa, furna, buraco ou uma simples toca, a logística de trabalho (e seus equipamentos e estratégias) dependerá basicamente de análises prévias em relação ao pilar água-visibilidade-ar (condições x quantidade/tipo), considerando saídas de emergência, luminosidade, riscos de gases e desabamentos, grau de orientação/navegação da área, graduação das passagens mais complexas (estreitas, com risco de enrosco, etc.), etc., o que explica haver mergulho em "cavernas" ao redor do mundo praticado comercialmente inclusive para turistas equipados de forma básica e simples "tocas" ou "passagens" ranqueadas entre as áreas que mais ceifaram vidas. Em parceria com amigos mergulhadores e membros da Redespeleo Brasil e da Sociedade Brasileira de Espeleologia, há alguns anos publicamos alguns textos em nossa cartilha Guia do Aventureiro Consciente, volume Segurança, que trataram deste tema.
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Marcio Bortolusso durante o mergulho. |
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Resumindo, você e apenas você é responsável por sua segurança, desrespeitar estas recomendações pode te levar à morte!
Para maiores infos e contribuir com o Mergulho em Ilhabela, curta o site www.viagensecologicas.com.br, o mais completo e confiável portal sobre o Arquipélago, fruto de mais de 60 meses de minuciosa pesquisa e árduo trabalho de campo.
Parar para analisar o risco sempre, deixar de explorar jamais! Bons mergulhos, saudações marinhas!
* Este vídeo pertence à série Arquipélago da Aventura, pequenos clipes que fazem parte do projeto VIAGENS ECOLÓGICAS E CULTURAIS, iniciativa em prol do desenvolvimento sustentável de Ilhabela. Diante de sérias ameaças que assombram o Litoral Norte do Estado de São Paulo – esmagadora especulação imobiliária, altos índices de caça ilegal, questionáveis alterações no Zoneamento Costeiro e principalmente pelas catastróficas ampliações do Porto de São Sebastião e do TEBAR (maior terminal petrolífero marítimo da América Latina), o projeto VIAGENS ECOLÓGICAS E CULTURAIS luta pelo desenvolvimento do Arquipélago de Ilhabela por meio do Ecoturismo e das atividades de Aventura, tendo como principal objetivo fortalecer a nossa região com base em uma economia focada na verdadeira sustentabilidade do nosso rico e ameaçado patrimônio natural, através da valorização da oferta turística local, da descoberta de novos atrativos, da criação/estruturação de polos e da transformação de potencialidades naturais e culturais em produtos turísticos – sempre mediante criteriosa análise sobre Ética, Mínimo Impacto e Segurança. Para saber mais: www.viagensecologicas.com.br/a-colecao.
Márcio Bortolusso é documentarista de Aventura, Natureza e Cultura Regional (www.photoverde.com.br) e aventureiro patrocinado pelas
marcas norte-americanas
Gore-tex e Windstopper. |