Nunca pensei que um dia subiria um vulcão. Quando se tem 60 anos, apesar de toda a modernidade em que vivemos, no fundo pensamos que as chances de fazer coisas grandiosas, inovadoras, de auto-superação e que demandam coragem vão diminuindo gradativamente.
Durante minha infância e mocidade, morava em cidade pequena do interior paulista e quando via os conhecidos de 50 - 60 anos eles já eram muito velhos, velhos na aparência, velhos no modo de pensar, já não trabalhavam, a saúde debilitada, as mulheres já eram mães, avós e algumas até bisavós – era a época de se aquietar, se recolher e esperar o tempo passar. Hoje os tempos mudaram, sempre fiquei admirada vendo na TV ou internet aqueles vídeos de pessoas com mais idade dançando, competindo, pedalando e tantas outras coisas, enfim vivendo a vida com intensidade e não colocando a idade como limitador. A gente vê esses exemplos e se admira, mas quando é que a gente traça metas para as nossas próprias vidas a fim de viver experiências mais audaciosas?
Para falar a verdade, estou fazendo essa reflexão agora, mas titubeei quando recebi um convite para uma aventura. Minha filha (Fernanda) e genro (Gambá) iriam para o Chile e me ligaram em uma noite perguntando se queria ir, o convite era para fazer trekkings e subir o vulcão Villarrica. Na hora disse não. No outro dia pela manhã liguei de volta e disse sim. Não sei porque na primeira vez disse não e na segunda disse sim. Acredito que a reação da maioria das pessoas seja negativa para convites inesperados ou fora do comum, mas confesso que a minha filha consegue ser bem persuasiva comigo ainda mais pela naturalidade que ela disse - “Mãeeeeee, vamos! É só um vulcão, tenho certeza que você vai adorar”.
Da mesma forma que ela me arrancou esse “Sim” para um vulcão, aconteceu com o “Sim” de acampar com os ursos-negros na Carolina do Norte, o “Sim” para nossa primeira travessia com camping selvagem na Chapada dos Veadeiros e com o “Sim” de ficar com aquele filhotinho branco de boxer que hoje pesa 42 kg (Lolla!).
Esse meu último sim me rendeu um preparo físico mais intenso, principalmente focado em treino de perna e caminhadas na subida. Embarcamos para o Chile, escala em Santiago e Pucón no destino final. Uma cidade encantadora, ficamos hospedados no Frontera Pucón Hostel, de um casal de brasileiros muito gentis! Visitamos Unidades de conservação, fizemos vários trekkings, visitamos as Termas Geométricas (imperdível!), mas o frio na barriga ia aumentando conforme chegava a hora de encarar o vulcão. Na agência contratada para a subida experimentei os equipamentos: botas especiais para neve, mochila com roupas de cordura, crampon, piolet, capacete e luvas, nessa hora eu já tinha entendido que a subida no vulcão não seria um “passeio no parque”.
No dia seguinte, às sete da manhã - antes do nascer do sol, estávamos na base do vulcão Villarrica prontos para subida. Olhei ao redor procurando algumas rugas ou cabelos brancos para me sentir mais à vontade, mas o que eu encontrei foi excesso de juventude!
- “Fernanda, só tem gente jovem aqui!”
- “Mãe, fica tranquila e foca na sua subida. Não viemos para chegar em primeiro lugar viemos pra subir e nos divertir e se não der pra subir não tem problema nenhum!”
Começamos a subida, dois trechos grandes de terreno bastante irregular com rocha solta, fizemos um descanso, comemos e o guia pediu que nos equipasse com o crampon, pois os próximos três trechos seriam de neve/gelo.
Neve. A neve sempre me encantou, mas nunca tinha visto ou pisado sobre, mas graças aquele “sim” eu estava ali, escalando um glaciar.
Recebemos um breve treinamento sobre como caminhar no gelo, manobras de segurança e fiquei focada em fazer exatamente o que o guia fazia, até me esforçava em pisar no mesmo lugar que ele. Imagina só, pior que ser a mãe que não aguentou subir o vulcão, é ser a sogra que melou o passeio de todos!
Para mim os três primeiros trechos foram tranquilos, os dois últimos foram exaustivos, muito íngremes e não haviam intervalos de descanso, pois o risco de ser acertado por rochas que caiam do cume do vulcão era alto. Mais ou menos a cada 5 minutos se ouve um sonoro:
– “Rocasssssssssssssssssssssssssssssssss!” de alguém em posição mais avançada e nós tínhamos que nos desviar delas o tanto quanto pudéssemos, as rochas descem quicando e em alta velocidade. Nesta hora você agradece em estar de capacete!
No último trecho o guia do nosso grupo me perguntou se eu estava bem, iriamos avançar para chegar no falso cume e depois na cratera. Eu perguntei: “Já estamos chegando, ne?”, e ele disse: “Na verdade não, chegando no cume ainda falta toda a metade restante”. Ele se referia à descida, obviamente.
Enchi os pulmões, e continuei com passos bem pequenos, um após o outro. Chegamos ao falso cume, pude descansar, comer, beber água e continuei até o cume, a cratera de um vulcão em plena atividade! Cheiro de enxofre, fumarolas e estrondos de lava em explosão, sentia a vibração dentro do peito de tão intenso que era. A natureza é fantástica! Chegando à cratera fui parabenizada por diversas pessoas e soube que em média 10% das pessoas que tentam subir o Villarrica desistem no meio do caminho.
Retornamos ao falso cume e vestimos as roupas de cordura, uma boa notícia me esperava – íamos descer grande parte da montanha de ski-bunda! Economizei uma pernada e me diverti muito! Três trechos finais da descida foram andando, e o retorno foi muito exaustivo.
Foram oito horas de sobes e desces, uma paisagem linda, a beleza do gelo e da neve e a sensação de dever cumprido. Ainda descendo do vulcão duas novas metas já traçadas: um bom banho e comida!
Tivemos um jantar maravilhoso, comemoramos o dia que tivemos e eu comemorei o lugar mais alto que já havia subido com as minhas próprias pernas, 2847 metros! Pra falar a verdade ainda não sei como consegui.
No dia seguinte fizemos mais trekkings na base do vulcão Lanin na divisa da Argentina e Chile, mal tinha acabado de comemorar o Villarrica e a minha filha já me olha daquele jeito que eu conheço. Quem sabe recebo um próximo convite, mais desafiador? |