Na rota do autoconhecimento
da redação: por Ciça Vallerio - O Estado de S.Paulo
14 de junho de 2011 - 12:57
 
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A TRILHA - Normalmente a trilha é percorrida em 11 dias em um total de 241km. Arte: Divulgação
 
 

Mais do que um roteiro de aventura, o Caminho do Sol se tornou uma viagem feminina - em vários sentidos. A começar pelo fator numérico. Ao longo de seus quase nove anos de existência, o percurso de 241 quilômetros, que sai de Santana de Parnaíba e acaba 11 dias depois em Águas de São Pedro, ganhou adesão maciça das mulheres: atualmente elas são maioria entre os caminhantes - 70%. Com mochila nas costas e cajado na mão, elas encaram com bravura dores musculares, bolhas nos pés e uma infinidade de obstáculos, principalmente os emocionais.

Para espanto geral, os homens desistem desse desafio - realizado em áreas rurais do interior paulista - mais facilmente do que elas. É o que garante o idealizador do Caminho do Sol, José Palma. "Embora o índice de desistência seja baixo no geral, essas peregrinas superam as dificuldades com muita garra para chegar até o fim", observa. "Os homens sofrem mais para se adaptar às adversidades."

Cerca de 10 mil pessoas já se aventuraram na empreitada. Novos interessados já podem começar a se preparar para a melhor época de realizar esse programa: o segundo semestre. Período de pouca chuva e com calor ameno. Entre a legião de andarilhas, muitos são os motivos que levam ao Caminho do Sol. O principal deles, explica Palma, é a maior disposição para uma viagem interior, em busca do autoconhecimento.

"Tudo indica que a mulher é mais predisposta a se confrontar com seu eu", avalia. "Não é à toa que boa parte das participantes está na faixa dos 40 e sente a necessidade de se reavaliar como mãe, mulher e profissional." Para ter uma ideia, basta dar uma olhada no site oficial e ler os depoimentos de quem viveu tal experiência. O último postado completa 1.142 impressões pessoais, em grande parte feminina, para variar.

Um deles é o da atriz Tatiana Libertucci, de 33 anos, que completou o percurso em janeiro deste ano. Como é de praxe, ela abraçou essa jornada para se "entender". "Precisava sumir do mundo, ficar um tempo sozinha, pois estava num momento confuso", conta.

A princípio pensou em fazer o famoso Caminho de Santiago de Compostela, na Espanha. Mas acabou optando pela versão paulista, por ser mais barato e necessitar de bem menos tempo. Apesar de não ser nada fácil, é também uma alternativa para quem pretende se preparar para enfrentar a longa jornada espanhola, que leva pouco mais de 30 dias para ser finalizada, em cerca de 800 quilômetros bem suados.

"A minha preparação física resumia-se à malhação em academia", diz Tatiana. "Mas o que mais ajuda a aguentar os 11 dias de caminhada é o apoio do grupo. A gente entra sem conhecer ninguém e acaba quase irmão." Companheirismo é essencial porque, em algum momento, alguém vai pedir água e pensar seriamente em voltar para o aconchego do lar. Mesmo que surja alguma rusga com alguém do grupo, a solidariedade sempre está presente e é o combustível dos andarilhos.

Os peregrinos que estão com o espírito aberto para experimentar as alegrias e as durezas do trajeto - tal como a vida - sempre saem ganhando. Porque as transformações pessoais são, em grande parte, reveladoras. Apesar de cética, Tatiana, por exemplo, viu como supervalorizava seus problemas pessoais, o que lhe causava sofrimento desnecessário. O desapego é outro ensinamento tradicional a quem se arrisca em tal aventura, principalmente para as mulheres, conhecidas por seus ímpetos consumistas.

Perceber que dá para sobreviver apenas com o que cabe em uma mochila é um grande aprendizado. E olha que a mochila precisa estar leve para suportar a caminhada. Que o diga a consultora em marketing de moda Luciana Nunes, de 41 anos, baiana que mora em Porto Alegre com seus dois filhos. Acostumada a viver no mundo glamouroso da moda, entre grifes e consumo elevado à enésima potência, Luciana pôde resgatar a simplicidade. Aquela que estava esquecida na sua infância, quando morou em uma fazenda no interior da Bahia.

E foi por isso que Luciana criou coragem para enfrentar seu medo de virar a mesa na profissão. Duas semanas após a viagem, preparou um jantar aos filhos para comemorar o pedido de demissão e a abertura do seu maior sonho: uma empresa de consultoria. "Precisava de um impulso e tive isso no Caminho", diz Luciana, por telefone, de Paris, onde realizava pesquisas de mercado para seus novos clientes. Apesar de estar acostumada a rodar o mundo por causa de seu trabalho, sempre rodeada por luxo, a consultora confessa que essa experiência foi uma das mais importantes de sua vida.

Vai encarar?
Para aqueles que querem enfrentar o desafio, o site www.caminhodosol.org tem todas dicas. Se mesmo assim surgirem dúvidas, basta mandar e-mail para o próprio idealizador do trajeto, José Palma, no endereço indicado na página. Ou então, ler o livro Relatos de um Cajado - Contos & Causos Peregrinos, Vivenciados no Caminho do Sol (LCTE Editora), escrito por ele. Para mostrar que a caminhada não é só sofrimento e flagelo, Palma selecionou "causos" divertidos dos viajantes. Um deles é o de uma mulher que encarou a jornada em áreas rurais do interior paulista sem saber a diferença entre boi e vaca.

É bom saber também que não basta disposição para cair na estrada. Além de equipamentos, é necessário pagar taxas: inscrição (R$ 93), seguro (R$ 8), diárias das pousadas com alimentação (cerca de R$ 70), travessia do Rio Piracicaba (R$ 5) e gastos extras, como bebidas.

 
 
 
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