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Conhecendo os Parques Nacionais dos Estados Unidos
 
texto e fotos: Pedro Botafogo
31 de março de 2017 - 06:10
 

Base do El Capitan, Yosemite. Fotos: Pedro Botafogo
 

Viajar de carro sempre foi uma grande atração. Acho que por ter crescido viajando entre Petrópolis e Teresópolis a cada 15 dias, para passar o final de semana com meu pai. Lembro bem das viagens, das paradas para comprar fruta e ver a vista.

Por isso, sempre que posso, viajo de carro. Já fiz algumas curtas e duas de mais de um mês. Todas reforçaram minha paixão por esse tipo de viagem. Agora, finalmente, chegou a hora de realizar um sonho antigo, desses engavetados mas não esquecidos. Viajar pelos EUA de carro, conhecendo os Parques Nacionais...a grande invenção dos EUA!

Dessa vez não viajaria sozinho. Joana, minha namorada, comprou a ideia e começamos a planejar. Por ela ter cidadania estadunidense e estar morando por lá a coisa ficou mais simples. Compramos um carro usado (Toyota Highlander 2005), tiramos os bancos de trás e, com a ajuda de um amigo dela (Nick) fizemos uma plataforma de madeira. Sobre ela, o colchão e mochilas. As outras coisas, como mesa, fogão, comida, roupa, etc foram organizadas sob a plataforma. No lado de fora, em uma bolsa de borracha no teto do carro, colocamos os equipamentos de camping (barraca, saco de dormir, etc) e o que achamos que não usaríamos com frequência.

Pela frente, 2 meses de estrada, aproximadamente 6500km e, aproximadamente, 15 Unidades de Conservação (parques nacionais, estaduais, etc). Para economizar dormiremos não apenas nas áreas de acampamento das unidades visitadas, mas também áreas de descanso (rest areas) das estradas, , estacionamentos de algumas lojas, como Walmart (que tem como política permitir o pernoite nos estacionamentos) e acostamentos e áreas de acampamento de outras unidades de conservação (Florestas Nacionais, p.e.).

Outra forma de economizar foi comprar o Passe Anual (America the Beautiful Anual Pass), que da entrada grátis para quase todos os parques dos EUA. Custou 80 USD, muito barato se considerarmos a entrada de 20 USD por parque (a entrada, em geral, vale por 7 dias).

   
Lua e Half Dome. Yosemite Falls.
   

E chega o dia da partida. A mãe da Joana resolveu nos presentear com om belo café da manhã. Talvez para ficar um pouco mais com a filhota ou por achar que dificilmente teríamos um café tão regado nos próximos 60 dias. Assim, após o café e alguns meses de planejamento, finalmente a hora de partir. Diferente do plano, como toda boa viagem, não saímos na hora pretendida. Mas, ai está uma das boas coisas de viajar, deixar fluir e perceber que ter o controle do tempo e das ações nem sempre é bom.

A previsão até o primeiro parque, Yosemite, era de 4hs. Fundado em 1 de Outubro de 1890, é considerado Patrimônio Mundial (World Heritage) desde 1984. O parque possui mais de 1.200km de trilhas, sendo possível acampar em áreas mais remotas. A página do National Park Service possui todas as informações necessárias para planejar uma ida.

Sabíamos que não era a melhor época para visitar Yosemite, pois ainda havia muita neve e muitas trilhas e estradas estavam fechadas. Fora o frio! Mas, se esperarmos o momento ideal para realizar algo, corremos o risco de termos uma vida repleta de “e se” e “quase”. Como já disse o Jonny, um grande amigo meu, “A sorte protege os audazes” . Que venha o frio!

Após umas 2,5hs de viagem, já começamos a avistar as primeiras montanhas nevadas no horizonte. Aos poucos a paisagem urbana foi dando lugar a pastos e plantações. Ao subirmos a serra, a vegetação nativa foi assumindo a paisagem. Devido à época, a estrada que pegaríamos (US 120) estava fechada (neve...), sendo assim chegamos por um acesso mais ao sul (US 140), uma estrada sinuosa que beira o rio Merced.

 

Tunnel View
 

Devido à altitude, o sol já não era suficiente para manter o calor e logo após a entrada do parque...neve!! E muita. No dia anterior havia tido uma nevasca e por isso as casas (o vale de Yosemite -Yosemite Valley- é uma pequena cidade, com mercado, loja de equipamentos esportivos, hotéis, casas particulares, escola, etc), árvores e estradas estavam cobertas de branco. Ao redor, como emoldurando a paisagem, gigantes paredões de granito se erguiam do chão, como prédios em uma avenida. Estes também cobertos de neve.

Pegamos uma vaga em uma das áreas do acampamento Upper Pines (os demais estavam fechados devido a neve/manutenção) e estacionamos o Musgo. Sim, carro tem que ter nome e o nosso é verde...musgo! Carro no lugar e partimos para a primeira missão...colocar toda a comida nos armários anti-urso. A ideia é simples, mas a execução nem tanto. Vale lembrar que no carro temos quase toda a comida para os 2 meses de viagem (compramos no Costco, algo como um Makro, que vende barato, porém só quantidade grande). Passar tudo isso para um armário, passando pela neve (sem bota impermeável, claro) já foi o aquecimento pra o rolé. Assim, após tudo mais ou menos arrumado (leia-se socado no tal armário), saímos para uma caminhada sem muita direção, pois já era fim de tarde e sabíamos que não seria possível fazer nenhuma trilha.

Após umas 2h e 1 boneco de neve, voltamos para o carro. Preparamos uma janta e berço. Se no sol já era frio, sem ele a coisa ficou cruel. Temos isolante térmico nas janelas (compramos um rolo na Home Depo e cortamos), mas não foi o suficiente para impedir o azeite de congelar. Friaca! Pela manhã, a condensação dentro do carro se transformou em gelo assim que abrimos a porta. Ô saudade do meu verão no Brasil.

   
Cozinhando no camping Neve em Bearv Locker
   

Hora de trocar de roupa para uma trilha. E aí percebemos que não estávamos tão preparados para o nível de frio. Como bons brasileiros, no melhor estilo cebola, fizemos várias camadas de camisas, casacos, cachecol, luva e meia...a bota que ontem estava molhada, hoje estava congelada. Mas, como o que vale é o rolé, partimos para uma trilha que levava ao centro de visitantes, onde aproveitamos para ver quais outras trilhas estavam abertas. Fomos surpreendidos pela quantidade disponível, porém para a maioria, era preciso equipamentos para neve.

Para quem tem sapato de neve (snow shoe, que é algo que evita que seu pé afunde na neve) e bota impermeável (que pode ser usada com uma sola com grampos), é possível fazer várias trilhas, mesmo nessa época. Sem esses equipamentos, tínhamos bem menos opções. Mas, só em estar no vale, cercado de montanhas, sendo observado pelas clássicas Half Dome e El Captain e tendo o sono embalado pelo som da neve se soltando das encostas, já era emocionante.

Por estarmos na transição do inverno para a primavera, já com muita neve derretendo, os rios e cachoeiras estavam fantásticos. Algumas trilhas já estavam com menos neve, como a que leva para o Mirror Lake, e mesmo encharcando o pé, valeram a pena. Outras trilha em boas condições era a que leva a base do El Capitan, pico clássico de escalada e maior monólito de granito do mundo.

Por estarmos de carro, aproveitamos para ir até Tunnel View (uma das vistas mais bonitas do mundo, sem dúvida), onde vimos o sol nascer e tomamos café da manhã. Percorremos ainda a estrada que leva a estação de esqui e snowboard que tem dentro no parque. Vale a ida pela vista que a estrada oferece, que inclui a parte inicial do vale.

   
Fotógrafos no amanhecer Yosemite
   

Apensar de mentalmente preparados para uns dias sem banho, o frio pedia um banho quente. Trocando ideia com uns australianos, descobrimos que os chuveiros da Half Dome Village (um dos hotéis dentro do parque) estavam abertos. Em meio a tanta neve, achamos banho quente, dentro de um vestiários aquecido. E como cereja do bolo...eram (ou foram para nós) de graça. Ai sim!

Como viajar não é somente conhecer lugares, mas também conhecer e interagir com pessoas, durante o nascer do sol no Tunnel View, conhecemos um senhor aposentado, que adaptou uma minivan, colocando cama, fogão, cooler elétrico, etc e viaja por diversos parques nacionais para fotografar. Ele nos mostrou a van, todo orgulhoso.

No dia que chegamos, vimos uma menina chegar sozinha, com cara (e roupa) de quem não esperava aquela neve toda. All Star, calça jeans e moletom. Mochila de escola e uma sacola. Dois dias depois vimos a barraca dela, ensopada/congelada. Assim que ela passou, perguntamos como estava sendo. Com um sorriso largo, disse que tinha passado frio a noite, mas que ao acordar cercada de neve, pinheiros e montanhas, tinha se sentido uma princesa. Esse é o sentimento que acho que devemos buscar, a alegria na simplicidade. Contemplar e valorizar o simples. Ver beleza mesmo em meio ao caos.

Na última hora, ainda conhecemos um figura e seu cachorro. Disse ele que há 1,5 anos atrás, enquanto cortava grama de um aeroporto, um avião (teco-teco) caiu em cima do trator que ele pilotava. Apesar de sobreviver, ele ficou com medo de sair de casa e, por 8 meses, ficou confinado. Após tanto tempo, com a ajuda do cachorro (treinado para ajudar pessoas traumatizadas) a primeira saída dele não poderia ter outro destino...Yosemite, onde disse se sentir em casa. Ao nos despedirmos ele disse: ”Não fale com malucos com cachorros.” Logo respondi: ”Não fale com normais.”. Ele riu alto, chamou seu cachorro e partiu.

Ao todo passamos 4 dias no parque, esperando fechar nossa viagem aqui, já sem neve e menos frio. Dormimos 2 dias na área de acampamento (26 USD /dia) pois achamos que a experiência de acordar cercado de neve, no meio do vale de Yosemite, não tinha preço. E não tem. Para economizar, também dormimos fora do parque, no último acostamento antes da portaria. Carros passando de um lado e rio correndo do outro. Era focar no melhor som e dormir embalado.

Para fechar com chave de ouro, tomamos um banho de rio, cercados pela neve. O jantar foi preparado num estacionamento, vendo a lua nascer atrás da Bridevaile Falls (que significa Véu da Noiva, nome criativo para cachoeira). Nosso hotel tem milhões de estrelas! Neste dia, já no escuro, partimos rumo ao parque onde habitam os maiores seres vivos do planeta, as impressionantes sequoias.

 
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