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O trekking mais alto do mundo: Everest Base Camp
 
texto e fotos: Felipe Chaves Frossard
20 de abril de 2015 - 10:50
 

"Com certeza uma experiência que nos marcou pro resto de nossas vidas!" - Marina Mueller e Felipe Frossard nos memoriais aos alpinistas mortos no Everest.
 

Desde que me conheço por gente eu gosto e pratico trekking. Quando era pequeno chamava de trilha ou simplesmente de "andar no mato". Pode ser pelo fato de eu ter crescido em um ambiente urbano, morando em prédio, por isso sentisse falta de um contato maior com a natureza. E desde o princípio o clima de montanha me atraía para fazer essas caminhadas, no Brasil tive oportunidade de andar por trilhas incríveis, de diferentes dificuldades, cada qual com seus diferentes ecossistemas. Já do lado de fora da fronteira brasileira pude encarar diferentes desafios em ambientes que não encontramos em nosso país: neve, vulcão, altitude. Cada vez essas "caminhadas no mato" ficavam mais difíceis, mais técnicas. Busquei algumas clássicas como Torres del Paine no Chile e El Chaltén na Argentina, cada qual com seu encanto. Mas creio que como todos que gostam de montanha, de trekking, havia um que há muito tempo chamava minha atenção: a clássica trilha para o Acampamento Base do Everest.

Já quando planejava a viagem à Ásia incluí o Nepal pensando nesta trilha, afinal não poderia perder a oportunidade de estar tão perto dela e não ao menos tentar concluí-la. Infelizmente, tentar escolher a melhor época do ano para tantos países nos fez tomar decisões difíceis, uma delas foi decidir passar pelo Nepal no inverno.

Logo que chegamos em Katmandu entrei em contato com o Raj, um guia local indicado pelo meu amigo Thiago, que já havia feito trilhas pelos Himalaias. Estávamos temerosos por fazer a trilha no inverno, afinal, todos que conversávamos ou seja o cara do hotel, da loja de equipamentos, do restaurante, diziam que era impossível fazê-la no inverno, mas ao perguntar quantas vezes haviam tentado, a resposta era sempre “nunca”. Bom, depois de algumas conversas com o Raj e a confiança que ele nos deu de que não seria algo fácil mas possível, nos encorajou a encarar esse desafio.

Primeiro dia, 10 de janeiro de 2015

A aventura em si começa antes mesmo da caminhada. Antes do nascer do sol, eu, Marina e nosso guia Raj fomos em direção ao aeroporto pegar um vôo pra Lukla, um pequeno povoado aos pés dos Himalaias onde dizem ter um dos piores e mais perigosos aeroportos do mundo. O vôo é curto, em um pequeno monomotor para apenas cerca de 10 pessoas, voamos até lá sobre um cenário maravilhoso. Muitas foram as recomendações quanto às muitas turbulências que iríamos enfrentar, porém felizmente o tempo estava super aberto, sem vento e apesar de ter tido alguma turbulência achamos que foi bastante tranquilo o vôo. Chegamos em Lukla por volta das 8h da manhã. O que de fato chamou muita atenção foi o aeroporto, que devido ao pouco espaço para se construir uma pista adequada fizeram uma em aclive, ou seja, é uma subida, assim quando o avião pousa a gravidade o ajuda a frear. Bastante diferente!

     
O "teco-teco" que nos levou aos Himalaias  
O aeroporto com a pista mais curta que já vi!

Logo na chegada encontramos nosso “carregador”, ou porter, como eles chamam. Koran é uma garoto de 20 anos, da etnia sherpa com a força da juventude e com o dobro de células vermelhas que os serem humanos “normais”. Carregar nossa mochila pra ele foi moleza! Ele levou a mochila maior com os sacos de dormir, roupas e alguns equipamentos enquanto cada um de nós levou uma pequena mochila com equipamento fotográfico e pertences pessoais.

A primeira caminhada foi de Lukla (2800m) até Phakding (2640m). Caminhada curta de apenas 3 horas com pouco diferença de altitude, até um pequeno declive. O tempo estava bom, sol batendo forte e esquentando o corpo. Em Phakding ficamos em uma pousada num quarto privado com banheiro, porém já aí caso quiséssemos tomar banho deveríamos pagar pela água quente. Estávamos cheios de euforia. fazer o primeiro trecho com a sensação de “só isso?” foi muito bom, nos motivou e nos deu certeza que concluiríamos o trekking!

     
Fim do primeiro dia de caminhada. Motivados para completar o desafio!  
Nosso guia Raj, nosso porter Koran e a trekker Marina

Segundo dia

Acordamos cedo para o que seria um dos dias de caminhada mais difícil. Iniciamos cedo e após 6 horas de uma subida exaustível, cruzar inúmeras pontes suspensas e já nesta parte do caminho termos contato com a neve, chegamos a Namche (3440m), ou como eles chamam Namche Bazar, já que de todos os vilarejos esso é o maior e tem lojas para tudo que precisar, se não alugou ou comprou equipamentos suficientes você encontra aqui, claro que pelo preço dos Himalaias, ou seja, muito mais do que poderia pagar em Katmandu. Por falta de orientação de nosso guia, não compramos em Katmandu nem garrafa térmica nem garrafa de alumínio, tanto para colocar água fervente quanto para armazená-la, já que no inverno nos Himalaias água fervida é um item essencial não só de conforto mas de sobrevivência, já que em garrafas normais a água congela e não se é capaz de bebê-la. Bom tivemos que arcar com o prejuízo de comprar as garrafas em Namche, ponto negativo pro Raj, então fica a dica, levem garrafa térmica e de alumínio caso for fazer o EBC no inverno!

     
No segundo dia a caminhada ainda era tranquila.  
População da etnia Sherpa extremamente adaptados ao ambiente hostil.

Em Namche também tínhamos banheiro no quarto, mas já aí, na nossa segunda cidade a água do encanamento já estava toda congelada, o que impossibilitava absolutamente utilizar água corrente. Daí a necessidade da garrafa térmica.

Água congelada no encanamento e o fato de não termos calefação no quarto mostrou que essa aventura não seria do tipo fácil. Dormimos em sacos de dormir de pluma de ganso, feitas para alta montanha, roupas de frio e tudo mais, mas não posso dizer que a noite tivemos um sono confortável. Sem contar que na sala do hotel, as pessoas que ali trabalhavam, não acendiam a lareira sempre, somente depois do sol se pôr, devido a falta de madeira ou de qualquer coisa para queimar, o que fazia com que o salão onde jantávamos também era bastante gelado.

Apenas como referência para os brasileiros que estão acostumados com trilhas na América Latina, a altitude de Namche Bazar é a mesma de Cuzco no Peru. Já Machu Picchu, com seus 2430 metros, está mais a baixo do que qualquer cidade no percurso.

     
Sherpa ao cruzar uma das inúmeras pontes suspensas carregando seus pesados fardos.  
Namche Bazar.

Terceiro dia

Não avançamos na trilha. Este dia ficou reservado para nossa aclimatação. A ideia aqui era fazer um trekking até uma altitude mais elevada e voltar e dormir na altura de Namche (3440m). Caminhando sobre a neve, passando por trechos de lama escorregadia e enfrentando um vento frio chegamos à altitude de 3790 metros, para voltarmos em seguida.

Aproveitamos também para conhecer o melhor hotel dos Himalaias, o Everest View. Um hotel caríssimo, com uma pista de pouso particular e com quartos com vista para o monte Everest, coisa pra milionário!

     
Diversão na neve, o que seria rotina nos próximos dias.  
Aclimatando em Namche Bazar.

Quarto dia

Nosso objetivo nesse dia era sair de Namche (3440m) até o povoado de Tengboche (3867m). Iniciamos cedo, a caminhada teve bastante subida, percorremos trechos de neve escorregadia onde pela primeira vez tivemos que utilizar crampons (uma espécie de grampos presos na sola da bota para evitar que escorregássemos).

     
Monastério de Tengboche.  
Interior do monastério com a linda decoração estilo tibetana.

Chegamos em Tengboche no fim da tarde porém ainda a tempo de aproveitar o vilarejo. Este é muito pitoresco já que abriga um grande mosteiro budista, o mais antigo da região diga-se de passagem. Impressionante imaginar como é a vida dos monges em meio a tamanho frio, altitude e isolamento. O cenário é espetacular, realmente inspira a meditação.

Ao longe de todo a caminhada passamos por rodas de oração e inscrições nas pedras com o mantra “Ohm Mani Padme Uhm”. Este é um antigo mantra budista tibetado, religião predominante da população sherpa, mesma religião do mosteiro ali presente, portanto ali, mais do que no resto da trilha, está repleto de bandeiras e rodas de oração e pedras com as inscrições do mantra. Pudemos presenciar uma das cerimônias realizadas pelos monges, realmente muito interessante estar imerso nessa cultura.

Quanto ao conforto, cada dia fica pior. A tubulação dos banheiros estava congelada, o que faz com que o sanitário fique com um odor insuportável, é necessário jogar água de balde dentro da privada para escoar os dejetos, mas antes é necessário quebrar o gelo da superfície do galão para conseguir encher o baldinho. Escovar os dentes e lavar o rosto só com água previamente fervida. Tomar banho? Esquece! Dormir também estava mais difícil, a altitude e o frio intenso já começam a fazer efeito, estamos a 3867 metros de altitude e já sentimos as primeiras dores de cabeça, o que faz com que não consigamos recarregar totalmente as energias ao dormir.

     
Exemplo das inúmeras rodas de orações que encontramos no caminho.  
Ohm Mani Padme Uhm.

Quinto dia

Saímos de Tengboche (3867m) com direção à Dingboche (4260m). Cada vez mais neve! Agora, na parte da manhã percorremos um trecho de muita neve por umas duas horas. Para nós brasileiros, não acostumados com esse ambiente, nos deslumbramos com tamanha quantidade de neve e a fascinante paisagem. A Marina sofre muito mais com o frio, o que me deixa bastante preocupado, mas ela é forte e mesmo indo em um ritmo mais lento, não desiste, fico muito orgulhoso de sua persistência!

     
A caminho de Dingboche.  
Cenários deslumbrantes dos Himalaias.

Depois de percorrer este trecho de neve cruzamos o rio e tivemos um longo trecho de subida. Nestes momentos de subida o corpo esquenta e começamos a tirar as inúmeras camadas de roupa, ainda mais quando o sol forte bate direto sobre nós, mas em momento algum reclamamos de calor, ele é reconfortante e agradável!

Chegamos em Dingboche (4260m) porém com uma surpresa desagradável, pelo que pareceu o hotel que ficaríamos estava fechado por algum motivo que não entendemos bem, então tivemos que esperar um tempinho considerável em meio ao vento e frio, cansados por ter feito todo aquele dia de caminhada, até conseguirmos uma hospedagem. Mais um ponto negativo pro nosso guia, já que uma situação como essa não é esperada que aconteça uma vez termos pago tamanha quantidade de dinheiro.

Uma vez alojados pudemos descansar. A hospedagem onde ficamos nos chamou a atenção por ter uma criancinha pequena, uma menininha de cerca de um ano. Uma criança tão pequena no meio daquele frio, mais isolada que os monges da vila anterior, ficamos também tristes por ela não ter nenhum presente para distraí-la, então ficava brincando com qualquer coisa que se desse a ela.

Nesta noite ficamos conhecendo um grupo de dois sul coreanos que estavam fazendo a trilha sozinhos e um terceiro que estava com guia, porém rolou uma certa confusão, pois o guia deste estava doente e querendo voltar então o turista coreano queria se juntar ao outros dois sozinhos, porém queriam fazer um caminho não recomendável, e isso tudo sendo explicado em um péssimo inglês por ambas as partes, tanto dos turistas quanto do guia. Nosso guia Raj ajudou muito eles explicando os perigos e tentando conciliar a discussão ali estabelecida. Explicou a importância do guia estar sempre com seus clientes e nunca deixá-los sozinhos. Ponto positivo para ele! Ficamos felizes de nosso guia ser tão responsável!

Ficamos nessa hospedagem duas noites já que faríamos ali uma aclimatação.

     
Enquanto está de dia está tudo bem!  
Estupas ao longo do caminho evidencia a cultura budista dos sherpas.

Sexto dia

Saímos cedo para aclimatação, porém com uma frustração perante ao dia anterior, nosso guia simplesmente não quis ir conosco e mandou nosso porter nos acompanhar para a subida de um morro alto ao lado da vila para aclimatarmos. E aquele papo todo da noite anterior??? Ponto negativo!

A subida foi dura, chegamos a 4730 metros, mas apesar de dura, fazer uma caminhada sem mochila faz uma tremenda diferença. É tão agradável estar naquele ambiente, em meio aquelas montanhas. Tão silencioso, tão pacífico, só ouvir o barulho do vento e de vez enquanto algum sino preso a algum yake (os bois típicos da região) passando. Sem dúvida estávamos felizes de estar passando por tamanha privação para estar ali.

A noite ficávamos sempre próximos à fornália para aquecermos enquanto as fezes de yake eram utilizadas para se fazer o fogo, dada escassez de madeira. Tivemos uma grata surpresa ao saber que teríamos uma sobremesa chamada Snickers Roll, que nada mais é do que um chocolate snickers enrolado em massa de rolinhas primavera e frito como tal, uma delícia gorda, muito importante para tamanha queima de calorias que estávamos tendo.

     
Yak!  
Dingboche (4260m).

Sétimo dia

Partimos em direção à Lobuche. Em todo percurso não enfrentamos muita subida, somente cerca de uma hora no trecho inicial. O maior problema aqui foi o vento, incessante que nos acompanhou quase o dia inteiro, deixando a sensação térmica congelante!

Na metade do percurso cruzamos um local de dar frio (mais ainda) na espinha. Um local de homenagem aos inúmeros alpinistas que faleceram na montanha. Diversos totens (pilhas de pedra), como lápides, contendo nomes, fotos, datas, mensagens deixadas por parentes, amigos e pessoas queridas, de reconhecimento e votos de descanso. Muito triste e envolvente estar em meio àqueles monumentos.

Quando faltava cerca de um terço do percurso o tempo fechou e uma forte névoa nos envolveu. Chegava a dar medo, não ter o calor do sol para nos aquecer e sentir a força da natureza nos mostrava como somos frágeis perante ela. Seguimos firme ao longo da trilha que acompanha um rio totalmente congelado ao nosso lado.

Chegamos então na vila de Lobuche a 4930 metros de altitude. Aqui o desconforto de nossa hospedagem chegou a um dos piores pontos, pois os sanitários nos modelos ocidentais, as privadas normais que utilizamos, estavam trancadas por estar absolutamente congeladas, então tínhamos que utilizar sanitários do estilo indiano, no qual temos que ficar de cócoras, um desafio para as pernas depois de tantos dias de caminhada.

Durante a noite a dor de cabeça nos acompanhava cada vez mais forte. Não era incomum acordarmos no meio da noite com falta de ar. Como o tempo havia mudado chegamos a questionar se conseguiríamos atingir nosso objetivo, chegar ao acampamento base da maior montanha do mundo!

     
Homenagens aos que se foram.  
Casa abandonada ao longo do caminho. Quem moraria aqui?

Oitavo dia

Este seria nosso último dia de caminhada até nosso objetivo final. Já estávamos cansados, e tivemos que unir o resto de nossas energias para conseguir continuar, mas de forma alguma desistiríamos tão perto!

Fomos em um ritmo lento, passo a passo, as enfim chegamos na última vila, Gorak Shep a 5140 metros de altitude. Deixamos nossas coisas no lodge, almoçamos e apesar de nossa quase clemência por não fazer o ataque ao acampamento base naquele dia, pois estávamos exaustos e o tempo fechando rapidamente, nosso guia não foi nem um pouco flexível e tivemos então que ir naquele mesmo dia pra base. Muitos pontos negativos! Mas enfim, fomos, com muito esforço, já que este último trecho não é uma trilha clara, com muitos trechos de escalaminhada em meio a grandes rochas. Foi quando em meio a uma névoa densa e já com um pouco de neve caminho em meio a muito vento que chegamos no acampamento base. Nessa época do ano, inverno, não existem expedições para ascensão do Monte Everest, então não há absolutamente nada no acampamento base e o local também não é demarcada já que todo ano ele muda em função da movimentação da geleira que corre ao lado. Dalí nem é possível avistar o monte Everest, é uma parte baixa onde vamos mesmo só para dizer que fomos, pois o ponto de avistamento mais interessante fica no monte Kala Pattar, a 5580m que faríamos no dia seguinte.

Objetivo cumprido, voltamos imediatamente ao lodge. Desde o começo nosso guia insistia na possibilidade e pegarmos um helicóptero para voltar para Katmandu, dizendo que independente de estarmos bem ou não poderíamos acionar nosso seguro de vida e dizer que estávamos mal para voltar mais rápido. Não concordamos com isso e deixamos bem claro pra ele, apesar de sua insistência, de que só utilizaríamos nosso seguro se de fato achássemos necessário. Porém nesta noite a Marina não passou nada bem, chegando inclusive a vomitar no meio da noite. Começamos a cogitar a possibilidade do helicóptero.

     
Quanto mais alto, mais frio!  
Acampamento Base do Everest!

Nono dia

Este dia seria reservado para subida do Kala Pattar. Teríamos que sair dos 5140 metros de Gorak Shep, onde estávamos e chagar nos 5550m do Kala Pattar. Pelo fato da Marina não ter passado bem a noite, decidimos que eu subiria o pico sem ela, apenas acompanhado de nosso sherpa, enquanto nosso guia ficaria com a Marina caso ela precisasse de algo. Um neozelandês que conhecemos na noite anterior também não estava se sentindo nada bem e decidiu acionar seu seguro, então foi ao som de seu helicóptero que iniciei a subida do Kala Pattar, esperando que a Marina melhorasse e que não fosse preciso utilizar desse recurso.

Nessa altitude cada metro de ascensão é difícil, temos que fazer as coisas de forma muito lenta e quando não se tem nenhum trecho de caminho plano, só subida, é realmente desafiador encarar aquela montanha sem fim e continuar subindo. Depois de 3 horas no entanto, em meio a muitas bandeiras de oração, estava no topo do Kala Pattar!!! 5550 metros, o trecho mais alto da travessia ao acampamento base do Everest! Mais alto que isso somente fazendo a escalada de uma das montanhas da região, e quantas montanhas existem, diversas, o cenário é deslumbrante, estar cercado por tantas montanhas e saber que todas elas tem seus cumes acima dos 6 mil metros é uma sensação de humildade e insignificância perante à tão exuberante e grandiosidade da natureza!

Depois de passar alguns minutos no topo do Kala Pattar voltamos para o lodge. Más noticias, a Marina não só não havia melhorado como havia piorado. Já estavam inclusive tentando acionar o helicóptero naquele momento. Muita burocracia, desconfiança de fraude, inúmeras verificações e brigas por telefone conseguimos a confirmação de que teríamos helicóptero. Porém todo o trâmite demorou tanto que o tempo fechou, uma nevasca envolveu o lodge e tivemos que passar mais uma noite naquele que parecia uma sepultura gelada. Nessa noite, um suíço que estava com termômetro nos avisou que na noite anterior havíamos enfrentado temperaturas de -9 graus centígrados dentro do quarto e incrivelmente baixos -30 graus centígrados do lado de fora.

     
Olha aí o Everest!  
Vista do alto do Kalapatar (5550m)!

Décimo dia

Acordamos e logo depois do café da manhã chegou nosso helicóptero. Acompanhado de um médico que ainda no heliponto verificou as condições da Marina, lhe deu oxigênio e alguns remédios. Seguimos direto para Lukla onde paramos para trocar de helicóptero. De Lukla voamos em um helicóptero maior até Katmandu, pousamos no aeroporto e uma ambulância já estava a nossa espera. Nos encaminharam para um hospital privado, muito bom onde a Marina foi muito bem atendida. Apesar de toda dor que ela vinha passado, foi apenas descer até uma altitude normal que já passou a se sentir bem instantaneamente, não precisou nem se quer ficar internada, apenas um banho quente e uma boa noite se sono em um local quente foi o suficiente para sua recuperação.

Nosso objetivo estava atingido! Chegamos até o acampamento base com nossos próprios pés, nosso próprio esforço! Tivemos contato com a incrível cultura sherpa, que nos conquistou com a demonstração de alta capacidade de adaptação e esforço humano para sobreviver em condições tão extremas. Pudemos sentir na pele a dificuldade de sobreviver, durante o inverno, em uma das mais remotas regiões da terra. Tivemos o privilégio que ver com nossos próprios olhos o que só os que estão dispostos a passar por tantas privações e tanto esforço tem o privilégio de ver. Montanhas deslumbrantes, vales de beleza inigualável, neves milenares, rios congelados, uma experiência que com certeza nunca sairá de nossas memórias!

     
Pequeno "atalho" de volta pra Kahtmandu.  
Mapa completo e sensação de dever cumprido!

Ficamos também tristes e decepcionados com o oportunismo e agressivo capitalismo praticado não somente nos Himalaias mas em todo Nepal. Encontramos no meio da trilha quem estava fazendo-a sozinho, sem guia, e cujos custos eram de cerca de 10 vezes menos do que nós havíamos pago. Os inúmeros “esquemas” e desculpas dadas pelos locais para cobrarem cada vez mais caro apenas por uma garrafa de água, dando desculpa de que eram transportadas por helicóptero, que depois que nós voamos percebemos que eles não pagam nada pelo transporte, já que o helicóptero quando vai resgatar alguém vai lotado de caixas de suprimentos cujo frete é bancado pelas empresas de seguro. Todo o “esquema” de fraude nos seguros para utilizar os helicópteros, esquema sugerido inúmeras vezes pelo nosso guia, fez com que fosse difícil comprovar a necessidade quando nós de fato necessitamos. Devido a estes pontos que de fato nos incomodaram muito, se posso deixar uma dica a quem quer fazer a trilha eu digo: FAÇA! Porém, quem tem experiência de fazer trilhas, FAÇA SOZINHO, SEM GUIA! Basta pesquisar com antecedência, ler muito, planejar, levar um GPS, que um guia não fará a mínima falta. Tome DIAMOX! Remédio que previne o mal de altitude, que somente ficamos sabendo da existência no nono dia, graças à ajuda de nosso amigo suíço que nos ofereceu, segundo ele, que já fez a trilha algumas vezes e comentada também pelo médico do hospital para o qual a Marina foi levada. A administração deste remédio durante a trilha previne os sintomas do mal de altitude melhor do que qualquer outra receita. Se tivéssemos tomado desde o princípio a Marina não teria passado mal e não teríamos que tomar o helicóptero. Só pra constar, nosso guia conhecia o remédio, mas não concordava com a administração do mesmo e por isso não comentou ou sugeriu que tomássemos. Este é um assunto controverso entre os montanhistas, alguns consideram tomar este remédio como trapaça, assim como utilizar oxigênio suplementar para ataques aos cumes. Pessoalmente somos a favor destes artifícios que visam a integridade de nossa saúde.

Ficamos porém refletindo sobre o que leva o ser humano à lugares tão extremos. Se foi, para nós, tão difícil chegar ao acampamento base, o que dizer escalar o Everest? Tudo bem que as escaladas são realizadas na primavera, onde o trekking ao acampamento base é significativamente mais fácil, onde, ao contrário das condições que enfrentamos, nenhum encanamento está congelado e as temperaturas dentro dos lodges sempre estão positivas. Mas quem se propõe escalar, mesmo que o faça na primavera, ainda enfrentará no meio da escalada condições de desconforto e frio, tais quais, se não piores, que enfrentamos nestes dez dias nos Himalaias durante o inverno. Quando tento entender o motivo que os homens se sujeitam a tais circunstâncias vem a cabeça trechos de “Sobre Homens e Montanhas” de John Krakauer: “O que leva alguém a escalar montanhas é algo que a maioria dos que não fazem parte do mundo dos montanhistas tem muita dificuldade para entender, se é que entende.”. Se valeu a pena? A resposta é um simples e indiscutível SIM!

Encerro esse relato com uma mensagem para os que tem vontade, porém acham que não tem preparo, que é difícil, que é frio, que isso ou que aquilo. Para nós muitos disseram que seria impossível, porém não acreditamos neles, fomos lá e fizemos!

 


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