Extremos
 
CICLOVIAGEM EXTREMOS DAS AMÉRICAS
 
Parem de falar para as mulheres não irem se aventurar sozinhas
 
texto: Krista Langlois
tradução: Juli Hirata
fonte: Adventure Journal
4 de abril de 2016 - 10:10
 
Não é a natureza que ameaça as mulheres e sim o que você encontra em locais remotos: pessoas.
 
  Juliana Hirata  

Dia 13 de abril viajo para Fairbanks, onde ficarei até o dia 18. Depois disso pego um bimotor até Prudhoe Bay (consegui um maluco que vai me levar até lá!) E nesse tempo de espera e ajustes dos últimos detalhes da cicloviagem, me deparei com um texto que diz muito sobre o meu momento, e com certeza, a maioria das mulheres irão se identificar com ele. Depois de ler, deixe a sua opinião ou seu comentário no mural de recados. Boa leitura!

Parem de falar para as mulheres não irem se aventurar sozinhas

Não é a natureza que ameaça as mulheres e sim o que você encontra em locais remotos: pessoas.

“Oh, merda! Toda luz foi sugada pelo céu. O bosque está bem escuro.”

escrevi em meu diário

Era minha primeira viagem sozinha para um lugar remoto, e eu estava agachada sob a lona armada apressadamente em uma pequena ilha em um grande lago no noroeste do Maine (USA). Eu estava aterrorizada. Das 7 horas da noite às 3 da manhã, a tempestade mais intensa que eu tinha visto na minha vida girava em torno do lago. Relâmpagos pulsavam das nuvens procurando por um lugar para pousar na terra, e o único lugar que eu havia encontrado era a pequena ilha que eu havia chegado de caiaque.

Minhas pernas tremiam. Meu coração batia rápido. Eu abracei minhas pernas em posição fetal enquanto os relâmpagos atingiam a ilha sucessivas vezes.

Quando eu embarquei nessa jornada 23 quilômetros atrás, a mulher que havia emitido minha autorização olhou pra mim como se eu fosse louca. É um olhar que uma mulher que se aventura na natureza sozinha recebe com frequência. Nós o recebemos dos nossos pais, da sociedade, de pessoas bem intencionadas que emitem autorizações para locais remotos. Eles dizem, sem dizer: Não é seguro lá fora. Não pra você.

Provavelmente, eles estão errados. Mulheres são capazes de tomar conta de si mesmas na natureza. Os animais selvagens, o tempo maluco e as dúvidas existenciais que nós experimentamos em locais remotos não se comparam em nada com os perigos de áreas mais habitadas. Há, mesmo em um local tranquilo como uma área de camping, pessoas. E não há nada mais assustador para uma mulher que gosta de fazer as coisas sozinha do que outras pessoas.

Uns anos depois da minha viagem solitária ao Maine, eu estava dirigindo pelo país e passei a noite em Lowa, em uma área de camping bem iluminada não muito longe da rodovia. Eu não consegui dormir nada. As pessoas dentro dos motorhomes podiam ver que eu estava sozinha, e eu me escondi no meu saco de dormir, em uma mão meu canivete e e na outra meu celular. O mesmo aconteceu em uma noite que eu passei em um camping ao lado da estrada de serviço da Guarda Florestal no Colorado. Vira e mexe na estrada, pickups, caminhões e SUVs estacionavam próximo às fogueiras, e pessoas sentavam-se ao redor para beber cerveja. Eu tinha certeza que algum bêbado ia me fazer uma visita no meio da noite. Cada galho quebrado me fazia das pulos de susto.

Por anos, eu achei que este medo não era comum. Cada mulher independente que eu conheci o sente; é o mesmo nervosismo que sentimos viajando sozinhas em qualquer cidade do mundo. É parte de ser mulher, eu imagino. Precisamos ser extra cuidadosas. Uma amiga que não pensa em outra coisa se não em descer montanhas de bike ou ski, nem se preocupa mais em armar uma barraca nas áreas de acampamento; depois de muitas noites sem dormir, hoje ela dorme trancada no carro.

Nem ela, nem a maioria das minhas amigas, felizmente, foram assediadas sexualmente. Mas todas nós estivemos “por um triz”. Uma vez, na faculdade, alguém colocou um sedativo na minha cerveja e meu namorado me carregou para casa, sem memória e confusa. Em um país qualquer, uma vez, eu acordei sem blusa com um homem apontando uma lanterna pro meu corpo a 15 centímetros da minha janela aberta. E como qualquer mulher, eu já fui seguida pelas ruas e assediada tantas vezes que já perdi a conta. Estar sozinha é suficiente para me deixar atenta. Eu não consigo imaginar como, 6 mulheres norte americanas que foram estupradas, se sentem quando estão sozinhas dentro de uma barraca de nylon.

Recentemente, eu percebi que esses medos não são normais. Eles não são “parte de ser mulher.” Isso é uma besteira. Pessoas me aconselham a não ir pra natureza sozinha por que eu posso ser comida por um urso ou me perder em uma floresta. Mas eu sei como usar spray contra urso. Eu sei ler um mapa. Eu posso escalar ou remar tanto ou tão rápido quanto qualquer cara, e eu sei esperar uma tempestade de relâmpagos passar em um lugar seguro. Essas coisas eu posso controlar. O medo que sinto quando estou em lugares povoados é o medo de perder esse controle.

Naquela ilha, no Maine, eu sabia que independente do que acontecesse eu teria o resultado das minhas próprias escolhas, e eu fiz boas escolhas. Às 3 horas da manhã a tempestade, finalmente cedeu e incrivelmente, eu estava viva. Eu dancei descalça pela areia, girando sob as estrelas enquanto os relâmpagos brilhavam longe dali. O medo que eu experienciei aquela noite é o tipo de medo que qualquer um que passa um tempo na natureza eventualmente confronta. É um tipo de medo bom, o tipo que te faz se sentir mais forte depois.

Então não nos chamem de loucas por irmos pra áreas naturais sozinhas. Não tentem nos impedir de fazer algo que nos empodera. Nos ajudem a criar um mundo que dá as mulheres mais confiança para estarem sozinhas. E a não ser que estejamos sangrando ou esmagadas em um penhasco, se você é um cara e nos vir, por favor - simplesmente nos deixe. Mesmo se você estiver tentando ser legal. Nós não precisamos da sua barra de cereal extra. Nós não precisamos que você nos pergunte se estamos ok. Só nos acene amigavelmente e siga seu caminho, preferencialmente em outra direção.

 
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