Extremos
 
COLUNISTA NEREIDA REZENDE
 
Nereida no Tabuleiro
 
texto: Nereida Rezende
18 de janeiro de 2017 - 16:50
 
CACHOEIRA DO TABULEIRO - Esquema da via Hidronotopo.
 
  Fernanda Abra  

Cada um tem direito de exercer sua visão e buscar comunhão com a natureza dentro das próprias condições, atento à ética do local (ética é o conjunto de regras definidas pela comunidade em questão para facilitar a convivência humana). O respeito é UNICIDADE, que é igual a não julgar, amar incondicionalmente, a mim, que sou tudo, portanto sou o outro também, respeito ele como a mim mesma e recebo o igual respeito. Ser UNO, inteiro, é comungar com toda criação; sendo UM com tudo, você só sente compaixão, por si e toda a VIDA (outros seres humanos, inclusos, rsrs). Cada um é co-criador da própria realidade! Estas verdades são cristalinas para os iluminados, mas nós, que estamos no caminho, podemos vivê-las ao nosso limite e depois além.

É nessa vibração que venho compartilhar a estratégia escolhida por mim e Igor Mesquita para escalar a via Hidronotopo (VI 7-8/A1 E3 320m) na Cachoeira do Tabuleiro. Nós dois, escaladores cariocas, fizemos cume na sexta, dia 4 de novembro de 2016, às 19h. Toda atividade decorreu entre a terça – 1º de novembro – e domingo – 6 de novembro –, contando o deslocamento de ida e volta para a cidade maravilhosa.

Croqui da via
 

A via Hidronotopo é considerada um bigwall, D5, duração 5. Segundo a CBME, um D5 “Requer uma noite na parede. Cordadas muito velozes podem repetí-la em um dia.” Com espírito de não-julgamento, analiso as investidas realizadas pelos amigos, o que me ajudou a calibrar minha estratégia e pode ajudar quem ler a escolher a sua. O guardião do Tabuleiro, Leandro Ianotta (#mrguia) ataca a via em 2 dias quando leva alunos. O Lucas Jah, que também guia no Tabuleiro, atacou em 2 dias com uma aluna. Quando o Jah levou um escalador intermediário em 1 dia, foi com o Bernardo Paiva, o Biê dos Montanhistas – Canal OFF, em cordada de 3. Muitas cordadas fazem em um dia, eu conheço várias que fizeram: Tartari com o Léo Mogli, Chiquinho Hartmann com o Rudi, Leandro Ianotta várias vezes, com Luiz Fonseca, com a suiça Aanoud. Claro que muitos(as) escaladores(as) podem fazer cume do Tabuleiro em um dia no mano a mano entre parceiros fortes, mas talvez eles queiram passar mais tempo curtindo esse paraíso.

 
Mister Bean na aproximação, 2014.
 

O que faz uma via de 320m ser considerada D5 e exigir, na média, pelo menos um bivaque? Vias podem demorar mais de 1 dia: a) por terem uma aproximação longa; b) terem grande extensão (vias de mais de 1.000 metros); c) por terem altos graus exigindo escalada artificial (que é bem mais demorada que a escalada em livre); d) por serem negativas e dificultar os rapéis ou e) por terem diagonais ou horizontais que dificultam os rapéis. A Hidro tem uma logística a ser bem planejada principalmente por causa dos itens c), d) e e).

 
Nereida em um de dois porteios na aproximação.
 

Eu já tinha feito a via estudando com o Mister em novembro de 2014; fomos em 3, sendo o Michael MitoSan o outro aluno. Quem vai nesse paraíso quer voltar (o link do relato da investida de 2014 está no fim do artigo).

Aproach 2014. A trupe de 2014.
   

Eu queria fechar o ano com algo legal no meu currículo de escaladora, eu tenho o objetivo de ser instrutora certificada. Eu tenho uma lista de projetos e o Tabuleiro com certeza estava entre os do topo desta lista. O ambiente é imaculado, a escalada é inesquecível. Eu queria ter o prazer de guiar, de ser responsável pela estratégia e logística. Eu procurei uma garota para fazer uma cordada feminina. Há muitas escaladoras competentes para esta parceria, mas elas não estavam disponíveis nas datas que eu podia. Meu companheiro e parceiro mor, o Bruno Alves, estava conquistando na Pedra Riscada. Então eu chamei o sangue bom Igor Mesquita e o moral esteve ótimo desde o convite, o que significa que os parceiros estavam focados no propósito da escalada e motivados, usando o máximo de suas capacidades para vencer os desafios e atingir o objetivo. Quando não havia consenso (o que ocorreu 90% do tempo) e a argumentação não convencia o parceiro, ora um, ora o outro, cedia de sua posição, num revezamento equânime.

Nereida e Igor na aproximação. Igor e Nereida no final do 7b esportivo, P4.
   

Meus objetivos eram 1) ir, fazer meu máximo e sair, tudo em segurança e independência, de forma que ninguém precisasse nos resgatar e 2) curtir sem limites. O objetivo do Igor era escalar a via ao máximo das suas forças e capacidades, fazendo tudo com segurança e voltando com sucesso. Fizemos uma sessão de treinos de jumariar e rebocar hallbags na semana anterior, para afinar a técnica.

     
Nereida nos treinos de jumariar e rebocar hallbag. Recobando hallbag com redução de força. Igor nos sistemas de jumariar com peso.
     

O empenho que eu e o Igor tivemos para realizar a missão foi mais ou menos assim: saímos terça pelas 21h do Rio, dirigimos revezando até ficar com muito sono, pela meia noite, paramos num posto, dormimos no carro com os bancos reclinados, acordamos cedo, fizemos um café na estrada, chegamos antes do meio dia no Cipó e subimos para o G3 para pegar com o Mister a assinatura dele no termo de habilitação para a escalada, chegamos em Conceição quarta de tarde, fizemos um porteio de equipos até a base e voltamos para dormir na sede do parque. Quinta de manhã saímos com a segunda leva de equipos, escalamos até o platô rebocando o que virou dois hallbags bem pesados e ainda deixamos encordado o esticão de 7b acima do platô. No segundo dia fizemos cume, voltando para dormir no platô uma segunda noite e rapelamos com tudo no sábado de manhã. Fizemos duas viagens para a sede do parque levando o material e saímos pelas 22h dirigindo até o sono bater, paramos o carro numa quebrada da estrada Conceição-Cipó e dormimos mais uma noite no carro, com os bancos reclinados. No domingo revezamos o volante até o Rio.

     
Nosso escritório. Jumariando o esticão de 7b esportivo no segundo dia / 2014 Esticão de 7b esportivo, tarde do dia 1, investida 2014.
     

A escalada foi descrita muito bem pelo Igor em um post, então eu reproduzo aqui as palavras dele que contam muito bem o que ocorreu:

“Iniciamos a primeira parte do porteio no fim da tarde de quarta feira, acordamos bem cedo na quinta feira e caia uma chuva fraca, assim que parou iniciamos a trilha com o restante dos equipamentos."

 
Fenda de quinto grau, inicio da via, 2014.
 

Nereida Rezende guiou a primeira enfiada de quinto grau e rebocou os Hallbags, logo em seguida ela guiou o diedro de 7b e eu subi pra rebocar os Hallbags, guiei a terceira enfiada de quinto grau até o plato onde foi o nosso bivack a 100 metros da Cachoeira e reboquei os Hallbags, quase anoitecendo e com muita vontade de agilizar ao máximo eu guiei a quarta enfiada de 7b esportivo com um artificial no final, levei comigo mais duas cordas retinidas pra deixar a parede encordada.

Mister no 7b móvel para chegar no plato, 2014. Nereida, nov 2016, tocando pra cima no 7b móvel.
   

Na manhã de sexta acordamos mais uma vez com chuva fina e tivemos que começar a escalar um pouco mais tarde, peguei mais uma corda, costuras e outros materiais que iríamos precisar para as cinco enfiadas seguintes e jumariei pela corda fixa, Cheguei na parada montei a seg da Nereida e ela veio limpando a enfiada de 7b com a mochila com dois jogos de friends e mais uma corda retinida, foi difícil escalar com o peso e ela gemia, mas quando chegou na parada já estava sorrindo de novo. Logo em seguida ela guiou a enfiada de 7c alucinante e depois foi minha vez de sofrer escalando com a mochila.

Igor jumariando o 7b esportivo, que encordou no dia anterior. Nereida no final do esticão 7c esportivo.
Nereida participando com o Mister em 2014, 7c esportivo. Lindo e negativo esticão de 7c esportivo.
   

Cheguei na p5 e me organizei pra guiar a enfiada de nono grau com furos de cliff, logo no início passei por um lance bem exposto, mas depois que cheguei na parede vertical consegui fazer bem as passadas de cliffs pra chegar a cada grampo.

 
Artificial de cliff talon.
 

Nereida jumareou essa enfiada e guiou a seguinte de sexto grau, cheguei na p7 e já perto de escurecer, eu sai pra guiar a última enfiada, me perdi um pouco, tive que fazer uns trepa-mato e depois achei a fenda final, Nereida chegou assim que anoiteceu, batemos umas fotos e já iniciamos os rapéis, já bem cansados e tendo que recolher as cordas que tivemos que deixar fixas por ser paredes negativas e horizontais, conseguimos chegar no plato do bivack por volta das 22:00.

     
Nereida no primeiro esticão de sexto. Tudo sempre bem organizado. Cumeeee!!!
     

Dormimos e na manhã de sábado acordamos mais uma vez com chuva, tomamos um café e logo depois começamos a arrumar os Hallbags, mais quatro rapéis e chegamos na base.

     
Quarto. Banheiro. Cansados mas felizes, hora de partir.
     

Daí separamos os materiais e depois de alguns alongamentos iniciamos a primeira leva do porteio. Chegando na sede nos alimentamos super bem. No fim da tarde voltamos pra base da cachoeira pra poder buscar o restante dos equipamentos e às 22:00 horas chegamos no carro.”

Como fica claro no relato do Igor, nossa estratégia foi deixar os três esticões acima do platô encordados (já gasta 3 cordas) e subimos com 2 cordas os últimos esticões de sexto (uma das cordas era uma gêmea, leve, para juntar com a outra corda de guiar e permitir o rapel de 60m). Então, em termos de material, tínhamos 5 cordas, 2 jogos de friends bem servidos, 25 costuras, cada um tinha seu material de jumariar e de bivacar e juntos tínhamos material para cozinhar e comida para 2 dias.

Bagagem, na chegada ao platô.

Abandono, mas melhor levar o hallbag no loop e não nas costas em paredes negativas. em paredes positivas é o contrário se for possível.
   

No crux do esticão de 7c, que é logo que sai da parada, eu fui intermediando os grampos com peças móveis para cair menos, eu cai umas três vezes. Na terceira queda, eu já tinha quase saído do lance, tinha botado uns 0.1 e 0.2 e fui indo e vi que não ia dar, daí fui desencalando e gritando pro Igor, "vou cair Igor, nos pequeninhos, Igor, são os pequenininhos", e cai só uns 2 metros, porque as pecinhas seguraram! Nós rimos muito disso, depois! Eu também descansei num cliff de agarra que eu botei no loop. Já penso em usar esta estratégia quando for guiar o esticão de cliff talon, na minha próxima investida. Aquela parte é muito exposta! Um ponto alto que eu tive foi quando o Igor no final da escalada falou: tu escala bem em móvel! cada peça que eu retirei estava muito boa!! YYYaaaa, sim, eu sei o que fazer, eu estudei bastante, curso de móvel eu tive um com o Flávio Daflon e outro com o Edu RC, cursos metódicos e sistemáticos, que passa por todos os assuntos em cadeia. É importante estudar, porque tu não sabe que não sabe o que não sabe.

 
Nereida jumariando e limpando o esticão artificial de talon em 2014.
 

“experiência é o nome que damos para o aprendizado que adquirimos com os nossos erros”

 

Abaixo eu cito questões que eu considero relevantes nessa escalada, os betas, apesar de que tem gente que gosta de descobrir tudo sozinho, explorar, e tá certo também!

Água!!!!

Deve carregar água da base da via, sugiro 6L por pessoa por dia incluindo cozinhar, a via é exigente e a sede é devoradora!

Aproximação pela direita e rapel reto da base do 7b movel. Para entrar na via, vá seguindo a água pela direita, escalaminha, se tiver carregando peso pode colocar umas linhas de vida, atravessa e vai buscando a direção da cachoeira numa trepada até a base da fenda de quinto grau. Já no rapel, faz mais dois rapéis de 60m da base do 7b móvel.

 
A aproximação é subir isso aí. Lá em cima pega pra esquerda.
 

Exposição do início do oitavo grau.

O início do esticão de cliff talon, que o Igor chama de nono aí em cima e o Lucas Jah disse que em livre é 8bBR, é um sexto grau bem exposto, deve ter uns 5 metros sem chapa, mas se cair vai ser no vazio lá embaixo, tttttttt.

Pegar o termo

A FEMEMG é responsável por assinar a competência das cordadas que irão se aventurar. Não há resgate pelo parque. O parque é organizado, recebe as pessoas, olha os documentos, tem banheiro com banho e também oferece espaço para acampar e bancada de louça. O termo pega escrevendo para o email escaladatabuleiro@gmail.com ou falando com o Leandro Ianotta, 999521351, liannotta@hotmail.com. O Mister faz parte do Conselho do parque. É importante respeitar o espaço conquistado, se comportando em harmonia com o ambiente.

 
Michael MitoSan guiando o esticão esportivo de 7b depois do platô, nov 2014.
 

Cuidado com a temporada de chuvas

Durante o período de chuvas, verão, a via Hidronotopo pode estar molhada um esticão antes do final e a passagem não é possível. Considere isso na sua estratégia.

Rebocando haulbags

O esticão de quinto grau até a base do 7b móvel é uma horizontal. Muito cuidado ao rebocar hallbags por ali. O parceiro de baixo deve ter sua corda de controle para evitar um pendulo de muita velocidade.

     
Haulbags de nossa aventura. Nereida limpando o 7b esportivo, tarde do dia 1, 2014. Tchau!!!
     

Betas esticão de sexto no final

O último esticão de sexto vai reto e só lá em cima anda pra esquerda numa horizontal até ver uma fenda larga para subir.

Link do relato de 2014.

Nereida Rezende

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