Extremos
 
COLUNISTA NEREIDA REZENDE
 
Micro guia para brasileiros em Yosemite
 
texto: Nereida Rezende
25 de julho de 2016 - 14:00
 
NEREIDA REZENDE durante escalada em Yosemite. Todas as escaladas com 2 jogos de camalots, 0.2 ao 3. Ser bem formada por boas escolas dá segurança.
 
  Fernanda Abra  

Estive em Yosemite de 20 a 30 de maio de 2016. Neste primeiro artigo no EXTREMOS vou contar sobre as vias que eu fiz e registrar betas que eu acho que possam interessar a escaladores que desejam ir. É uma visão geral sobre as montanhas e vias e no final tem as informações de logística e custos. Yosemite é uma meca da escalada em fendas com proteções móveis!

Maio é o final da primavera, verão entrando em Yosemite, boa hora de ir. Outono lá é bom também, setembro e outubro. No verão deles, junho e julho, melhor subir pra Tuolumne Meadows, porque a parte central do parque fica lotada de turistas, tem até engarrafamento e será muito quente.

Escalada em primeiro lugar

Eu tenho uma compilação das vias para Yosemite, que eu ofereço aqui, em ordem de dificuldade. Sim, porque Yosemite tem de tudo, desde boulders e esportivas até todos os tipos de paredes. Para as vias que eu fiz nessa viagem, recebi sugestões dos amigos e a Juliana dava o parecer final altamente confiável. Juliana Petters, brasileira de Florianópolis, radicada na Califórnia há 10 anos, mora a 5 km da entrada do parque, trabalha como guia na Yosemite Mountaineering School e escala fendas como mestre.

A NutCraker, 6 cordadas, todos recomendavam (Jorge Pereira, Carlos Eduardo Diniz, Nicolas Martinez, Scott Mattherson) e eu também recomendo, além dela constar com 5 estrelas nos guias! É uma via toda de fendas sustenidas em dificuldade intermediária, com 2 lindos tetos, sem nenhuma parada fixa. Uns dias antes de escalar a NutCraker eu tinha esquentado na Commitment, 3 cordadas. Estas duas vias eu fiz com a Tatiana Mascarenhas, parceirinha altas vibes! Com a Juliana fiz muitas esportivas de fendas, ela nos deu várias lições de fendas de dedos. E eu e ela fizemos uma speed ascend no Royal Arches, regular route, 500 metros, em 5 horas car-to-car, eu fiz o início, com chaminés e fendas de mão, inicialmente com a corda de 80m dobrada pra evitar atrito, e quando alcançamos a parte mais aberta da via a Ju fez alguns esticões de 80 metros além de escalarmos em simultâneo. A via é linda cheia de platôs com árvores.

 
Yosemite Vale em todo seu esplendor, com a montanha El Capitan à esquerda e Half Dome ao fundo.
 

O vale enorme cheio de montanhas

Vou chamar de "Yosemite Diversão" as vias D1, D2 e D3*, que tem até 10 esticões, que foi o que eu consegui experimentar, tendo escalado as vias Commitment, Bishop’s Terrace, NutCraker e Royal Arches. Também fiz muitas esportivas de fendas de 1 esticão (pitch). E vou chamar de Yosemite Comprometimento as vias D4 e D5, os bigwalls, que eu não tive oportunidade de experimentar nesta viagem, mas eu vi as linhas e captei betas.

* O D é de duração, vias de D1 levam de 4 a 6 horas para serem concluídas, enquanto as de D3 levam um dia inteiro e as D5 exigem que se durma nas paredes, em platôs ou portaledges. Veja mais no site da AGUIPERJ.


As grandes montanhas do parque são El Capitan e Half Dome, mas o vale todo de Yosemite é cercado de paredes e fendas em grande quantidade e qualidade. No El Capitan, os bigwalls mais fáceis são primeiramente a Via The Nose e depois a Salathé, escalada de vários dias, mas pode-se fazer cume por uma via bem mais acessível, a East Buttress of El Capitan, que pode ser feita em um dia. Veja a graduação das vias na listagem que segue abaixo. O cume do Half Dome pode ser atingido por sua via mais fácil, a Snake Dike que sobe por suas costas, pela crista, numa escalada de dia inteiro ou pela Half Dome Regular Northwest Face, que já é um bigwall. Enquanto a aproximação para o El Capitan é de 10-30 minutos, para o Half Dome é uma caminhada de 4 horas por costões expostos.

Destacam-se muito em qualidade de escalada as 3 Cathedrals e suas agulhas (spires).

Segue abaixo a lista de vias compiladas. Veja mais informações e croquis no site www.supertopo.com.

Mais referências você encontra aqui: www.outdoorsgenerations.com/free-climbing/

     
Juliana Petters nas fendas de dedos da Via Royal Arches.

Via Nutcraker, quinto esticão. Parada em móvel, fendas e o tetinho de crux. Via Commitment, o teto é o crux da via, no terceiro e último esticão.
 

Yosemite Diversão

Vias Curtas, 4-6 horas de duração:

Commitment 5.9, 3 esticões (pitches), 100 metros, Setor Five Open Books

Este setor, Five Open Books, é bem perto do Camp 4, do hotel, da cafeteria. A aproximação de 15-30 minutos é por trilha fácil e a descida também por caminhada. É um setor de dois andares e dá pra fazer uma via que chega num platô e fazer a segunda via do platô pra cima. A dobradinha Commitment – Selaginella é altamente recomendável, cada uma com 3 esticões.

Bishop Terrace 5.8, 2 esticões, 50 metros, Church Bowl. Este setor tem esportivas de fendas bem acessíveis. É um campo escola de fendas, desde dedos até chaminés. Nós fizemos a via num esticão só com a corda de 80 metros. Depois do rapel, desescalamos alguns metros.

Tatiana Mascarenhas da Via Commitment, setor, Five Open Books, vias de aclimata��o. Juliana Petters no Bishop Terrace.
   

Nutcraker 5.8 toda em móvel, 200 metros, 6 esticões, Manure Pile Buttress. Uma das vias que eu fiz, realmente muito linda! Inicia num diedro com técnicas de oposição e segue por fendas de mãos, dedos, tem dois tetos, sendo o segundo o crux, uma montada daquelas de jogar o pé pra cima antes e pagar a barra, seguida de uma parte bem exposta e acabando em escalada de aderência e agarras. Aproximação de 5 minutos do estacionamento e abandono por trilha fácil. Apesar dessa via ter grau 5.8, que seria nosso quarto grau, é mais exigente que isso. Este grau baixo é devido a razões históricas. Conquistada na década de 60, quando o maior grau era 5.10 (sexto) que eram as vias mais difíceis, essas mais fáceis tinham que ter uma graduação inferior. O crux é exigente fisica e psicologicamente. Neste setor tem as vias After Six e After Seven, também recomendáveis e mais fáceis que a NutCracker.

     
Via Nutcracker, crux de mantel (botar o pé pra cima e montar) e runout (exposição) depois. Início da Nutcraker, splits are welcome on laybacks (tesoura nas oposições). Tatiana Mascarenhas na Via Nutcraker.

Vias de Dificuldade Intermediária – escaladas de dia inteiro:

Royal Arches Regular Route, 5.7 A0 (5.10b), 16 esticões (pitches), 500 metros, Royal Arches mountain. Com aproximação de 10 minutos de onde fica o carro, esta é a via longa mais fácil de Yosemite. A via segue por chaminés, fendas de mãos e dedos e escalada em face, com poucas proteções e paradas em lindos platôs com árvores. A horizontal de 5.10b tem uma corda fixa pra fazer um pêndulo (A0). No final tem umas horizontais expostas.

Regular Route, Higher Cathedral Spire 5.9, 5 esticões, 200 metros. Altamente recomendada como sendo linda, esta via tem uma aproximação de 1-2 horas em uma subida íngreme para escalar até o topo desta agulha lá no alto, com vista espetacular.

Snake Dike, Half Dome, 5.7, 250 metros, 8 esticões. Com uma aproximação de quase 10km de subida (3-4 horas) e alta exposição, a via segue um veio natural da rocha, que como uma cobra, serpenteia a parede sudeste. Pode ser feita em um dia e o abandono é por uma trilha de 15km.

East Buttress of Middle Cathedral 5.9 A0(5.10c), 11 esticões, 330 metros, Middle Cathedral. Escolhida uma das 50 escaladas mais clássicas dos Estados Unidos, a via segue em escalada moderada em fendas interrompida por curtos e bem protegidos cruxes com visual incrível para o El Capitan. Aproximação de 30-40 minutos e descida por trilha de 1,5 hora.

Serenity Crack 5.10d, 3 esticões, 100 metros, Royal Arches Area. Fenda de dedos exigente que pode ser feita em livre graças aos buracos de pítons, cujo uso foi posteriormente desencorajado na cultura de Yosemite. A dobradinha Serenity Crack – Sons of Yesterday é outra clássica de Yosemite.

Sons of Yesterday, 5.10a, 5 esticões, 150 metros, Royal Arches Area. Linda fenda de entalamentos com ocasionais lances em face e seções inseguras em abaulados.

East Buttress of El Capitan 5.10b, 11 esticões, 450 metros, El Capitan East. A via tem uma aproximação de 45 minutos, que leva a uma parte mais elevada da parede, começando já alto e segue por uma aresta mais positiva no lado direito da montanha. É um pouco mais difícil que a East Buttress da Middle Cathedral e exige habilidades de navegação. Seu abandono é por trilha de 2,5 horas. Uma opção mais apimentada é começar mais baixo e escalar a via Moratorium, 5.11b de fendas de dedos e técnicas de oposição, 4 esticões, 100 metros, que acaba na base da East Buttress.

     
Chaminés iniciais da Via Royal Arches. Royal Arches, fendas filés e platôs de árvores. Royal Arches, 500m. Escalando com vista pro Half Dome.
 

Yosemite Comprometimento

Vias Comprometidas – escaladas de dormir na parede:

Os bigwalls descritos abaixo exigem conhecimento de escalada artificial. Não subestime o baixo grau descrito (5.9, nosso quinto grau), porque ele descreve só as partes obrigatórias, onde não é possível artificializar e essas partes serão expostas. Esteja pronto para escalar em fendas um grau similar ao nosso sexto e sétimo. A letra C da graduação artificial (Clean), em oposição ao conhecido A (Aid), se refere ao uso de proteções não dependentes de martelo para bater (como pitons e coperheads), mas sim o uso de proteções de colocação passiva, como camalots, nuts e cliffs. Para saber mais veja este link.

Half Dome Regular Northwest Face, 5.9 C1(5.12), 23 esticões, 600 metros. Longa aproximação por costões expostos.

The Nose, El Capitan , 5.9 C2 (5.14a), 31 esticões (4-5 dias de escalada), 900metros. Mesmo sendo a mais fácil dos bigwalls de Yosemite, a via é vertical, exposta e exigente física e psicologicamente. Nesse link, pode-se acompanhar os esticões da via The Nose, com os comentários das figurinhas carimbadas de Yosemite como Lynn Hill, Alex Honnold e Tommy Caldwell.

Salathé Wall, El Capitan, 5.9 C2 (5.13b), 35 esticões (4-5 dias de escalada), 900 metros. É um pouco mais difícil que a The Nose, com chaminés de meio corpo de quinto grau obrigatórias, artificiais mais trabalhosos e paradas em platôs lindos.

 
Abandonos das vias por trilhas, às vezes exposta, mas sempre no visual.
 

Estadia, transporte e alimentação

Em termos de custos, um viajante pode começar com um orçamento de 1.000 dólares americanos (US$), sendo US$500 a passagem comprada com antecedência (a United tinha os melhores preços) e a outra metade para estadia, alimentação e transporte.

A chegada é por San Francisco, Califórnia, depois seguir em direção à Merced, Mariposa e El Portal. O melhor é ir e voltar de carro alugado, caso não seja possível, a maratona de metro, trem e ônibus começa em qualquer parte de San Francisco (inclusive dentro do aeroporto) com a empresa Bart, faz baldeação para o trem Amtrak até Merced e depois pega ônibus. Existe um supermercado dentro do parque, mas é tudo muito caro, tente fazer as compras nas cidades grandes.

As opções de estadia que eu conheci são: camping no Camp 4, outros campings e estadia na casa de moradores locais. No Camp 4 um espaço de barraca custa 5 dólares por dia, nos outros campings pode chegar a 30 dólares o espaço e na casa dos moradores locais de 25 a 35 dólares por noite por pessoa. No Camp4 é bem difícil conseguir lugar, tem uma fila diária e os espaços se esgotam sempre antes da fila acabar, tem que chegar muito cedo ou logo antes de fechar a cabine. Nos outros campings o espaço para barraca deve ser reservado com antecedência pela internet, sendo que quanto mais perto da área central de Yosemite, com mais antecedência você tem que reservar. Alguns moradores locais alugam espaços ou quartos em suas casas pelo preço diário de 25 a 35 dólares por dia, por pessoa. Possivelmente a Juliana possa ajudar a encontrar estes espaços.

 

Nereida Rezende

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