Extremos
 
COLUNISTA MANOEL MORGADO
 
Sobre nossas motivações
 
texto e fotos: Manoel Morgado
31 de dezembro de 2015 - 10:52
 
Manoel Morgado guiando montanhistas rumo ao cume do Elbrus.
 
  Manoel Morgado  

Fim de ano é sempre uma época de olhar para trás e ver como foi nosso ano e se olho para o que aconteceu neste 2015 comigo e o que estava planejado para ele há um ano e meio vejo com alegria que eles foram completamente diferentes. Digo com alegria pois sinto dentro do meu coração que fiz as decisões corretas e essa mudança de rumo tem tudo a ver com descobrir dentro de mim minhas motivações para o que estava planejando fazer.

Em 2010 escalei o Everest depois de um cuidadoso planejamento de dois anos. Era um de meus mais acalentados sonhos e um dos mais ambiciosos. Ao chegar ao topo do Everest estava transbordando de felicidade e cada etapa que me levou a conseguir este objetivo tão duro me trouxe grandes alegrias. Eu estava verdadeiramente envolvido neste projeto porque era um sonho meu. Não estava fazendo aquilo para provar nada a ninguém ou para conseguir fama. Estava fazendo por que era o que meu coração me pedia.

Como após a realização de um grande sonho sempre vem outro, comecei a trabalhar para conseguir patrocínio para a travessia da Antártica de ski da costa ao polo sul. Infelizmente o dinheiro não saiu e a expedição não aconteceu. Teria sido muito mais dura do que a escalada do Everest mas mais uma vez minha motivação estava muito clara. Era uma coisa que queria fazer pois amo este tipo de paisagem e este tipo de desafio. Em 2012 fiz uma expedição ao Manaslu sem oxigênio suplementar e sem a ajuda de sherpas. Queria testar meus limites, era uma coisa de auto conhecimento, minha e que estava fazendo por apenas esta razão.

No meio de 2014 desenhei meu próximo ano com objetivos ainda mais ambiciosos, iria escalar o Makalu, a quinta mais alta montanha do planeta com um grau de dificuldade técnica muito maior do que o Everest. De lá seguiria para o Denali para guiar um de meus grupos seguindo então para o Paquistão para escalar o Gasherbrum 1 e talvez na sequência o Gasherbrum 2, a décima primeira e a décima segunda montanha do planeta. Para conseguir fazer isso iria dedicar os primeiros meses do ano a um treinamento extremamente intenso. Mas, com o passar dos meses comecei a me questionar sobre o porque deste plano. Será que estava fazendo pelas razões certas? Já tinha contado a algumas pessoas sobre este plano, já tinha desenhado meu calendário de guiadas deixando espaço para a realização destas expedições, mas as dúvidas começaram a me deixar incerto.

Em setembro de 2014 junto com meu grande amigo Saverio Mennella fui fazer uma grande travessia de kayak oceânico em uma maravilhosa região da Papua (Indonésia) chamada Raja Ampat. Foram 17 dias de remo com muitas e muitas horas de reflexão sobre o porque dos meus planos e de minhas dúvidas e ao final desta viagem consegui enxergar com clareza o porque eu tinha me proposto a fazer algo tão difícil como escalar três oito mil em uma temporada. Ego! Sim, eu estava com 59 anos, tinha escrito dois livros (e tinha outro a caminho) e há 3 anos, desde o Manaslu, não tinha feito nada grandioso. Nada que me pusesse em destaque, nada que as pessoas comentassem. Não tinha histórias para mais um livro. De maneira muito dura, muito difícil de aceitar, percebi que estava fazendo tudo aquilo para satisfazer o meu Ego. Percebi que não tinha aquela motivação pura que tive nas outras expedições. E não foi apenas aceitar que estava com as motivações erradas que foi duro. Também aceitar o luto das perdas foi super difícil pois claro que você, ao entrar no jogo do Ego, começa a imaginar tudo aquilo que iria acontecer ao realizar essas façanhas. Os artigos, os comentários, os elogios…

   
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Uma expedição a uma montanha de mais de 8.000 metros, para ser feita com segurança, exige que você esteja na melhor de sua forma física e isso exige tempo e muita dedicação. Existe um risco inerente a estas montanhas. Existe um grande dispêndio de dinheiro. E eu estava disposto a tudo isso pela gratificação que receberia ao ter feito e não pelo prazer de fazer.

Hoje, ao final de um ano onde guiei grupos incríveis, onde escalei em rocha, esquiei, conheci países novos e maravilhosos, fiz lindas caminhadas, viajei de moto e passei horas preciosas na companhia de amigos queridos, todas coisas que pude fazer ao mudar o rumo de meu ano, vejo que minha decisão não poderia ter sido mais acertada. Tenho certeza que de fiz coisas que me deram um prazer genuíno pois eram coisas que eu fiz porque queria fazer e não para satisfazer o meu Ego.

Recebo pelo menos um e-mail por semana de pessoas que não são montanhistas e que me escrevem querendo informações sobre como subir o Everest. E sempre me pergunto o que será que motiva as pessoas a escreverem estes e-mails. Será que elas realmente tem este sonho de escalar a mais alta montanha do planeta mesmo sem terem a menor ideia do que é um trekking de longa duração ou uma expedição? Ou será que elas também estão sendo manobradas por seus egos?

   
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Então, baseado nesta minha experiência recomendo a todos neste fim de ano que revejam seus objetivos para 2016 e olhem dentro de si e vejam porque querem fazer o que planejam. Estar nas montanhas é uma das experiências mais ricas que alguém pode ter. É uma chance incrível de se auto conhecer, é uma maneira fantástica de estreitar as amizades com aqueles com os quais dividimos esta experiência, de estar em paisagens deslumbrantes que conquistamos o direito de curtí-las ao chegar lá por nosso esforço. É por isso que devemos ir para elas e não pelos ardis do insaciável Ego.

Vou continuar a escalar. Neste próximo ano pretendo guiar um pequeno grupo ao Mt Lenin (7134 metros) no Quirguistão, país que gosto muito e fazer uma nova tentativa do Ama Dablan no Nepal, para mim a mais linda montanha do planeta. Estar nas montanhas é minha vida e não creio que vou parar de escalar. Mas, talvez, escaladas de montanhas de 8000 metros seja um capítulo encerrado na minha vida. Ou talvez não, mas se voltar será pelas razões corretas, a vontade pura de estar lá.

Nasmatê
Manoel Morgado

 
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