Extremos
 
COLUNISTA LISETE FLORENZANO
 
Aprendendo pela experiência
 
texto: Lisete Florenzano
4 de agosto de 2015 - 8:52
 
Caminhando ao campo base do Mt. Malchin (4.050m), na Mongólia. Foto: Lisete Florenzano
 
  Lisete Florenzano  

Muito se fala em educação ao ar livre e também em “expedições comerciais” na montanha, como se uma coisa fosse totalmente contrária à outra. Talvez os objetivos propostos não sejam os mesmos, já que em um trabalho voltado à educação experiencial ao ar livre é todo planejado para cumprir algumas metas no sentido do aprendizado pela experiência, e nas expedições comerciais não temos essas preocupações. Mas será que as pessoas que participam de expedições comerciais também não aprendem pela vivência de estar expandindo sua zona de conforto, de estar em culturas, mundos tão diferentes – mesmo que esse aprendizado não esteja claramente exposto?

Desde 2010 trabalho como guia pela Morgado Expedições, levando pessoas em expedições comerciais para trekkings e escaladas em vários lugares do mundo. Em 2014 ampliei meu leque de atividades depois de fazer o FEAL (Fundamentos de Educação ao Ar Livre), curso ministrado pela Outward Bound Brasil (OBB), levando adolescentes em expedições em vários lugares aqui no Brasil (Treehouse Educação ao Ar Livre). Participei também de um trabalho da OBB, o Borboleta Azul, onde os alunos eram da APAE e tinham algum tipo de deficiência intelectual.

No trabalho com adolescentes, as expedições fazem parte da grade curricular da escola, e fazemos um trabalho de longo prazo: cada grupo faz várias expedições, cada vez mais complexas e os participantes ficam cada vez mais independentes dos instrutores. No início passamos várias informações, como montar barraca, usar fogareiro, dicas de cozinha, como montar a mochila, como usar mapa e bússola para navegação na trilha, segurança. Saímos para as atividades, muitas vezes travessias de 3, 4 ou 5 dias, acampando. Os alunos tem que aprender a comunicação entre eles, resolver conflitos que possam acontecer, pensar na logística que vão usar para que todo o grupo chegue no acampamento marcado no mapa. Lá eles tem que montar barracas, cozinhar (o menu e a comida foram definidas por eles mesmos), lavar tudo. É um aprendizado e tanto! A cada expedição percebo que cada um está diferente, mais seguro, com uma percepção maior do que acontece à sua volta (os adolescentes têm a tendência a olhar muito para seu próprio mundinho), com uma maior preocupação com seus colegas. Para nós, instrutores, é um trabalho duro, que exige muita responsabilidade. Por outro lado, muito gratificante.

     
     
Feedback de um aluno após a experiência com o "Treehouse Educação ao Ar Livre".
     

Nas expedições comerciais, os clientes não estão lá para aprender a cozinhar ou usar mapa e bússola, não têm que tomar decisões sobre a logística da viagem. Mas eles também aprendem, e muito! Acabei de voltar de uma viagem magnífica na Mongólia, onde caminhamos por 8 dias nas estepes do Altai e fizemos o cume do Mt. Malchin (4.050m). As pessoas tiveram que aprender a montar e desmontar sua barraca, aprenderam que não dá para por na mochila mais do que vão usar no dia (se não fica pesada demais), entenderam o quanto a alimentação e o descanso são importantes, aprenderam a andar – o maior aprendizado de todos!

Assim como na vida, não devemos andar num ritmo que não seja o nosso. Quem tem um ritmo rápido, se andar devagar, vai cansar. Quem tem ritmo lento, se andar rápido, vai cansar. Querer ir rápido só para massagear o ego pode levar à exaustão, enfim, uma péssima estratégia que o próprio corpo vai mostrar. Em uma subida, as dificuldades são maiores, e o melhor é seguir com passinho curto, sem pressa. Focar na respiração, nos passos, e quando vemos já terminamos a subida! Uau! Que sensação fantástica de superação de dificuldades, de controlar as emoções negativas! Aprendemos que as descidas, apesar de parecerem fáceis, têm suas manhas e podem ser muito cansativas e longas... é preciso uma dose extra de paciência e controlar a ansiedade, aquela vontade de chegar logo ao destino. Aprendemos a olhar o companheiro de viagem, com compaixão e empatia. Ao mesmo tempo, é preciso deixar que cada um tenha sua experiência, e às vezes se aprende pela dor. Deixar que cada um se responsabilize por suas escolhas e pelos desdobramentos que vieram dessas escolhas é um aprendizado profundo, tanto para o guia quanto para quem vivencia a experiência.

Como isso tudo pode não ser valorizado? Cada participante da viagem à Mongólia, por exemplo, aprendeu e muito! Tenho certeza de que todos voltaram diferentes para suas casas, que tiveram a zona de conforto transformada, já que se jogaram numa situação desconhecida e num país distante. Conviveram por quase 20 dias com pessoas que não conheciam, se transformaram e transformaram os outros.

     
     

Como diria o poeta e filósofo:

“Ninguém muda ninguém e ninguém muda sozinho.
Nós mudamos no encontro.”

Roberto Crema

Em cada “viagem” temos a oportunidade de olhar para nós mesmos, olhar o outro e vivenciar uma cultura diferente. Para mim, essa é a base de aprender pela experiência.

Bons ventos a todos!
Lisete Florenzano

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