Extremos
 
COLUNISTA ION DAVID
 
Uma experiência dos sentidos
 
texto: Ion David, Monica Esteves,
Marcio Ramos e Luiz Viana
10 de outubro de 2016 - 09:25
 

Canionismo na Chapada dos Veadeiros. Foto: Ion David
 
  Roberta Abdanur  

A região da Chapada dos Veadeiros destaca-se como um dos destinos turísticos no Brasil que merecem ser visitados. Além das belezas naturais que afloram por toda parte neste pedaço do nordeste goiano, outros motivos atraem visitantes e imigrantes, e que nem sempre encontramos em outros lugares. Natureza, cachoeiras, misticismo, espiritualidade, vida saudável e até mesmo contatos extraterrestres fazem da região um local de convergência de várias tribos.

Uma destas tribos é o grupo Veadeiros Canionismo que se reúne eventualmente para descidas de cânions. Entre os dias 4 a 11 de setembro alguns canionistas do grupo saíram para mais uma expedição na Chapada, visitando 4 cânions da região: Cânion do Garimpão, Cânion do Jardim, Bocaina do Farias e Cânion do Borrachudo.

O que é canionismo?

É descer um rio confinado em paredões, a pé - com roupas de neoprene e mochilas de apoio - vencendo os obstáculos à medida em que vão surgindo. O acesso inicial geralmente é por trilha. A seguir, vamos caminhando por dentro d’água, ou sobre blocos de pedras, desescalando, saltando em poços, nadando por eles, e quando surge uma cachoeira, a descemos de rapel. Tal qual praias, montanhas e outros atrativos naturais, cada cânion possui suas características e beleza que os tornam únicos e de acesso exclusivo a privilegiados.

“Eu sou suspeita para falar, pois desço cânions na Chapada dos Veadeiros há 12 anos; lá fiz meu primeiro curso de canionismo e me apaixonei por essa prática, que envolve o domínio de apuradas técnicas de trabalho vertical, intensa e lúdica atividade física, com caminhadas, natação, desescaladas etc. e, sobretudo, o contato com uma natureza exuberante, estonteante - muitas vezes, quase inacreditável! - cujo acesso não raro só é possível com a utilização das técnicas de canionismo.”

diz Mônica Esteves integrante carioca do grupo de canionistas.

Nesta aventura descemos, pela primeira vez, o Canion do Garimpão, dentro do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Esta foi uma importante vitória - não só para o canionismo brasileiro, como também para todo o ecoturismo no país - conquistada por nossa anfitriã nessa expedição, a Travessia Ecoturismo. Importante frisar que a negociação da Travessia com o ICMBIO durou inacreditáveis 12 anos de estudos de impactos ambientais e apresentação de um minucioso projeto de implemetação de vias e de segurança, a espera valeu apena. A descida do rio inicia-se logo após as Corredeiras do Rio Preto, atrativo bastante conhecido dos praticantes de trekking e visitantes do parque. Primeiro, um rapel desce os canionistas para dentro de uma boca escura em meio às enormes pedras amontoadas, por onde corre o rio. Saindo do buraco, as belezas vão se acumulando a cada obstáculo transposto na caminhada sobre o leito rochoso.

Canionismo na Chapada dos Veadeiros. Foto: Ion David   Canionismo na Chapada dos Veadeiros. Foto: Ion David
   

A próxima descida de corda já é na Cachoeira do Carrossel, um enorme complexo de cachoeiras e poços para banho. A descida prossegue por um trecho a nado, com o grupo cercado por paredões em ambas as margens do rio. Para matar a fome, um lanche em um local pouco acessado: o topo do Salto do Garimpão. Popularmente conhecido como Salto 80, compõe com seu “irmão maior”, o Salto 120, a imagem mais conhecida do Parque e provavelmente da Chapada dos Veadeiros. Não poderíamos ter lugar melhor pra fechar nossa tarde. Uma descida de 68m em corda, fracionada em duas bases intermediárias, muito técnica e farta em água. Entre uma parada e outra no meio da descida, uma olhada para trás nos presenteava com a vista maravilhosa do poço e do Vale do Rio Preto, finalizando a atividade no Parque, nadamos por uma enorme piscina e retornamos pela trilha de visitação a cachoeira.

No dia seguinte, fomos a vila do Moinho, a cerca de 10 km de Alto Paraíso, encontramos o cânion do Jardim. Uma caminhada sob a sombra de um cerrado bem preservado nos levou à entrada do Rio Areal que corta este cânion. Nesta época do ano o rio está com sua vazão baixa, o que não tira em nada sua beleza e também nos possibilitou uma boa experiência em um cânion mais seco. A mata bem fechada permitiu uma descida bem refrescante, facilitando o grande número de trabalhos com cordas necessários nesta progressão. Ao longo de boa parte do cânion fomos acompanhados por macacos prego curiosos, observando-nos pelos galhos nas partes altas do cânion. Um lugar lúdico e mágico que nos levou à infância por algumas horas.

Canionismo na Chapada dos Veadeiros. Foto: Ion David   Canionismo na Chapada dos Veadeiros. Foto: Ion David
   

Seguindo nossa aventura, chegamos ao Cânion do Farias, o mais distante desta expedição. Situado no município vizinho de São João d’Aliança e com difícil acesso (recomenda-se 4x4) que afasta alguns aventureiros à procura de cachoeiras e camping selvagem, mas para os praticantes do canionismo, estes obstáculos fazem parte do preço a pagar para se visitar um dos cânions mais famosos do Brasil. Tamanha fama criou muita expectativa, porém as surpresas do dia começaram muitos quilômetros antes de chegarmos ao rio. Ainda na estrada poeirenta que corta as lavouras da região, curtimos um safári no cerrado. Um enorme lobo guará exibia-se em plena luz do dia vasculhando a palha seca do milharal. A empolgação do grupo ao vê-lo foi demais, e o lobo, bem menos empolgado com nossa chegada, virou-se seguindo seu caminho pouco tempo depois. Uma curva adiante e nova surpresa: um grupo de cerca de quinze emas assustadas corria desordenadamente pela terra seca, e pouco mais distante um ágil veado catingueiro sumia saltitando no cerrado remanescente. Com o dia ganho, seguimos rumo ao cânion. Conquistado há mais de dez anos, a Bocaina do Faria é um roteiro clássico do canionismo brasileiro, tanto pela dificuldade técnica quanto por seus paredões confinadíssimos, que o torna praticamente uma caverna em alguns trechos. Uma formação única, incrível aos olhos.

Para finalizarmos nossa expedição, fomos em direção ao Canion do Borrachudo, na região da Chapada Alta onde encontram-se as terras mais elevadas do estado de Goiás, para mais uma experiência de 3 dias sensacionais. Este atrativo foi aberto oficialmente há pouco tempo para a exploração de cachoeiras e trilhas, mas vem provando ser um promissor destino para a prática do canionismo. Fomos recebidos pelos moradores da propriedade, seu Augusto e família. Fazer o visitante sentir-se em casa é a especialidade deles. Um grande gramado para camping, chalés, banho e comida boa tornam o local uma base perfeita para se explorar os arredores dos córregos Borrachudo e Buriti.

Canionismo na Chapada dos Veadeiros. Foto: Ion David   Canionismo na Chapada dos Veadeiros. Foto: Ion David
   

Assim que chegamos, arrumamos as coisas para que seu Augusto e seu filho Rogério pudessem por nas mulas e levar para a base avançada onde acamparíamos no dia seguinte. Em seguida fomos descer a primeira parte do Cânion. Quatro descidas longas e bem íngremes, quase contínuas, apenas intercaladas por poços para banho. Um total de 200m de desnível. Vencido o desafio, subimos por trilha de volta ao camping. Fechamos o dia com um autêntico jantar goiano de roça: salada, arroz, feijão, carne de panela, frango ensopado, abóbora e pequi cozido! E como digestivo, nada melhor do que a também autêntica noite de acampamento: fogueira, risadas, vinho e muita música nos acordes de violão e flauta.

No segundo dia desta etapa, partimos do acampamento até o segundo trecho do cânion que acessamos por outra trilha cortando uma linda parte de cerrado quase intocado. Chegando no rio Borrachudo, nos equipamos e seguimos por algumas cachoeiras e poços até chegarmos a dois surpreendentes tobogãs em série. O primeiro, menor, que carinhosamente chamamos de “toboguinho”, foi utilizado para relembrar as técnicas de segurança para descer neste tipo de formação. Depois do treino, hora de descer o maior, o “tobogão”. Uma rocha lisa e inclinada por onde o rio passa e despenca dentro de um poço 4 metros abaixo. teve também a opção de descer fazendo um rapel pela cachoeira. Na sequência, avistamos algumas formações rochosas curiosas, onde as camadas sedimentares foram forçadas por algum movimento geológico e que, ao invés de fraturarem como esperado, entortaram, formando curvas impressionantes.

Canionismo na Chapada dos Veadeiros. Foto: Ion David   Canionismo na Chapada dos Veadeiros. Foto: Ion David
   

Chegamos ao acampamento, poucos metros acima da Cachoeira do Sol. Após o banho no rio, preparamos a comida, jantamos, curtimos um pouco a noite chapadeira iluminada pela lua e logo nos recolhemos nas redes abrigadas pelo céu da Chapada. Dormir às margens do cânion, em redes penduradas em árvores, olhando o céu negro pontilhado de estrelas, encantados... Foi único! Realmente, não existe sensação maior de comunhão com a natureza que acordar já ouvindo os pássaros ao seu lado, abrir os olhos e se deparar com os lindos paredões do cânion, ornados com a belíssima vegetação do cerrado!

Nosso último dia começou com uma linda descida pela Cachoeira do Sol, fracionada em duas partes, sendo a primeira pelo seco e a segunda pela água. Este trecho do Borrachudo pode-se dizer que é o “Beach Park” da Chapada. Descidas em corda pela água, pelo seco, muitos trechos de progressão por salto e nataçao por poços impressionantes. Seguindo o rio nos deparamos com uma pequena formação em forma de concha que lembrava uma capela de santo. Uma bela imagem! Chegamos ao trecho final, dois belos rapeis com 25 metros cada em um cânion confinado em meio a enormes paredões.

 

Canionismo na Chapada dos Veadeiros. Foto: Ion David
 

Além de termos desfrutado dos prazeirosos atrativos desse exuberante cânion, com muitos saltos e tobogãs, e apreciado suas formações geológicas incríveis, ao finalizarmos a descida, no terceiro dia, encontramos seu Augusto com as mulas cargueiras, que estava ansioso para nos levar a um lugar que ele mesmo havia recém-descoberto: uma belíssima ponte de pedra, gigantesca, ladeada por uma incrível caverna, com uma salão imenso, vários túneis, estalactites, estalagmites e uma colméia de abelhas incomodadas com a rara presença de pessoas por ali, que nos deixou apreensivos e preocupados. Após tantas experiências que a natureza nos proporcionou, hora de retornar para o acampamento base. Dez quilômetros de trilha morro acima, em percurso muito bem projetado, onde o desnível de 400 metros pareceu ser mais generoso do que na maioria das trilhas. A Chapada nos ofereceu um entardecer agradável e avermelhado de seca, com vistas para seus campos de cerrado, o Vale do Borrachudo e a Serra Geral do Paranã ao fundo. A noite nos alcançou no final da trilha sem nos incomodar, e felizmente todos chegamos bem ao acampamento. Pés inchados e latejantes, ombros cansados pelas mochilas, rostos queimados de sol e um sorriso no rosto que teimava em não nos abandonar desde o primeiro dia da expedição.

 

Canionismo na Chapada dos Veadeiros. Foto: Ion David
 

E, como não poderia deixar de ser, desfrutamos ao longo de 6 dias, da agradabilíssima companhia dos amigos canionistas: Mônica, Raquel, Ion, Marcelo, Eder, Márcio, Ricardo e Dado, com muitas piadas, risadas e, ao mesmo tempo, cuidado e respeito mútuos. É incrível como estar em áreas remotas, praticando atividades que envolvem um certo risco, une as pessoas, tornando-as quase uma família; ao mesmo tempo, tanta endorfina, tantos saltos e tobogãs e tantas visões exuberantes liberam nosso lado mais lúdico e engraçado, nos proporcionando prazer e diversão difíceis de se igualar e descrever!

Até a próxima!

 

Ion David
www.travessia.tur.br

 
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