Extremos
 
O EDITOR ELIAS LUIZ
 
Katie Fischer no topo do mundo
editor: Elias Luiz | texto: Kade Krichko
tradução: Eduardo Costa
fonte: Seattle Met
10 de maio de 2016 - 00:01
 

Filha do alpinista Scott Fischer, Katie Rose Fischer-Price.
 
  Elias Luiz  

Vinte anos depois de seu pai, uma lenda da escalada de Seatle, Scott Fischer, morrer no Everest, Katie Rose Fischer-Price viajou de volta a terra que o levou – e se viu no meio de uma catástrofe ainda maior.

Ela estava no banheiro pouco antes das 13h, quando o apertado quarto de hotel de três andares começou a balançar. Um pequeno ventilador caiu do criado-mudo. No teto, uma pequena rachadura crescia e crescia um pouco mais.

O tempo parou e Katie Rose Fischer-Price, uma enfermeira psiquiátrica de 24 anos, de Seatle, apoiou-se no vão da porta do banheiro. Do lado de fora do Tibet Guest House a terra estava dando seu jeito com Kathmandu e o resto do Nepal. A cidade deplorável com cada pulso de energia sísmica, um ensurdecedor eco de estrondos metálicos que rolam como uma cascata de portas de garagem batendo.

Então, de repente o tremor parou. Mas ela sabia que não poderia confiar no chão sob seus pés. Dezessete dias antes, um terremoto de magnitude 7.8 levou 8.857 vidas e gerou quase US$10 bilhões em prejuízos. Hoje, 12 de maio de 2015, foi a repetição de magnitude 7.3 desse terremoto.

“Ou eu morro, ou eu vou ficar bem.”

disse Katie Fischer

Do lado de fora, ela encontrou alguns amigos, incluindo Neena Jain, uma médica americana de socorro e desastres. Com mais prováveis tremores secundários a caminho eles sabiam que precisavam se afastar da cidade e de seus prédios em ruínas. Agora!

 

Katie nos braços do pais, Scott Fischer.
 

À medida que eles atravessavam as ruas, sufocados com a poeira, tijolos balançavam e vergalhões apareciam tudo a beira de um colapso. Desde aquele primeiro tremor em Kathmandu, muitos com suas casas irreparavelmente danificadas, estavam vivendo a céu aberto. Agora o pânico manifestou-se em gritos por toda cidade. Uma mulher puxou Fischer-Price de lado e começou a gritar, não para ela, mas para alguém, para qualquer pessoa. De novo não. Como isso pode estar acontecendo de novo?

Katie Rose tinha chegado ao Nepal, aos pés do pico mais alto do planeta, para se conectar com o país e as pessoas que seu pai, o falecido Scott Fischer, tinha muita admiração. O lendário alpinista morreu no topo do mundo no infame desastre de 1996 do Everest, quando Katie Rose tinha apenas cinco anos de idade, uma das oito mortes causadas por uma incomum tempestade na abominável zona da morte da montanha. O plano de Katie Rose era ajudar a estabelecer uma primeira rede de comunicação nas remotas áreas do Vale do Khumbu, mas agora as forças que, criaram os picos elevados do Nepal, tinham seus próprios planos.

Quando a noite caiu sobre a cidade capital, Katie Rose e o grupo, carregando passaportes, câmeras, uma muda de roupa, e uma lona de plástico, encontraram um campo de refugiados fora da cidade. Eles se amontoaram na lona reaproveitada. O chão tremia com os abalos secundários, e Katie Rose ouvia em uma noite agitada, os mais distantes gritos na escuridão. Ela estava agora ligada a este lugar, e percebeu depois, por dois desastres em duas décadas de distância.

No momento em que o sol nasceu e a terra declarou momentaneamente cessar-fogo, ela já tinha decidido em sua mente o que faria em seguida.

 

Foto tirada por Katie Rose em Katmandu.
 

SE VOCÊ CONHECE o nome Scott Fischer - e você não é um alpinista - é provável que seja graças à atenção sem precedentes da mídia (e a fascinação contínua do público) com o desastre de 1996 no Everest. Mesmo antes da tragédia que se abateu, 96 foi escolhido para ser uma das temporadas de escalada mais documentada na montanha. Uma equipe de filmagem do IMAX, acompanhando outra lenda do alpinismo de Seattle, Ed Viesturs, que estava no local. Foi assim, então, que o autor com base em Seattle, Jon Krakauer, em missão para a revista Outside, transformaria o artigo resultante no livro best-seller Into Thin Air (No Ar Rarefeito).

Cerca de 50 alpinistas estavam no Everest em 10 de maio de 1996. (Um deles, o carteiro Doug Hansen, natural de Seattle, estava em sua segunda tentativa ao cume.) Fischer estava lá com a Mountain Madness, sua empresa de montanhismo com sede em West Seattle, para liderar oito clientes ao topo, incluindo a talentosa alpinista e socialite de Manhattan Sandy Hill (na ocasião, Sandy Hill Pittman).

Fischer tinha alcançado o cume do Everest em 1994 sem oxigênio – um cenário incrivelmente desafiador e potencialmente mortal em altitudes superiores a 8.000 metros - como parte da primeira equipe de limpeza do Everest (uma equipe responsável pela remoção de mais de 2.200 quilos de lixo de alpinistas). Nas décadas anteriores, ele conquistou o Matterhorn, Aconcágua, e uma série de montanhas impressionantes ao longo dos Himalaias, incluindo K2 e a primeira bem sucedida ascensão Americana do Lhotse, o quarto pico mais alto do mundo. Antes dos 40 anos, ele tinha estado no topo dos picos mais altos em seis dos sete continentes (somente da Antártida, o Vinson Massif lhe escapou).

Durante esse tempo, ele transformou sua paixão pela escalada em um estilo de vida com a Mountain Madness, guiando pessoas para os pontos mais altos na terra. Mas não foi o que Fischer escalou que lhe rendeu elogios no mundo do montanhismo, foi como ele escalou. "Não há ninguém que fosse mais divertido estar junto nas montanhas do que Scott", diz Brent Bishop, um alpinista de Seattle e parte da equipe de Fischer em sua bem sucedida ascensão ao Everest em 94. Fischer escalou montanhas, como Bishop observa, "em bom estilo," encontrando alegria na delicada ‘dança’ na alta altitude e realizando cada uma de suas expedições pessoais sem oxigênio como uma forma de abraçar plenamente o desafio.

 

Scott Fischer.
 

Montanhismo era uma chance de testar o corpo e a mente humana para o louro introspectivo de sorriso fácil, mas também uma desculpa para conhecer novas pessoas e conhecer novos lugares. Grande parte do seu legado, de fato, foi construído sobre as relações duradouras com as culturas que prosperaram nos Alpes elevados.

Casou-se com Jeannie Price, uma futura piloto da Alaska Airlines e sua ex-aluna da National Outdoor Leadership School (uma escola de formação de líderes que usa atividades outdoor em sua grade curricular), no Dia dos Namorados de 1981. Depois de se instalar em Seattle, o casal teve dois filhos, Andy e, quatro anos mais tarde, Katie Rose. Scott tinha alcançado alguns dos picos mais difíceis do mundo, mas rapidamente encontrou um dos seus maiores desafios sob o próprio teto em West Seattle. Katie desenvolveu uma personalidade forte em seus primeiros anos, para o espanto de Scott e o resto da família Fischer. "Ele começou a chamá-la de K2", lembra Jeannie. "A escalada mais formidável que ele já fez, e a criança mais intransigente que ele poderia imaginar".

Fischer e seus guias, Neal Beidleman e Anatoli Boukreev, levaram com sucesso seis de seus oito clientes ao cume em 10 de maio de 1996, mas durante a descida eles foram surpreendidos na Zona da Morte (o terreno acima de 8.000 metros) por uma tempestade maciça. Enquanto seus guias e clientes desceram, eventualmente, com segurança, Fischer, que estava cada vez mais doente, enquanto transportava alpinistas para dentro e fora do acampamento, foi incapaz de fazê-lo abaixo do Balcony a 8.350 metros, eventualmente, sucumbindo à hipotermia e tornando-se um dos oito a perecer nas 24 horas mais mortais no Everest até aquele momento. O amigo e concorrente de Fischer, líder da equipe da Nova Zelândia, Rob Hall, também morreu na tempestade, marcando a primeira vez que dois líderes de equipe morreram em um único evento no Everest. Os corpos dos dois homens permanecem na montanha até hoje.

“ELA TINHA CINCO ANOS... e lembro-me dela dizendo, 'Quer saber, eu nem mesmo sei como era a voz de meu pai’”, diz Shirley Fischer, a avó de Katie Rose. “Em sua secretária eletrônica, Scott deixou a sua mensagem, e é assim que ela conheceu... a sua voz.”

Katie Rose se lembra de suas mãos - extremidades que o levaram até algumas das mais impressionantes paredes rochosas, geleiras e picos na terra - mas ela nunca se juntou a elas em uma caminhada até o Monte Rainier ou as assistiu cortar um bolo de aniversário.

Ao contrário do circo da mídia de décadas em torno daquela fatídica escalada de 96, Katie Rose nunca foi muito interessada nas horas finais de seu pai, mas sua curiosidade sobre a sua vida continuava a flamejar.

Seja através de uma secretária eletrônica, amigos da família, ou os meios de comunicação, Katie Rose e seu irmão, Andy, foram montando a vida de seu pai desde a escola primária. Na sua ausência, a relação deles floresceu, com a dupla frequentemente imaginando suas características e manias - a maneira que Katie Rose abre um sorriso ou Andy move suas mãos sobre uma guitarra - no homem que continua a tocar suas vidas duas décadas após sua morte. Mesmo depois de Andy se mudar para Los Angeles para buscar uma carreira musical, os dois ainda conseguem se falar ao telefone toda semana, algo a que Katie Rose se refere como "uma interminável conversa”.

Mas é claro que eles também cresceram na sombra da tragédia, e Katie Rose aprendeu, mesmo quando menina, o peso da dor sobre a mente humana. Quando Jeannie sofria de depressão logo após a morte de Scott, ela dizia que foi um aprendizado, que Katie Rose “sempre foi carinhosa e solidária... quando [ela] estava lutando”.

Após o ensino médio, Katie Rose frequentou a Universidade de Washington e se matriculou na Escola de Enfermagem. Amigos de Scott sempre falavam de ele incentivar a  autonomia daqueles a sua volta. Através de enfermagem, Katie Rose esperava que ela pudesse fazer o mesmo para seus pacientes.

Sua curiosidade sobre seu pai também se manifestou em um trabalho na Mountain Madness, agora dirigida por um dos ex-guias de Fischer, Mark Gunlogson. A natureza extrovertida de Katie, foi um pouco, herdada de Scott, diz Gunlogson, mas seu riso fácil e a capacidade de fazer com que todos se sintam bem-vindos estavam em total acordo com os passos do pai.

Ela visitou o Nepal pela primeira vez em 2011, onde se voluntariou em um orfanato perto de Katmandu e encontrou pessoalmente, pela primeira vez, o Dawa Geljen Sherpa, um dos grandes amigos de seu pai e mais confiável Sherpa himalaio. Dawa Geljen apresentou-lhe sua organização sem fins lucrativos “Classrooms in the Clouds” (em tradução livre, Salas de Aula nas Nuvens) que constrói e reforma escolas acima e abaixo do Khumbu - uma ideia que uma vez tinha compartilhado com seu pai em uma de suas expedições de grande altitude.

O Dawa Sherpa conheceu Scott Fischer enquanto trabalhava como carregador em uma expedição ao Baruntse em 1990. Durante madrugadas e noites naquela escalada, os dois compartilharam refeições quentes e histórias de casa e prometeram manter contato após a expedição. Juntos, eles alcançaram Ama Dablam, Broad Peak, e um punhado de outras montanhas ao longo da próxima meia década. Fischer até pediu ao Dawa Sherpa para acompanhá-lo na expedição de 96 ao  Everest, mas o jovem Sherpa himalaio não podia ignorar o seu trabalho com outra empresa de guias.

“Quando soube que ele morreu, eu quase desmaiei”, diz o Dawa Sherpa calmamente, via Skype. O homem de 49 anos de idade frequentemente pensa no dia em que ele perdeu seu “melhor amigo”.

Fotos da câmera de Fischer são as únicas fotos na casa do Dawa Sherpa na vila de Lukla, o primeiro vilarejo ao longo da trilha para o acampamento base. Orgulhosamente na caixa de vidro da família, o retrato de uma expedição de 93 para Ama Dablam incluem Dawa Sherpa, sua esposa e duas filhas pequenas, junto com um largo sorriso de dois grandes amigos de dois mundos diferentes.

Dawa Sherpa ajudou a iniciar a Classrooms in the Clouds em 2007. Desde então, a organização construiu 24 salas de aula, patrocinou oito professores, e construiu o primeiro laboratório de informática da área. Quando conheceu Katie Rose em 2011 ele viu partes de Scott que ele pensava haver morrido com seu amigo décadas antes. “Ela queria fazer algo pelo legado de seu pai”, diz Dawa Sherpa. “Seu pai sempre amou as montanhas, o Nepal e o povo nepalês. Quando ele estava vivo, ele disse que gostaria de fazer coisas pelo Nepal e o seu povo. Quando Katie veio, ela disse que gostaria de fazer o mesmo”.

Quando Katie Rose e sua família foram abordados por cineastas dos EUA e da Nova Zelândia no verão de 2014 a respeito de um documentário relatando última subida de seu pai, Katie hesitou. Pessoas haviam tentado contar a história de Fischer antes. No Ar Rarefeito, livro de Krakauer amplamente aceito como o roteiro oficial para a escalada de 96, o autor questionou o julgamento de Fischer como líder da equipe – alegações contestadas publicamente pelo Sherpa de Fischer, Lopsang Jangbu Sherpa, e guia Anatoli Boukreev. O filme resultante da equipe IMAX na montanha naquele dia cortou-o completamente. Finalmente, um filme do Everest a estrear no outono de 2015, com Jake Gyllenhaal como Fischer, tentava acrescentar um elemento de Hollywood a um homem que não foi nada. Agora o documentário Return to the Death Zone (em tradução livre: Retorno a Zona da Morte), traria Katie Rose, Andy e sua mãe Jeannie até Scott´s Chorten (um memorial de pedra tradicional para aos escaladores que morreram na montanha) e ao Everest Base Camp pela primeira vez.

“Estávamos um pouco hesitantes porque essa viagem ao acampamento base iria ser realmente emocionante”, diz Katie Rose, “e agora não poderíamos vivenciar esse momento sem uma câmera.” Jeannie decidiu não participar, mas Katie Rose e seu irmão sempre haviam prometido fazer a caminhada juntos, e quando os cineastas se ofereceram para pagar a sua viagem integralmente em maio de 2015, eles não poderiam perder a oportunidade.

Os irmãos concordaram que a sua caminhada ao acampamento base deveria ser dedicada ao trabalho de Dawa Sherpa com Classrooms in the Clouds - eles haviam mantido contato com Dawa via e-mail desde que encontram ele em sua primeira viagem ao Nepal e levantaram cerca de US$ 2.000 para sua causa até o fim de abril de 2015.

Então a natureza interveio.

Quando o terremoto atingiu o Nepal em 25 de abril, Katie Rose e Andy estavam a seis dias de embarcar em sua viagem. Treze horas de fuso horário, metade da equipe do documentário estava no pico mais alto do mundo, logo acima de uma avalanche que matou 21 no Campo Base do Everest – dia mais mortal na história do Everest (o evento de 1996 tinha sido previamente ofuscado por uma queda de gelo em 2014 que levou 16 vidas). Durante a noite o terremoto paralisou o país inteiro. O documentário tornou-se rapidamente uma reflexão posterior do ocorrido.

No entanto, justamente quando parecia que a viagem havia terminado a comunidade de montanhismo herdada por Katie Rose e Andy interviu. Dias depois do terremoto, a Crowdrise (uma espécie de rede social para caridade), saltou de US$ 2.000 para quase US$ 12.000. Pessoas apareciam com envelopes de dinheiro para ser entregue a guias nepaleses, famílias e amigos. Grupos de mídias sociais agora viam Katie Rose e Andy como uma ponte entre Seattle e os aflitos.

Os dois tiveram que tomar uma decisão: aceitar esta missão ou recuar. Depois de alguns dias de análise, Andy fez a difícil escolha de permacener onde estava, sentindo que a sua corrida para ajudar os aflitos poderia, em última instância esgotar os recursos preciosos daqueles que ele tinha inicialmente previsto ajudar.

Como enfermeira, Katie Rose viu-se motivada a sua missão. Desde a graduação Na Universidade de Washington, em 2014, ela havia passado mais de um ano trabalhando na ala psiquiátrica de Harborview, tratando as muitas formas de stress traumático como consequência de uma tragédia, um conjunto de habilidades específicas que agora estava em alta demanda na zona atingida do Nepal.

Gunlogson, o atual proprietário da Mountain Madness, uniu Katie a Neena Jain, uma velha cliente de escalada e diretora de uma organização beneficente com sede no Colorado, Embolden Alliances. A médica de Pronto-Socorro, que havia feito anteriormente trabalho assistencial no Haiti, Indonésia, Paquistão e Nigéria, já estava em solo no Nepal; ela prometeu se juntar imediatamente a Katie. Dawa também estendeu a mão, deixando a família  Fischer-Price saber que ele estava bem e oferecendo-se para esperar por Katie Rose se ela ainda optasse por vir.

“Eu tive essa onda maciça de apoio que eu nem sabia que iria em frente”, diz Katie Rose. “Eu senti um chamado para ir para lá. Senti que todas essas pessoas estavam conectadas com o meu pai.” Ela comprou seu bilhete de avião de US$ 952,19 da empresa do documentário (que colocou a produção em espera indefinidamente). Em 1 de maio, 2015, carregada com lonas doadas e roupas infantis da Mountain Madness, ela embarcou em um voo para Los Angeles, depois para Dubai, e chegou ao  Aeroporto Internacional de Kathmandu Tribhuvan  - apenas oito dias após o primeiro terremoto.

Bishop, antigo parceiro de escalada de seu pai, a levou ao Sea-Tac (Aeroporto de Seattle). No meio-fio, ele assegurou-lhe que essa missão era algo que ela “estava destinada a fazer”.

Dias mais tarde, quando ela se sentou no meio da multidão amontoada ao ar livre em Kathmandu, na noite após o segundo terremoto, Katie Rose sabia que sua viagem tinha acabado. Mas à medida que o sol se levantou, um estranho ofereceu a ela e a Dr. Jain uma xícara de chá, e as meninas próximas a eles começaram a rir e brincar com seu cabelo e sorrir para as fotos. Esses pequenos atos de resiliência em face do desastre foram a confirmação silenciosa que Dr. Jain e Katie Rose precisavam para voltar naquele outono com um plano.

Katie Rose tinha apresentado Dawa Sherpa a Dr. Jain, e os três já estavam plantando as sementes para a mais nova iniciativa da organização Classrooms in the Clouds: uma rede de socorro médico liderada pela comunidade nas áreas remotas e isoladas de Khumbu. No Nepal, com um quarto da população vivendo abaixo da linha da pobreza, cuidado médico é um privilégio em escassez.

Os terremotos lançaram tais condições sobre um doloroso cenário, uma vez que vales inteiros ficaram sem  serviços médicos durante semanas. É provável que ninguém nunca saiba quantas mortes poderiam ser evitadas – por sangramento, fratura, infecção - durante esses períodos, mas instruindo moradores com o conhecimento médico básico, Katie Rose, Dawa Sherpa e a Dr. Jain viram uma oportunidade de dar a essas áreas uma chance na próxima vez que o chão começasse a tremer.

Correspondendo-se via Skype ao longo dos meses após o segundo terremoto, Katie Rose, Dr. Jain, Dawa Sherpa e seu sobrinho Samden - único empregado pago na ONG Classrooms in the Clouds – reuniram suprimentos, levantaram dinheiro e traduziram os manuais de saúde para nepalês. Juntaram dinheiro suficiente para equipar sua primeira missão ao Khumbu e financiar a passagem de volta de Katie Rose. Em setembro de 2015, armados com kits de primeiros socorros, livros registro, propagandas e US $ 60.000 em ferramentas e serviços doados pela ONG Embolden Alliances, Katie Rose e Dr. Jain desembarcaram em Katmandu para uma segunda jornada.

Mas para Katie Rose, a viagem de retorno significou mais do que apenas seu currículo de  primeiros socorros. Naquele outono, Sandy Hill, uma das clientes de Scott Fischer na escalada de 96, logo ficou sabendo dos planos de Katie Rose para o Nepal. Hill tinha sido uma das mais sinceras apoiadoras de Fischer, conectada para sempre a Jeannie Price e seus filhos pelos acontecimentos que mudaram vidas no Everest. Ela liderou a construção do memorial do falecido guia e, depois de ouvir sobre as esperanças de Katie e Andy de visitar o memorial de seu pai pela primeira vez, se ofereceu para pagar a passagem de avião de Andy.

“Ela estava muito espantada que nunca tivéssemos visto o memorial [de nosso pai]”, diz Andy. Sem a sua ajuda, ele não teria sido capaz de fazer a viagem. “Eu me encontrei com Sandy... e dois ou três dias mais tarde, eu tinha um voo para o Nepal.”

Conforme seu irmão acertava sua passagem para Lukla, Katie Rose e sua equipe médica iniciaram a caminhada até a parte inferior de Khumbu. Percorrendo seu caminho pelas trilhas íngremes de Sotang a Bung e, finalmente, para Lukla, o grupo testemunhou montanhas cravadas por cicatrizes de deslizamentos. Na cidade, muitas casas foram reconstruídas, mas as bases estruturais sugeriam a destruição que continuou a assombrar a região.

Ainda assim, os seminários foram bem sucedidos, com cerca de 30 professores (alguns de aldeias que ficavam a dois dias de caminhada) em cada aula. A equipe passou por técnicas de higiene (como lavar as mãos e armazenamento de alimentos) e protocolo básico de pronto socorro. Devido ao afastamento das cidades dos Sherpas, Katie Rose e equipe adaptaram suas técnicas para o terreno impiedoso do Vale Khumbu. Em vez de arriscar-se com uma maca sobre os caminhos íngremes em torno do vale – um esforço que poderia exigir até seis pessoas e levar a lesões adicionais, o grupo sugeriu o uso de uma tradicional cesta doko (cesta usada para colheita ou cargas no Nepal), ajustando-a para transportar uma pessoa com segurança em declive. Cada participante ficou então encarregado de repassar o que aprenderam para suas aldeias de origem, de preferência alcançando uma ampla rede acima e abaixo do vale.

Em 6 de outubro de 2015, depois de um breve descanso na casa de Dawa Sherpa, Katie Rose e Andy despediram-se dele, Samden e Dr. Jain e partiram em viagem.

Com a ajuda do cunhado de Dawa, eles seguiam cada vez mais acima no vale. Era uma caminhada que seu pai fazia rotineiramente ao longo dos anos, mas para Katie Rose e Andy cada passo vinha com um propósito, momentos para saborear ao longo do consagrado caminho. Por mais de sete dias, eles andaram de lodge em lodge, imaginando os muitos alpinistas que lá tinham pisado alí antes.

De volta para casa, Everest foi um sucesso de bilheteria. Katie Rose e Andy tinham assistido ao filme antes de sua viagem, e não tinham certeza como se sentiriam a respeito disso. A restrita comunidade de escalada tinha gostado.

“Eles retratam [Scott] como uma espécie de surfista... mas isso não é quem ele era”, diz Bishop. “Este é um dos mais fortes alpinistas de grande altitude de sua época... ele era um monstro.” Mas, como as caixas de entrada dos irmãos se encheram de e-mails decepcionados sobre a representação de seu pai, eles encontraram paz escalando além dela. Desde sua morte, a mídia estava tentando recriar sua vida. Agora eles estavam aqui, vivendo-a.

Seis dias em sua jornada, em 12 de Outubro, eles chegaram ao memorial de seu pai em meio a um vento frio no Dughla Pass. Enfeitado com velas recém-queimadas, bandeiras de oração tibetana, e khatas, os tradicionais lenços nepaleses, o memorial de seu pai fervilhava com vida.

Sem aviso, as lágrimas de Katie Rose correram. Nunca houve um túmulo para seu pai, nem lápide para adornar com flores em cada Dia dos Pais. Pela primeira vez, Katie Rose sentia como se tivesse um lugar para honrar o homem que tantas vezes lhe parecia fora de alcance.

Sentados na base do memorial, os irmãos conversaram com Scott. Eles disseram o quanto lamentavam que o houvesse perdido. Enquanto eles apaziguavam-se ali, um homem chegou ao memorial, tirando seus óculos de proteção de lentes vermelhas.

 

Katie Rose e Andy Fischer-Price ao lado do chorten de seu pai, um memorial nepalês tradicional, pela primeira vez em 12 de outubro de 2015. Foto Cortesia: Katie Rose
 

“Eu sei o que você quer dizer”, disse ele. O homem, inconsciente de quem o seu público era, começou a explicar que Scott Fischer e o falecido Rob Hall tinham inspirado ele a fazer a caminhada até o acampamento base, para mudar de vida, de hábitos e adquirir saúde.

“Isso acrescentou ainda mais a atmosfera da viagem”, diz Katie Rose. “A pegada que ele deixou e a agitação que ele criou por ser quem ele era. Esta honra de ser a filha dele continua a ser cultivada por ele dessa forma.”

Katie Rose e Andy nunca chegaram ao acampamento base, optando por subir Kala Patthar, uma montanha da cordilheira do Himalaia com vista panorâmica do Everest. Escalando um campo final íngreme, os dois tiveram a primeira vista do lugar de descanso final de seu pai, 8.200 metros acima no céu.

Aquecendo-se na catedral alpina de Scott Fischer, Katie Rose percebeu que ela e seu irmão poderiam não seguir seus passos nos topos dos picos mais altos. Mas eles tinham seguido os passos para Nepal e, através da grande rede de pessoas, histórias e experiências que continuam a fazer o homem uma lenda 20 anos após sua morte, eles encontraram o seu próprio caminho.

Antes de voltar, Katie Rose avistou cinco pontos (cinco alpinistas) escalando o Pumori (7.161 metros), próximo ao Everest.

"Você realmente não percebe o quão grande estas montanhas são até que você esteja entre elas."

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