Extremos
 
COLUNISTA EDEMILSON PADILHA
 
No Fio da Navalha
 
da Redação: Edemilson Padilha
8 de maio de 2015 - 15:10
 
Cume!!!! Chegamos destruídos e completamente sujos no cume, devido à terra que havia nas fendas na parte final. Foto: Edemilson Padilha
 
  Cacá Strina  

Eram 4h30min da madruga, nós tínhamos conquistado 350 metros de via no dia anterior, e o Val acordou com um insight – mudar a estratégia. Na verdade, acho que ele não conseguiu dormir pensando nos reboques e decidiu encontrar uma alternativa mais “alpina”. E assim, seguindo sua inspiração divina, mudamos a estratégia e deu no que deu...

A incredulidade estava estampada no olhar de nosso novo parceiro de grandes paredes, o Élcio Muliki, enquanto organizávamos os equipamentos. Porque eu e o Valdesir Machado estamos acostumados a organizar uma quantidade enorme de equipos, entre friends, stoppers, cliffs, chumbaheads, cordas, costuras... Mas o que parece exagero torna-se o necessário no final da escalada, quando já não sobram costuras e faltam friends.

A estratégia a ser usada nesta escalada foi uma incógnita desde o princípio, pois tínhamos parcas informações a respeito do tamanho da parede, da inclinação, da quantidade de fissuras, da existência de platôs e de quanto o sol iria nos fustigar. De maneira que levamos o que tínhamos para podermos decidir lá no pé da pedra o que carregar para cima. Na viagem, ao som de muito rock’n roll, íamos teorizando qual estratégia seria melhor, se subir com os porta ledges, ou fixar cordas, ou se subiríamos jumareando com as mochilas nas costas ou rebocando um tambor que levávamos. Toda essa discussão é importante para podermos estar bem inteirados de todas as possibilidades e chegarmos à alternativa perfeita para obter sucesso na escalada. Se formos analisar há tantas variáveis que a chance de algo dar errado é muito grande.

     
Ed guiando o terceiro esticão. Foto: Valdesir Machado  
Val pronto para escalar a fissura perfeita do largo #9. Foto: Edemilson Padilha
     

Depois de 19 horas de viagem paramos sob a tápia. Eram 14h30min da tarde e o sol já não iluminava a face tão desejada. Estava um pouco tétrico, e a verticalidade e o tamanho da parede nos assustava. O pensamento que nos assaltou foi o de que daria muito trabalho. Com o auxílio do Felipe, morador local, demos uma volta por lá para escolher o nosso caminho pra cima. Depois de muitos espinhos na sola do pé, escolhemos iniciar por uma faixa branca que parecia um pouco mais recortada de agarras e fissuras. O plano inicial era no primeiro dia de escalada fixar o que tivéssemos de cordas para depois decidir a estratégia.

E eis que o grande momento chegou, e às 4h30min do sábado estávamos acordando no refúgio da família Spilare. Quando amanheceu estava equipado para iniciar a escalada. Ainda com aquele estranhamento dos primeiros metros e a confusão de cordas, furadeira, equipamentos móveis e tudo o mais. Pelo perrengue já nos primeiros metros, percebi que a rapadura não ia ser doce nem mole. Tentei aproveitar cada fissurinha que encontrei pelo caminho e consegui abrir 3 esticões batendo apenas duas chapeletas, fora as de parada. Veio o Val e conquistou mais duas bem trabalhosas; eu e o Élcio tínhamos de cuidar dele e lembrá-lo de bater chapa antes de chegar em algum local em que não pudesse puxar a furadeira. Acho que é a idade. Depois o Élcio pegou a “punta caliente” da corda e já entrou numa aderência dura para colocar em prova suas habilidades graníticas. Ao final do dia tínhamos 350 metros de via e uma visão não muito animadora de nosso futuro. O dedo era extremamente vertical e parecia não ter tantas fissuras quanto imaginávamos. Além disso, o platô para dormirmos era vertical também, sem nenhuma parte plana. Descemos felizes e angustiados até o refúgio.

     
     

Sempre levo o violão para fazer um som, mas nestas expedições a gente fica tão concentrado na escalada que não dá ânimo de tocar, e nessa noite não foi diferente. Nossa estratégia, amplamente discutida durante o jantar, era a insossa ideia de rebocarmos porta ledges e um tambor cheio de água, mas parecia não haver outra solução. Nos muitos anos trabalhando com administração de empresa percebi que sempre há uma solução mais simples e mais perfeita para um problema, e que muitas vezes aceitamos uma solução mais ou menos por não termos encontrado esta perfeita. Eu já estava até conformado com as muitas horas de reboque, mas durante a noite, em seu sono angustiado, o Val teve uma iluminação divina e acordou eufórico. Suas palavras: “parem com essa ideia de carregar muito peso, nós já dormimos em lugares piores que aquele platô e já carregamos muito peso nas costas jumareando em rampas, vamos usar uma estratégia mais leve”. Isso, era isso que precisávamos, mudar a maneira de encarar o desafio. Não precisou falar mais nada, tomamos café e partimos. Algumas horas depois estávamos de mala e cuia no final das cordas fixas; com mais um esticão de corda chegamos a um platô um pouco melhor. Dali pra cima seguia uma fissura perfeita e dura que o Val guiou com maestria. Eu fiquei tentando fazer uma terraplanagem na nossa nova casa, mas não obtive muito sucesso; meus parceiros desceram já estava escuro e reportaram que para cima a coisa complicava.

Terceiro dia de parede, horário de sempre, 4h30min, sobem eu e Élcio, meu parceiro continua o 10º esticão, leva uma queda, corta o dedo e o queixo e desce. Subo eu, tento em livre, sem sucesso, começo os furos de cliff, um estoura e me esborracho contra a parede e também corto a mão. Mas não tinha o que fazer, engoli o choro (rs) e terminei o serviço. Progresso lento e no final do dia chegamos na base de uma bela fenda, todavia ainda distante do cume. No bivaque o menu foi comida liofilizada (feijão), água racionada e uma noite de agonia, porque se o próximo dia rendesse mal talvez não atingíssemos o topo, pois já estávamos com a água no limite.

     
Chaminé final era uma laca de 60 metros de altura encostada na montanha, formando uma chaminé. Foto: Edemilson Padilha  
Valdesir Machado enfrentando a fissura para cima do platô de bivaque.
Foto: Edemilson Padilha
     

Às 4h da madruga o galo cantou. Café de saquinho, umas bolachas pra dentro e coloquei os jumares nas cordas fixas. Uma jumareada no vazio, mais duas outras bem verticais e aportei na base de imensa fenda. Desde o princípio vi que faltariam peças grandes e fui usando e voltando buscar; por 55 metros lutando, em muitos trechos tendo que limpar a fenda cheia de terra até por fim bater uma parada pendurada para machucar um pouco mais as nossas pernas que já estavam cortadas de tanta verticalidade. Élcio novamente na ponta, fenda larga, offwidth e chaminé, nas suas palavras “interminável”. A chaminé, na verdade, era uma laca encostada na parede, vazada dos dois lados com extensão de 60 metros aproximadamente. Em alguns pontos tinha apenas alguns centímetros de espessura, o que dava um pouco de medo. Outra parada pendurada e o Val pega a corda para nos levar até o topo, numa batalha para encontrar fissuras na parte final, muitas delas cheias de terra devido à vegetação do topo.

"Lá pelas 3h da tarde pisamos o topo do dedo da Pedra do Fio. Fotos, últimos goles de água e iniciamos os rapéis. Parecia que uma tormenta nos atingiria, ficou tudo escuro, mas só não choveu em nós, porque víamos chuvas por todos os lados. Foi um suplício descer tudo aquilo sem água, mas às 23h adentramos o refúgio. No final, o sucesso da empreitada foi devido à estratégia adotada. Se não fosse a insônia no Val talvez tivéssemos nos atrasado e perdido a janela de bom tempo. Estratégia correta, escalada perfeita! Batizamos a via de No Fio da Navalha, pois é por onde andamos naqueles últimos 4 dias de vida intensa!"_ Edemilson Padilha
www.conquistamontanhismo.com.br

Agradecimentos ao Roberto Teles e ao Naoki Arima do ES pelas informações, e ao Willian Lacerda e Alessandro Xerife Haiduque pelo empréstimo de equipos.

O Croqui

 

Croqui: No Fio da Navalha - Clique na imagem para ampliar.
 
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