Extremos
 
COLUNISTA DANIELA SILVESTRE
 
O Primeiro Impossível: A travessia da Antártica costa-a-costa solo, sem ajuda e sem assistência
 
texto: Daniela Silvestre
27 de dezembro de 2018 - 01:00
 


O Primeiro Impossível

 
  Daniela Silvestre  

Colin O´Brady acaba de se tornar o primeiro homem a atravessar a Antártica sozinho, sem assistência e sem ajuda. O americano, de 33 anos percorreu 1499 km de extensão do continente, de costa a costa em 54 dias e ainda terminou os últimos 129 km na arrancada final, sem dormir, em 32h30 min, o que o levou a encerrar a sua epopéia com uma ultra-maratona.

“The Impossible First”, ou o primeiro impossível. Foi assim que O´Brady chamou a sua expedição à Antártica. Seu feito, atravessar o continente antártico apenas com a sua própria força motora, puxando um trenó sob skis, sem ajuda de um kite para propulcioná-lo com vento, sem assistência de ressuprimento externo, e absolutamente sozinho é um feito inédito. Ou pelo menos era, até as 17:00 (horário de Brasília) de hoje, 26 de dezembro de 2018. Nos próximos dias, seu oponente, o britânico Louis Rudd, deverá alcançá-lo, assim que terminar os 135 km que o separa do seu destino final e assim terminará também a sua jornada no continente branco. Alguns especialistas no assunto, já consideram esse o grande desafio que faltava na história da exploração mundial.

 


Mapa

 

A primeira travessia da Antártica

O fato é que depois de grandes disputas no Pólo Norte em 1908/09 e no Pólo Sul em 1911/12, o que faltava para a história de exploração polar era a travessia da Antártica de costa a costa. Esse era o objetivo de Shackleton, o irlândes que depois de duas viagens à Antártica, tentava firmar de vez o seu nome entre os grandes exploradores polares de seu tempo. A expedição Trans-Antártica de Shackleton a bordo do Endurance (1914/16) sequer chegou a pisar em solo antártico e o sonho da primeira travessia a pé do continente naufragou em um mar congelado. Mas o sonho de Shackleton foi realizado 40 anos depois. Em 1956/58, A expedição Trans-Antártica da Commonwealth, foi a primeira a atravessar a Antártica. A expedição, liderada por Vivian Fuchs e assistida por Edmund Hillary, o mesmo Hillary, que havia se tornado o primeiro homem a chegar ao topo do Everest 3 anos antes, em 1953, usou tratores motorizados, foi um marco relevante na história polar, mas de alguma maneira ,ao longo dos anos, o uso de energia mecânica acabou descaracterizando a travessia como um grande feito puramente humano.

 


O trator

 

Lendas vivas

Humanos de todos os tipos e nacionalidades têm cada vez mais se aventurado no ambiente polar. Nas últimas décadas têm se visto cada vez mais pessoas realizando conquistas em solo Ártico e Antártico. O escocês Ranulph Fiennes, considerado o maior explorador ainda vivo, chegou a atravessar a circunferência norte-sul da terra passando pelos dois pólos na inacreditável Transglobe - Expedition no final da década de 70 e início dos anos 80. Em 1992/93, Sir Ranulph, voltou a Antártica na companhia do médico Mike Stroud e ambos foram os primeiros a atravessar o continente sem assistência, usando skis em uma jornada de 2.173km em 95 dias. Nessa mesma temporada, 4 mulheres (Ann Bancroft, Sunniva Sorby, Anne Dal Vera e Sue Giller), formaram o primeiro time feminino a esquiar até o Pólo Sul na AWE – American Women´s Antarctic Expedition, levando 67 dias. Até o maior montanhista vivo, o tirolês Reinhold Messner, deixou seu nome na história das travessias antárticas. Messner e o alemão Arved Fuchs, cruzaram a antártica a pé em 1990, do Glaciar Ronne- Filchner até Scott base percorrendo 2800km em 92 dias, em um tempo onde a navegação tinha que ser feita por sextantes, uma vez que os GPS da época não funcionavam na Antártica. Messner relata a sua experiência no livro: “Antártica – Both Heaven and Hell” e hoje o ponto de onde ele partiu é conhecido como Messner Start e é usado por muitos aventureiros que querem percorrer algum trajeto dentro do continente, seja de uma costa a outra, ou somente até o Pólo Sul.

Sozinho, sem assistência e sem ajuda

O norueguês Borge Ousland, revindica para si a primeira travessia Solo, ou seja, sozinho, e sem assistência ou unassisted ( sem o ressuprimento de carga por aviões), esquiando na Antártica na temporada de 1996/97, mas ele usou o Kite para impulsionar a travessia com a ajuda no vento e acabou não ganhando o “selo de qualidade” sem ajuda ou unsupported. Depois dele, vários outros exploradores esquiaram da costa ao Pólo Sul sozinhos e sem assistência. Hannah McKeand em 2006 bateu o recorde de 39 dias até o Pólo, mas seu recorde foi superado 2 anos depois por Todd Carmichael por apenas 2 horas de diferença. Mas tanto Hannah quanto Todd, fizeram apenas metade do caminho e isso não conta quando o assunto é atravessar a vastidão inteira do continente, e então em 2012, a britânica Felicity Aston se torna a primeira pessoa e a primeira mulher a esquiar sozinha através do continente antártico usando a penas a sua própria força. O que não fez o feito de Felicity ser o ápice das travessias na ocasião, foi o fato de ela ter sido abastecida durante a travessia com 2 ressuprimentos, o que descaracterizou a sua auto-suficiência, perdendo “o selo de qualidade” sem assistência.

Tragédia

Os anos 2000 viram além de recordes individuais, times e grupos compostos pelas mais variadas pessoas e pelos mais variados motivos. O centenário das conquistas dos grandes exploradores do século XX, como Amundsen, Scott e Shackleton, rendeu uma série de homenagens em forma de travessias. Ben Saunders e Tarka L´Herpiniere fizeram em 2013/14 a maior travessia polar a pé (em extensão) jamais realizada, repetindo a fatídica viagem de Scott até o Pólo Sul e completando a volta. Mas nem tudo termina sempre bem. Em 2015, Henry Worsley, lançou o seu desafio pessoal como “Shackleton´s Solo”. Worsley queria homenagear Shackleton no centenário da famosa expedição do Endurance e atravessar a antártica sozinho, sem assistência e sem ajuda. Depois de 71 dias de caminhada, e a apenas 30 km de concluir seu sonho, Worsley colapsou e acionou o resgate. Ele foi transferido para Punta Arenas, no Chile, onde morreu vítima de uma infecção abdominal generalizada.

 


Felicity

 

Superação e recordes

O que faz o feito de Colin O´Brady ser mais que um mero sucesso e sensação de dever cumprido, é a trajetória recente do protagonista. Ele sofreu queimaduras nas pernas e pés com uma corda incendiada que atingiu 25 % do seu corpo e chegou a ser desenganado por médicos que disseram que ele jamais voltaria a andar. Depois de se recuperar, ele se tornou um recordista mundial em velocidade por 2 vezes. Em 2016, ele completou o Seven Summits, que é escalar as sete maiores montanhas de cada continente, em 139 dias e completou o Explore´s Grand Slam, que inclui os Seven Summits e as travessias do último grau de latitude até os Pólos Norte e Sul Geográficos, em 139 dias. Apenas 63 pessoas no mundo completaram o Explorer Grand Slam até hoje.

 


Colin O´Brady

 

Uma corrida para um novo século

Colin O´Brady, não esteve sozinho de fato na sua epopéia. Nessa mesma temporada, um outro nome seguia sua jornada pessoal para tentar ser o primeiro a atravessar a antártica com o mesmo selo: sozinho, sem ajuda e sem assistência. O britânico Louis Rudd, 16 anos mais velho que seu “oponente” americano, estava a 135 km de completar sua travessia quando O´Brady anunciou a sua chegada. Ambos, compartilharam em posts na internet, seu dia-a-dia e localização. Rudd, esteve pela última vez na Antártica no ano passado, quando liderou um time de 6 homens do exército britânico, o SPEAR17, que completou a travessia do continente, levantando fundos para os militares que estão na reserva e em honra à memória do seu parceiro de aventuras, Henry Worsley.

Se as jornadas de O´Brady e Rudd foram uma nova corrida para um novo século, aos moldes da famigerada corrida ao Pólo Sul entre Noruega e Inglaterra, entre Amundsen e Scott, de 107 anos atrás, só o tempo dirá. No novo século, o que se espera para a Antártica vai além de fama, disputas, corridas e apostas. O que se espera é que os povos de uma sociedade global, se unam para combater um inimigo comum, que aprendam que o aquecimento global é uma realidade, que suas nações abram mão de reivindicar territórios na antártica e lutem para preservar aquele que é considerado o coração do planeta para que assim nós possamos continuar a falar sobre esses homens primeiros e suas conquistas impossíveis.

Bibliografia

• Shackleton´s dream – The crossing of Antarctica – Vivian Fuchs
• Race to the End – The American Museum of Nature History
• Endurance – Caroline Alexander
• Cold – Ranulph Fiennes
• Antarctica : Both Heaven and Hell – Reinhold Messner
• Alone in Antarctica – Felicity Aston
• List of Antarctic Expeditions – Wikipédia
• www.colinobrady.com
• www.lourudd.com

Daniela Silvestre

 
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