Extremos
 
COLUNISTA CHARLES ZIMMERMANN
 
Já comeu arroz hoje?
 
da Redação: Charles Zimmermann
27 de julho de 2015 - 11:40
 
Visual típico no interior da China dos terraços alagados da plantação de arroz. Foto: Charles Zimmermann
 
  Charles Zimmermann  

Um cidadão vietnamita encontra um amigo que passeia com o filho pequeno e, interessado em saber se está tudo bem com o garoto, faz uma pergunta: “Quantos tigelas de arroz ele comeu hoje? Já em Bali, na Indonésia, as pessoas perdem quase toda a manhã em cerimônias oferecendo grãos de arroz aos espíritos, deixando-os na frente das portas de suas casas. Em muitas línguas asiáticas, algumas palavras, aliás, estão relacionados ao arroz. No Laos e na Tailândia, por exemplo, para “refeição” se diz “comer arroz”. Muito além de ser o alimento de base de 4,5 bilhões de pessoas no mundo, na Ásia o arroz ganha dimensão extraordinária.

Originário do sul da China, onde é cultivado há pelo menos 7000 anos, da Ásia chegou a Europa pelas mãos dos árabes, dali chegou ao Brasil, trazido pelos portugueses. O arroz adquiriu uma presença tão marcante entre os asiáticos que ainda hoje influência seu cotidiano. Nos arrozais que se sucedem na paisagem de Bali, é comum que a comunidade se reúna no final do dia para celebrar a colheita e os espíritos, que garantem a prosperidade nas plantações. Evitam barulho, quando nos campos. Segundo eles, os espíritos se assustam com facilidade e, assim, podem fugir, provocando a infertilidade da terra. Seus arrozais estão associados às diversas fases da vida - do nascimento à morte. É comum que uma mãe, seja ela camponesa ou moradora de centro urbano, dê ao recém-nascido grãos de arroz já mastigados, num ritual que indica sua chegada à vida. Muitos desses ritos atravessaram os séculos e os continentes, como o hábito de jogar arroz em recém-casados. Tanto em Bali, quanto em Sumatra, seus camponeses fazem questão de serem enterrados nos arrozais. Em Sumatra, seus túmulos são a miniatura de suas casas, em meio ás plantações. Durante o enterro existe farta distribuição de arroz, com muitas festas, cantos e danças. Até essa cerimônia fúnebre ser realizada, a família do falecido não o considera “morto socialmente” e continua depositando dia após dia a tigela de arroz diante do local onde ele vivia. Nos dialetos da ilha “casa” e “túmulo” são quase a mesma palavra. A diferença é que para “túmulo” se diz “casa sem fumaça”, ou seja, onde não há mais arroz no fogo. Não “morto socialmente” consiste em deixar o corpo a céu aberto, até secar - alcançando 60 dias. Presenciei corpos nesse estágio, mas algo me intrigava: não havia odor algum. As folhas das árvores que circundam os arrozais “sugam” todo o odor da putrefação, também não permitindo a aproximação dos abutres. Já na Índia, onde o arroz é cultivado há pelo menos 3000 anos, sobrevive o costume de oferecer arroz aos abutres para que eles deixem o espírito do morto em paz.

Em tempo: apenas nos últimos 10 minutos, enquanto você lia este artigo, cerca de oito milhões de quilos de arroz foram consumidas em todo o mundo.

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Charles Zimmermann

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