Extremos
 
COLUNISTA BETO PANDIANI
 
A gotinha azul
 
da redação, Texto: Beto Pandiani
31 de outubro de 2013 - 16:34
 
Beto Pandiani durante a Travessia do Pacífico. Foto: Igor Bely
 
  Beto Pandiani  

Tenho um diário de bordo da última viagem pelo Oceano Pacífico em 2008, onde escrevo sobre uma noite calma e sem Lua.

Havia um céu muito limpo, com mar liso e pouco vento. Navegava naquela noite ouvindo música, e pude ver refletido no mar um imenso céu estrelado. Vi-me cercado de estrelas por todos os lados. Fique emocionado. Parecia que meu barco era uma nave espacial flutuando pela imensidão do espaço sideral.



Percebi que mesmo estando no meio de um vasto oceano, nosso planeta é uma pequena gota azul, que viaja com um profundo propósito, ainda não compreendido pela maioria dos seres humanos. 

Sempre que as minhas lembranças me levam de volta ao Pacífico, como hoje à noite, eu me sinto tocado. Nunca mais me esqueci de que estou a bordo da gotinha azul. Percebo o quanto a vida é complexa e maravilhosa. Vocês já se deram conta do que foi construído para termos a oportunidade de estarmos vivos? Quantos milhões de anos esta engenharia cósmica precisou para criar este lugar? Desde a luz do Sol que nutre toda vida aqui na Terra, a relação da natureza com os animais, o que sustenta plantas e florestas e os mares que nos alimentam com uma quantidade e enorme variedade de seres. Sem falar do vento que carrega para longe o pólen das flores. Como amo o vento.

Existe uma natureza em doação para permitir que respiremos, e a nossa respiração não passa de um vento interior, que nos inunda de energia. Se somente prestássemos atenção na nossa respiração, já aprenderíamos muito.

Em uma vida, um ser humano vai comer muitos bichos, vegetais, ingerir água e respirar talvez milhões de vezes. Já se perguntou qual o propósito de tudo isso? Se conseguir deixar os dogmas de lado, melhor, pois eles foram criados outro dia. Diante do tempo, eles não existem.

Por tudo que tenho visto, estou me sentido triste por não encontrar pessoas agradecidas com esta oportunidade. Diante de tanta grandeza, o ser humano tem se mostrado tão pequeno, preso nas suas mazelas, sempre insatisfeito e em uma busca frenética pelo prazer. Vejo muita gente se drogando com antidepressivos, com bebidas e cigarros, não percebendo que estão destruindo seus corpos. Corpo este, que foi construído a semelhança das estrelas, aquelas mesmas que vi no Pacífico.

Outro dia li que metade de tudo que se vende nas nossas farmácias, são remédios para dormir. Porque não dormir? Onde esta escondida a angústia? Será que a angústia não é uma carta que a alma nos escreve quando nos esquecemos de olhar para o céu? Não seria também, quando não olhamos para dentro de nós? Não seria a angustia um aviso de que estamos procurando no lugar errado? Então me pergunto; qual a função do antidepressivo?

A violência tornou-se a nossa diversão, seja nos filmes onde nossas crianças aprendem que matar outro ser humano é algo natural, ou nas lutas, que as emissoras chamam de esporte, onde a meta é abater a outra pessoa. Não sei se é a maioria ou a minoria, mas isso eu não consigo entender. Antidepressivos combinado com a mídia da um belo coquetel, que embala o sono dos “poderosos”.

Quando eu era criança eu achava que eu era medroso por não gostar de brigas, mas hoje eu entendo o meu comportamento. A Roma antiga é aqui. O Coliseu mora dentro dos lares.

Ah Pacífico, um lugar aonde o nome vem da paz, como te queria aqui, nos nossos corações. Mas onde esta a paz? Onde anda a poesia? Raro encontrar alguém que esteja em paz. Deveria estar no coração, mas poucos conseguem escutar o convite que a vida tem feito a todos.

Não perceber a grandeza da vida é o maior pecado de todos, e pedir algo para si, é sinal de ingratidão na minha maneira de ver.

Enquanto isso a gotinha azul segue girando pela imensidão do espaço, nos mostrando todas as faces do céu, na esperança que avistemos algo que nos faça despertar deste sono.

Não vamos acusar o mundo de ser um lugar obscuro, para assim justificarmos as nossas limitações. A gotinha azul é a nossa casa..., mas só poderá ser reconhecida como tal, àqueles que têm um coração limpo.

“Velejar é jogar xadrez com o vento.
Nesta estratégia temos que dosar a audácia com a cautela,
a ânsia de partir com a sabedoria de esperar”
Beto Pandiani
www.betopandiani.com.br

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