Extremos
 
COLUNISTA ANDRÉ DIB
 
Huayna Potosi, a Rota Francesa e o sonho do "seis mil"
 
texto e fotos: André Dib
22 de julho de 2012 - 22:56
 
Huayna Potosí (Parede da Rota francesa iluminada pelo sol). Foto: André Dib
 
  André Dib  

A Cordilheira Real, na Bolívia é a própria síntese da beleza andina, com centenas de picos nevados, lagoas multicoloridas, trilhas e paredes de rocha e gelo, que se oferece como um dos melhores destinos sul americanos para a prática de montanhismo. Margeando a capital La Paz, essa muralha gelada revela-se surpreendente pela grandiosidade, estendendo-se a Noroeste, a partir da capital e que ostenta nada menos que seis picos com mais de seis mil metros de altura. Além dos nevados Illimani, ao sul e Illampú, ao norte, que determinam a paisagem, se destaca um velho conhecido dos montanhistas brasileiros: O Huayna Potosí, com 6088 metros. A apenas 30 km da capital, não se tem conhecimento de outro “seis mil” mais acessível em toda a Cordilheira dos Andes. Talvez seja por isso que a montanha defende o “status” de pico, acima dos seis mil metros, mais escalado no mundo.

A proximidade da cidade, os baixos custos operacionais e o refúgio no campo alto, são alguns atributos que vem atraindo milhares de montanhistas e aspirantes, de todo o mundo, a se aventurarem pelos caminhos gelados do Huayna Potosí, que oferece todas as características de uma grande montanha nevada, perfeita para a iniciação em escalada em gelo: Neve, gelo, arestas, palas, gretas e paredões intermináveis. Diante dessa aptidão natural, dezenas de agências bolivianas oferecem, comercialmente, essa escalada como um produto turístico comum, o que pode ser um erro. Equivocadamente, difundem esse roteiro como se fosse um passeio qualquer, e na realidade se trata de uma atividade em Alta Montanha, onde a altitude se impõe. A falta de experiência em atividades outdoor, e, sobretudo, uma má aclimatação (ver box), pode ser determinante para o sucesso ou revés em uma empreitada dessa magnitude. É certo que a montanha não apresenta grandes dificuldades técnicas, na ascensão pela rota normal, entretanto é preciso ter respeito. A grande maioria dos escaladores não atinge o objetivo final, que é o cume, por alguns fatores determinantes. O mais comum é o menosprezo pelos princípios básicos da atividade em alta montanha, entre eles uma aclimatação adequada.

Como adepto do montanhismo, já estive três vezes no alto do Huayna Potosí. Em 2006, quando ultrapassei a marca dos seis mil metros pela primeira vez. Em 2011, quando estive com a minha esposa, Cassandra Cury, no cume do gigante, aclimatando para escalar o Illimani, alguns dias depois. E agora, novamente nessa temporada, com meu companheiro de montanha Geraldo Ozório Filho, e os guias bolivianos Eliseu e Teo, da Alberth Tour, aclimatando para outras ascensões mais exigentes, aos nevados Parinacota e Sajama. Dessa vez optamos pela Rota Francesa, nem tão conhecida no cenário turístico. Trata-se de uma rota alternativa que leva ao cume sul da montanha, e que tem como grande desafio, uma parede de gelo e rocha, com cerca de 300 metros verticais, na etapa final, com uma inclinação que varia entre 55 e 75 graus.

     
     

A Rota Francesa

Depois de caminhar algumas horas pela rota normal, formada por uma trilha batida de neve compactada pela passagem de milhares de montanhistas, durante a temporada, desviamos em direção à Rota Francesa. A partir dali, caminhávamos por neve fofa, que nos fazia afundar a todo o momento, fazendo desse trajeto um verdadeiro martírio. Chegamos à base da parede e esperamos amanhecer, para minimizar o risco de congelamento, já que estaríamos com as pontas dos pés e as mãos fincadas, literalmente, no gelo por algumas horas. Ao iniciar a subida pelo paredão gelado eu vivia, mais uma vez, no Huayna Potosí, um dos momentos mais memoráveis da minha vida, como a minha primeira ascensão à mesma montanha, em 2006. Diante daquele imenso obstáculo natural, subíamos os quatro, como pequenos pontinhos rastejantes naquela imensidão gelada, até atingir a cornija do cume sul. Para que? Para trazer na lembrança alguns poucos minutos que param no tempo, e se eternizam na memória, como um presente.

Aclimatação e os efeitos da altitude

(Por: Luiz Alberto Valle Guimarães – 35 anos – médico e montanhista)

À medida que subimos, o ar vai ficando mais rarefeito e a pressão parcial do oxigênio diminui. A partir dos 2500m de altitude, o corpo é estimulado a desenvolver mecanismos de adaptação a fim de compensar a escassez do oxigênio. Esse processo de adaptação é conhecido como aclimatação.
A aclimatação é um processo lento e gradual, que costuma levar alguns dias; começa com o aumento da freqüência cardíaca e respiratória e aumento do fluxo sanguíneo para os pulmões e cérebro, até que o corpo consiga produzir hemácias suficientes e se adaptar ao ar rarefeito. Algumas pessoas são geneticamente predispostas a aclimatar-se com mais facilidade do que outras; acredita-se também que indivíduos previamente expostos a grandes altitudes consigam aclimatar-se com mais rapidez, como se o organismo desenvolvesse uma “memória de resposta” perante a diminuição do oxigênio.
O Mal Agudo da Montanha é o nome dado aos sinais e sintomas provocados pela dificuldade de adaptação ao ambiente de baixa pressão de oxigênio. Os sintomas mais comuns são: dor de cabeça, falta de ar, insônia, perda de apetite, cansaço, náuseas, tosse e vertigem; nos casos mais graves, pode haver edema pulmonar e cerebral, perda da consciência e morte.

Dicas para uma boa aclimatação:
• Aumente a ingestão de líquidos;
• Evite automedicação;
• Faça refeições regulares;
• Evite bebidas alcoólicas;
• Programe ascensões graduais durante o dia e durma em altitudes mais baixas;
• Intercale períodos de descanso entre os dias de subida.

Atenção: Se os sintomas do Mal Agudo da Montanha aparecerem, desça e descanse. O Mal Agudo de Montanha pode afetar qualquer montanhista, independente de seu estado físico, treinamento ou experiência, e se não for tratado a tempo pode provocar a morte.

Boa escalada,
André Dib

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