Extremos
 
COLUNISTA AGNALDO GOMES
 
O caminho até um 8000
 
da redação, Agnaldo Gomes
2 de junho de 2013 - 11:31
 

Cho Oyu (8.188m), a 6ª maior montanha da Terra. Foto: Jeffrey Zhang
 
  Karina Oliani

Daqui a 3 meses estou indo tentar escalar o Cho Oyu, uma montanha de 8201 metros na fronteira do Nepal e Tibete e estava pensando em como cheguei até aqui...

Quando comecei no montanhismo as montanhas de 8000 metros eram um sonho, mas um sonho tão distante que estava mais para uma fantasia, escutava de boca aberta as histórias do Sergio Beck sobre sua subida ao Cho Oyu, do Thomaz Brandolin no Everest e no Makalu e eu ali com 17 anos de idade pensando se algum dia eu teria ao menos a possibilidade de ir até o Nepal.

Desde então 25 anos se passaram e tive a oportunidade de escalar muitas montanhas nevadas e em 2010 fui ao Nepal, fiquei 35 dias caminhando no vale do Khumbu e lá subi o Island Peak de 6189 metros. Quando você está no Nepal, no meio daqueles gigantes, não sei, mas acontece alguma coisa, além de ficar besta com a paisagem eu comecei a ficar meio besta das ideias. Conversando um bocado aqui outro ali, encontrando alguém que já escalou um 8000 se informando um pouco mais e a fantasia de estar num daqueles gigantes foi virando sonho...

Voltei ao Brasil com a ideia de que poderia ser possível, que o sonho poderia se realizar, mas devido a estas ironias da vida estava há 5 anos afastados das escaladas em alta montanha me dedicando a longas travessias em caiaque (ao nível do mar!) e decidi que teria que fazer algumas escaladas para recuperar a técnica e principalmente se a mente ainda estava preparada para tais desafios, pelo menos no Island Peak o saldo já havia sido positivo.

Em 2011 decidi ir ao Equador subir o Cotopaxi e o Chimborazo, ver como ia me sair nestas montanhas e tentar tomar minha decisão, sabia que se preparar para um 8000 era um longo caminho que na verdade havia começado lá no Aconcágua com 17 anos de idade. Mas esta temporada no Equador acabou me deixando com mais dúvidas se devia me aposentar ou seguir em frente. Subi o Iliniza por sua via normal, uma montanha fácil de 5200 metros usada para aclimatação, mas as condições do clima estavam duras, muito vento, nevasca e rocha com gelo podre, mas foi um desafio legal. No Cotopaxi subi sobrando e muito, tanto técnica como fisicamente, pegamos uma boa noite de escalada. Mas no Chimbo...vixi maria. Já sabíamos que as condições da montanha não estavam muito boas, com pouco gelo até a entrada no glaciar principal mas vamos lá, tentei por algumas horas madrugada a dentro, mas o crampon não firmava naquela mistura de rocha e gelo fino, fiquei muito inseguro e desisti da subida.

Em 2012 foi a vez do Sajama na Bolivia e do Elbrus na Rússia. Me preparei muito fisicamente para o Sajama, sabia que seria uma escalada exigente, com 6542 metros é o ponto culminante da Bolivia e por ser uma montanha isolada, as condições de frio e vento costumam ser severas. E além disto sabia que o Sajama seria minha última prova pessoal se estaria em condições de tentar o Cho Oyu. No quinto dia de Bolivia já estava no cume do Huayna Potosi a 6088 metros para aclimatar, havia estado no topo desta montanha com 20 anos de idade a agora retornava com 41 e posso afirmar que passado 20 anos a escalada é bem diferente, muito melhor! Hoje me sinto até melhor fisicamente e no meu caso o principal, a ansiedade de escalar, de chegar ao topo, está bem mais controlada, com 18 anos eu não me sentia no direito de ficar cansado e a 6000 metros isto é quase impossível, passado os anos e as montanhas sei administrar melhor isto, claro que tenho um longo caminho, continuo ansioso no meu dia a dia, mas tenho a impressão que o Cho Oyu vai ser uma boa escola e me colocar nos eixos.

     
     

A subida do Sajama foi rápida. Saímos da vila Sajama direto para o campo alto e depois de algumas horas de descanso para o cume, subimos em 4 horas do último acampamento até o topo, numa noite com muito vento e a temperatura nos seus 30 graus negativos (o que me custou um leve congelamento no nariz, depois de ficar perdido e tirar a balaclava para discutir o caminho de volta, mas isto é outra história).

E por último havia o Elbrus , ponto mais alto na Europa com 5642 metros e considerada uma montanha fácil de ser escalada. A minha intenção no Elbrus não era mais tomar minha decisão, eu já estava decidido, depois do Sajama sabia que ainda tinha gás para tentar realizar o sonho do 8000 metros.

Mas eu tinha outras intenções por lá. Fechei uma viagem guiada em um grupo com o Manoel Morgado, pô o cara já havia escalado dois 8000 entre eles o Cho Oyu e achei uma ótima oportunidade de unir uma agradável escalada e ainda tentar aprender e pegar algumas dicas com alguém que já havia estado por lá. Minhas principais dúvidas ainda eram sobre equipamentos, existem equipos que você praticamente só vai usar em um 8000, como as botas triplas e o macacão de pluma. Já havia pesquisado muito na internet e usada uma lista de equipos do próprio Manoel.

E por estes arranjos do destino conversando com o Manoel durante os dias de escalada ele me diz: “ Mas eu estou voltando ao Cho Oyu em 2013, você não que ir?” Eu não tinha um espelho para ver o tamanho do meu sorriso, mas tenho certeza que ele foi grande. E no final daquela escalada estávamos praticamente certos de tentar o Denali em Maio de 2013 e o Cho Oyu em Setembro do mesmo ano.

E a subida do Elbrus que eu pensava que seria relativamente tranquila, foi bem melhor do que eu esperava, uma fortíssima tempestade nos pegou na montanha, bem no dia de cume e com ventos de 100 km e temperatura por volta dos menos 40 fizemos cume e eu pude testar minhas luvas, proteções do rosto, segunda pele e a bota tripla em condições bem interessantes.

Infelizmente por motivos fora de seu alcance o Manoel foi obrigado a cancelar o Denali e o Cho Oyu, tentou até onde pode viabilizar a empreitada, mas não foi possível.

Mas ainda estou bem acompanhando, são mais dois brasileiros na mesma expedição que participarei, a Lisete Florenzano e o Luí que já esteve por lá em 2010, nada como ter compatriotas por perto para poder desabafar alguns palavrões em sua língua nativa na hora do aperto.

Eu, neste pouco espaço que falta para partir para o Nepal, saio daqui a duas semanas para finalizar a última parte dos treinamentos, vou tentar o Kilimanjaro na África e depois direto para Rússia, novamente no Elbrus, auxiliando como guia para dois grupos, o que vai me dar a oportunidade de subir duas vezes o Elbrus e treinar as pernas um pouco mais.

Neste final de temporada no Everest muito se foi discutido sobre a comercialização das montanhas de 8000 metros. Hoje tudo é um negócio com certeza, as taxas realmente são altas, o número de escaladores é grande, mas não tenho conhecimento de causa para dizer que escalar estas montanhas é tarefa fácil, que um sherpa pode te “puxar” até o cume, que pagando tudo é possível, pode ser que eu mude de opinião quando voltar, mas para mim, um simples escalador mediano, ainda vou com a opinião das mais puras, que uma montanha de 8000m é para ser imensamente respeitada e é um privilégio poder estar lá. Sinceramente não sei se vou chegar ao cume, mas só o fato de estar num destes gigantes já vai ser um sonho, que parecia impossível, ser realizado.

Namastê!
Agnaldo Gomes

 
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