Extremos
 
COLUNISTA AGNALDO GOMES
 
Escalando no Equador
 
da redação, Agnaldo Gomes
23 de agosto de 2011 - 23:39
 

DESABOU - A ponte de gelo desabou, a melhor opção era passar por dentro da greta. Foto: Agnaldo Gomes
 
  Karina Oliani

Nosso objetivo nesta viagem era o de escalar 3 montanhas, o Iliniza 5116m o Cotopaxi 5897m e o Chimborazo 6310m.

Para facilitar a aclimatação planejamos um trekking de quatro dias até uma montanha que se chama Altar (4100 metros na sua base) e outras três montanhas menores de 4200, 4700 e 4800 m.

No grupo, eu, Mauricio (parceiro de várias aventuras nos Andes), Yoshimi, nova companheira e alpinista perseverante e Daniela Furusawa, japinha invocada para subir montanhas.

Uma coisa interessante nestas montanhas para se aclimatar a altitude no Equador é que você pode sair de Quito a 2850m ir até o cume e depois voltar para cidade e tomar um bom banho...mas não sabíamos se este tipo de aclimatação seria o suficiente, tudo bem, o nanual diz: suba alto e durma baixo, mas tão baixo? Nosso medo era de que a falta de permanência por mais noites por exemplo em lugares mais elevados podia não ser o ideal para uma boa aclimatação.

Iliniza – 5116m

Mas depois de 10 dias neste ritual partimos para o Iliniza, o clima em Quito não era dos melhores, muita chuva a tarde e um tempo sempre instável (mês de Agosto) e ao chegarmos no começo da caminhada que nos levaria ao abrigo à 4700m o vento era forte e o frio considerável.

     
     

Depois de três horas de caminhada chegamos no refúgio, pelo caminho tudo congelado e uma neblina constante. O plano era de acordar às 4h da manhã e às 5h partir para o cume.

Por ser uma montanha rochosa não estávamos de bota dupla ou crampons. Mas com o frio o gelo se acumulou por cima das rochas deixando o terreno extremamente escorregadio. Às 7h da manhã estávamos cobertos por uma camada de gelo em cima das roupas, cílios e cabelos, que ficaram para fora do capacete, o horizonte totalmente fechado pela nevoa. O vento era de 120 km e a temperatura de -10ºC .

Depois de passar o passo da morte pendurado numa corda e com extremos cuidado para não rolar montanha abaixo fizemos a subida final até o topo, que foi sofrida, muito gelo e o vento constantemente nos desequilibrava. Já havia pego ventos fortes em montanha, mas geralmente rajadas mais violentas, este era forte e constante, parecia não cansar de soprar. Depois de alguns gelados minutos no topo descemos por um outro caminho, mais direto até a base e até conseguirmos baixar para um local mais abrigado fomos passando por algumas cristas onde deu, como diria... pavor em se equilibrar.

Cotopaxi – 5897m

Desta vez subimos ao refúgio do Cotopaxi numa sexta-feira de feriado. Muitos turistas deixam o carro e sobem os 300 metros de desnível até o refúgio para passar o dia e poder admirar a montanha um pouco mais de perto. Nós subimos no meio desta leva de gente, mas com as mochilas carregadas, calçando botas duplas, piquetas e crampons pendurados...viramos atração.

Chegamos a tarde e as 18h já estava enfiado em meu saco de dormir para descansar um pouco e acordar as 22h para o ataque ao cume.

Saímos a meia noite em duas cordados, eu e o guia em uma e Mauricio, Yoshimi e seu guia em outra. O tempo havia melhorado muito, a madrugada estava sem vento e a temperatura perto dos -5ºC, lua cheia e sem nuvens, um paraíso!

Às 4h da manhã e a 5300m chegamos em uma greta (das muitas pelo caminho) em que uma ponte natural de gelo havia desmoronado bloqueando o caminho, o pessoal ficou por uma hora tentando achar uma alternativa, o mais lógico seria descer dentro da greta e subir o que havia restado da ponte de gelo do outro lado, mas este resto de ponte também estava quase desmoronando. Estávamos no meio desta discussão quando chegou o Mauricio e a Yoshimi encordados no seu guia. Este nem tomou conhecimento do que estava acontecendo e entrou dentro da greta com os dois a tira colo. De repente vejo o cara aparecer do outro lado da greta já na parte de cima. Mauricio que vinha atrás deu um pulo e se agarrou num pedaço de gelo mas o gelo quebrou e ele caiu dentro da greta. Não caiu fundo, mas de repente não vi mais o cara e todo mundo falando: “Ele caiu, cadê ele?” deu um frio na espinha, mas vi que a corda estava tencionada e pensei: bom pelo menos ele tá pendurado na corda, não vai ser hoje que vou ter que avisar a família. Depois de alguns segundos ele ressurge subindo pelo glaciar e indo para fora da greta. Yoshimi vem logo atrás e saem da situação de risco. Eu já estava até desistindo de ir além, mas fomos dar “uma espiada” na greta e quando vimos já estávamos lá dentro e saindo do outro lado, suando frio, é claro.

Na volta com o dia claro pudemos ver o tamanho da encrenca, a greta não era profunda, mas por onde subimos, era uma cornisa que acho que não duraria mais um dia sem desabar.

A trilha de subida do Cotopaxi está com muitas gretas e você o tempo todo passa perto delas. Seja numa travessia horizontal (tem uma greta lá embaixo te esperando) ou no final de uma descida ou subida, ela está lá, de boca aberta. Isto torna as coisas um pouco mais tensas, tudo bem, você está encordado se alguém cair provavelmente dá pra parar a queda, mas a pressão psicológica é grande e ninguém quer cair para testar a corda...

Às 6h da manhã vimos uma coisa incrível, a lua amarela se pondo atrás das cristas do glaciar e o sol surgindo do outro lado. Para mim os metros finais para se chegar a um cume são sempre os piores, fomos devagar, dois, três passos e respira mais um pouco, respira de novo e às 8h chegamos ao cume.

Neste ataque haviam 60 pessoas tentando o cume e somente 12 chegaram lá.

 

Trekking de aclimatação (montanha Altar).
 

Chimborazo – 6310m

Depois de descansar um dia em uma cidade chamada Baños a 1800m partimos para o Chimborazo, a montanha mais alta do Equador. Novamente caminhamos até o refúgio a 5000m onde descansaríamos um pouco.

Fui deitar às 19h e a coloquei o relógio para despertar as 21h30, doce ilusão que conseguiria dormir. Nestas duas hora e meia fiquei revirando no saco de dormir, pois por incrível que pareça o pior inimigo agora era o tempo bom dos últimos dias. Com o clima seco e relativamente quente a via de subida do Chimborazo estava complicada, logo no começo 800 metros de gelo, sem neve, nos primeiros 400 a moraina era um barro congelado, impossível andar sem crampons, mas muito difícil para fazer com que eles se fixassem de forma segura naquilo. Nos outros 400 metros a neve tinha derretido deixando só um gelo duro na superfície, escorregadio e também muito perigoso para os crampons. Sabendo disto fiquei me questionando se valeria a pena subir, sabia que ia ser uma escalada só de tensão e bem perigosa. Para piorar o Chimborazo tem um corredor de desmoronamento de rochas, com o tempo quente o gelo, que funciona como um cimento segurando estas rochas soltas não as detém e estas rolam montanha a baixo a todo instante passando muitas vezes bem perto (ou em cima) de quem está subindo.

Bom, sai do saco de dormir e fui olhar o tempo lá fora, não tinha vento e nem estava frio, a lua ainda não tinha aparecido mas mesmo assim a noite era clara. Voltei para dentro do refúgio para me equipar e o Mauricio disse que não iria, pensei... sortudo, e corajoso, porque é preciso muita coragem para tomar uma decisão destas, as vezes a decisão de não ir adiante é a mais difícil para se tomar em uma montanha.

Fomos eu e Yoshimi, cada um encordado em um guia, sai na frente as 22h30 e fomos em silêncio subindo...depois de uma hora paramos para por os crampons e o meu medo se concretizou, a subida era por um barro vítreo, congelado e enfiar os crampons ali não estava fácil. A todo momento parávamos escutando pedras caindo da montanha, estava de capacete, mas naquele momento senti que uma armadura também não iria nada mal!

A subida foi ficando mais empinada, o crampon as vezes soltava faísca quando batia numa pedra e depois de uma parede de 50 metros escalando com as pontas frontais do crampon e uma piqueta, resolvi que não dava mais, preferi voltar do que ficar me equilibrando naquelas pontas de ferro. Subi durante 3 horas e fiquei feliz em voltar e sair dali.

Voltei ao abrigo às 3:30 da manhã e às 6h30 chegou a Yoshimi, ela infelizmente também não tinha conseguido. Neste dia 17 pessoas tentaram o cume e 2 chegaram.

Depois de 20 anos indo a montanhas nevadas descobri que existem muito mais montanhas que não conseguirei subir do que as que se consegue chega ao topo. Ter o melhor equipo, planejamento, condição física e psicológica são fundamentais, mas se a natureza não quiser você lá, pode voltar para casa. Quando era mais novo ficava fulo da vida se não chegasse ao topo, agora a percepção é outra, o cume continua o objetivo, mas só de poder estar perto destes gigantes de neve já me faz feliz.

Namastê!
Agnaldo Gomes

 
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