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Meu irmão Bernardo
Carta de Rodrigo Collares Arantes em homenagem ao irmão
 
Publicado em 30/03/2011 - 23h19 - da redação
 
 
 
 
 

Com autorização de Rodrigo Collares, o portal Extremos está publicando a sua carta de despedida ao irmão. O nosso intuíto é sempre trazer informação a todos, pois é através de conhecimento, cultura e educação que podemos construir um futuro melhor e também entender melhor os fatos que normalmente não chegam até nós. Boa leitura.


Meu irmão Bernardo,
Não pude me despedir de você.
Quando interrompi minhas férias, com a notícia que recebi do Leandro, não dormi, não comi, quase não respirei, lutando com todas as minhas forças para te salvar. Como eu iria dormir, se você podia estar vivo e esperando socorro? Como poderia comer, se você podia estar passando fome e frio? O ar, por fim, me faltou. Fui parar no hospital. Como eu iria respirar, imaginando você lá em cima, esperando?
Depois de uns dias, buscando ajuda, pedindo, implorando, brigando, até mesmo eu perdi as esperanças de que você estivesse vivo. Você me conhece, e sabe que NUNCA DESISTO. Não me curvo a um simples NÃO, e Deus sabe que foram muitos. Fizemos o possível, tentamos o impossível. Não foi suficiente.
Quando, finalmente, vi que nenhuma medida governamental ou de terceiros ocorreria, busquei resgatistas profissionais. Cheguei a receber orçamentos altíssimos, mas já era tarde.
Não consegui, meu irmão! Me desculpe pela minha impotência.

Quando recebi a notícia, pensei que se tratasse da vovó – já doente há algum tempo. Jamais poderia imaginar que Leandro me daria a pior notícia que já tive na minha vida. Não me lembro de todo o telefonema, fiquei em choque, sem saber o que fazer, sem saber para onde ir, o que falar ... Helena chorou, as crianças também, eu não, permaneci com olhos estatelados, sem saber o que fazer. Eduardo chegou a comentar na viagem de volta: papai: porque você não chora? O irmão é seu e a mamãe parece mais triste.... As lágrimas desciam, mas eu precisava me manter alerta, para decidir o que fazer. Os óculos escuros escondiam as lágrimas.

Que bom que tivemos oportunidade de estar juntos, durante 46 anos. Não sei se te disse - nós não precisávamos de palavras, e sei que você sabia - o quanto te amava, meu irmão. Não precisávamos estar sempre juntos, nem concordar em tudo, nem precisávamos gostar das mesmas coisas, nossa união vem da aceitação das diferenças. Nós sabíamos que sempre poderíamos contar com o outro. É assim com todos os nossos irmãos.
De alguma forma, nos despedimos, quando você, sempre cheio de programas, me convidou para almoçar, no dia 24/12. Depois, você e eu nos despedimos da vovó – foi a última vez em que nós a vimos viva – e fomos ao Natal, na casa da Érica. Pude curtir sua alegria e descontração, suas piadas, suas desculpas porque não comprou o presente do seu amigo-oculto Leandro, fizemos planos para uma operação financeira para troca de apartamento, você contou dos planos de, no ano que vem, ir para os Pirineus e não tentar mais o Fitz Roy, Helena (cunhada que apelidou de "nota 10") te deu copinhos para saborear aquela cachaça mineira que você gostava, e você inaugurou ali mesmo. Foi a última vez que nos vimos por aqui.
Naquele Natal, comentei: "acho que nossas férias vão ser interrompidas. A Vovó não está bem". Nunca pensei que poderia ser você.

Por que você?
Tão querido por onde passava, só transmitia alegria, leve, transparente. Talvez por isso mesmo é que você já estivesse pronto para seguir.
Apaixonado pelas montanhas, deve estar por aí, procurando uma nuvem para subir. Já ouço a vovó dizendo: "Desce daí, menino!".
Acabei conhecendo um pouco mais da sua paixão – o montanhismo. Nessa trilha, conheci alguns que realmente valeram a pena, que amam o montanhismo como você e são os verdadeiros "irmãos da montanha". Rolo é uma dessas pessoas - prestativo, foi o primeiro a pegar equipamento para tentar subir, assim que soube do acidente; solidário, deu-nos o apoio de que precisávamos para entender um pouco do que houve; honesto, não concordou com tudo que eu dizia, mas se incomodou com o fato de a família não ficar sabendo do sumiço do corpo; a pessoa que trabalhou para ajudar a família em tudo o que foi preciso.

Meu irmão, não tivemos a oportunidade de fazer nenhuma homenagem a você. Quando fizeram, eu ainda acredita na sua vida. Não poderia participar de uma homenagem póstuma. Seria aceitar o que ainda não era verdade para mim.
Esta é minha homenagem a você. Fiz o que pude para te salvar, depois, busquei informações, às vezes confusas, sobre as circunstâncias de sua morte, dei essas informações que os amigos e a família pediam. Agora, me despeço.
Sinto que nunca vou saber se você quebrou mesmo a bacia, se teve ou não hemorragia interna, como disseram, se morreu nas primeiras horas após o acidente, ou se resistiu e sofreu a dor do frio e do abandono, se caiu em outro local, tentando salvar-se depois ... Alguns chegaram a dizer que a morte por hipotermia é boa. Tudo para me convencer de que não havia nada a fazer.
Nunca conseguirei tirar do peito algumas coisas, que vão doer para sempre.

Logo na tarde em que a notícia do acidente chegou a El Chalten, decidiram pela sua morte, desprezando qualquer esperança, talvez para justificar a falta de ação de todos.
Em 6 de janeiro, abriu-se a primeira janela após o acidente, e desconsideraram a informação de que um avião havia passado no Fitz, avistando uma pessoa que acenava. Disseram que deveria ser a imprensa "procurando notícia". No mesmo dia, Érica tentou que fossem até você, com agasalhos e remédios, mas ninguém foi. Enquanto isso, naquele dia, alguns já se apressavam em veicular notícias da sua morte. Meu Deus, e se você estivesse vivo, esperando?!

NO DIA DE TODOS OS REIS – 06/1 – UM REI DA MONHANHA PODE TER MORRIDO SOZINHO.
Logo você, que era acordado, nas madrugadas, para resgatar montanhistas por aí, e sempre foi resgatá-los.
A última tragada, difícil de engolir: seu corpo não está mais lá onde deveria estar. Deve estar na base da super-canaleta. Não considero justo que uma pessoa que dedicou os seus últimos anos para colocar e MANTER O MONTANHISMO NO TOPO, DESCANSE NA BASE.
Mas, mesmo sabendo que você não está mais lá, sua família vai buscar o que sobrou, com a ajuda de seus amigos montanhistas que já se prontificaram a participar da expedição. E, então, suas cinzas irão para onde você merece - o topo de uma montanha.
Se há algum consolo para isso tudo, é a convicção de que você foi feliz, enquanto esteve aqui.
Até a próxima!

RODRIGO
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