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Antártica, uma viagem ao continente gelado
A realização de um sonho
 
Publicado em 26/03/2011 - 16h53 - Texto e fotos: Mox Kenzler
 
 
 

O meu sonho de conhecer a Antártica teve inicio ainda na década de 80, quando li a trilogia: Damien, do navegador francês Gerárd Janichon, onde ele relata sua volta ao mundo num barco à vela, com uma longa passagem pela Antártica. Ao longo dos anos o sonho foi sendo alimentado com livros dos grandes exploradores: Cook, Scott, Amundsen, Shackleton entre outros. Durante muito tempo o continente branco me pareceu um lugar reservado apenas para poucos cientistas e um punhado de aventureiros privilegiados.

Porém, a alguns anos, isto começou a mudar com o surgimento de expedições comerciais. Assim finalmente chegou a minha vez de caminhar sobre o continente gelado.

 
 

A realização do sonho antártico começou com alguns dias em Ushuaia, a cidade mais austral da Argentina e ponto de partida para a maioria das expedições para Antártica. O intuito era me aclimatar afinal eu vinha do verão brasileiro e também complementar meu guarda roupas polar. Aproveitei para fazer passeios na região, subir algumas montanhas nevadas, e testar as roupas especiais, botas e equipamento.

O Akademik Ioffe, um antigo navio cientifico Russo, deixou o porto ao cair da noite. A expectativa era de uma navegação tranquila nas águas abrigadas do Canal de Beagle. Na manhã seguinte acordamos já na passagem do Estreito de Drake, que apesar da fama de ser o mar mais violento do planeta, estava bem comportado, com ventos moderados e ondas que não chegavam a 4 metros. O segundo dia amanheceu igual, mas o tempo foi abrindo, o mar acalmando e se transformando um espelho de tom de azul petróleo. Após o jantar avistamos as primeiras ilhas. Continuamos navegamos durante toda a noite rumo ao sul, contornado a Península Antártica pela costa oeste (Oceano Pacífico).

No quarto dia a bordo, meu entusiasmo era grande, despertei por volta das quarto da manhã e fui direto até o convés mais alto do navio. Fazia um friozinho de -4ºC e o sol já iluminava uma das paisagens mais incríveis que já vi: um mar de azul profundo separado do céu por uma fileira de imensas montanhas cobertas de neve. Naquele momento fui tomado pela emoção de estar finalmente realizando um sonho tão antigo. A visão era tão deslumbrante que fiquei ali sozinho contemplando até o desembarque.

Em todo desembarque podíamos optar por usar o caiaque ou de Zodiac, bote a motor. No meu primeiro desembarque na terra gelada optei pelo segundo, pois estava ansioso e queria ficar mais tempo possível em terra. Visitamos Winter Island, ilha que abriga uma antiga base cientifica britânica. Ela está aberta à visitação e preservada exatamente como foi abandonada em Maio de 1954, com móveis, rádio, equipamentos e até suprimentos da época. A alguns minutos de bote dali, passando por estreitos canais entre icebergs e ilhotas, fomos recebidos na Estação Cientifica Vernadsky, hoje mantida pela Ucrânia. Como não poderia deixar de ser, nossa visita terminou com um brinde com a mais pura vodka ucraniana.

De volta ao navio partimos rumo norte. Deste ponto em diante iniciamos uma rotina de navegar durante a noite e almoço, o que nos proporcionava dois desembarques diários em locais diferentes. Após cada jantar assistíamos palestras sobre assuntos ligados a Antártica e terminávamos a noite em animadas reuniões no bar do navio.

O meu primeiro desembarque de caiaque foi Baia de Pléneau em uma atípica tarde ensolarada, o mar estava tão calmo e cristalino, que dava a impressão de estarmos voando entre blocos de gelo.

Finalizamos o dia, assistido a um inacreditável pôr-do-sol, acompanhado simultaneamente pelo nascer da lua enquanto navegávamos pelo Canal Lemaire, provavelmente um dos lugares mais bonitos do continente se não da Terra!

No dia seguinte despertamos cedo, e depois de um reforçado café-da-manhã remamos por algumas horas entre enormes icebergs contornado a Useful Island, ilhota qualhada de pinguins e leões marinhos.

À tarde o Akademik Ioffe voltou ao rumo sul até a Paradise Bay, pequena baia que faz jus ao nome. Totalmente protegida por diversas ilhas e montanhas que passam dos 1.400 metros de altitude. Remamos por sua água quase parada, só movimentada pelas ondas resultantes da queda de grandes blocos de gelo que se desprendem das várias geleiras próximas. Antes de retornarmos ao navio, onde éramos aguardados com um churrasco a céu aberto no convés de popa, "escalaminhamos" a montanha que fica logo a trás da Estação Científica Argentina, Base Brown, de onde se tem uma deslumbrante vista, que compensa com folga todo esforço da subida íngreme e escorregadia na neve fofa que chega facilmente a cobrir os joelhos.
Após uma longa e divertida noite no bar do navio, regada a caipirinha, que o barman "Captain Carlos", preparava alucinadamente após aprender a receita com a turma de brasileiros. Amanhecemos fundeados ao largo da Danco Island. Finalmente o clima antártico começou a mostrar a sua cara, estava nevando e ventando. O local escolhido para o desembarque era no meio de uma animada e divertida colônia de pinguins, Gentoo e Chinstrap.
No final de tarde voltamos a Paradise Bay, a fim de encontrar um lugar abrigado que possibilitasse o pernoite em terra. Com a neve aumentado e vento já próximo dos 100 km/h o capitão abortou a idéia. Naquelas condições era impossível garantir a segurança do navio e muito menos a de 25 turistas fazendo bivac - saco de dormir sem abrigo - em terra.

Passamos a noite navegando até Mikkelsen Harbor em Trinity Island, mais uma paisagem deslumbrante apesar do mau tempo e da neve que insistia em cair. Seu porto natural é cercado de geleiras que enchem a baia de pequenos blocos de gelo flutuante. Passamos a manhã passeando de Zodiac entre estes blocos de gelo habitados por focas e leões marinhos.
À tarde zarpamos rumo sul até Cierva Cove, onde avistamos baleias Jubart, algumas dezenas delas. O Capitão Poskonny parou o Akademik Ioffe no meio do grupo que, por mais de uma hora, ficou rodando o navio num espetáculo "impagável". Num determinado momento a comitiva distanciou-se o que permitiu que lançássemos os caiaques e os Zodiacs na água. O mar estava um pouco agitado, era impossível manter as mãos secas dentro das luvas, a impressão era que os dedos congelariam, mas a emoção de estar ali naquele momento só ouvindo o barulho da água no casco do caiaque e o canto das baleias vindo do fundo do mar valia qualquer sacrifício. De volta ao navio, ainda não sentindo os dedos e já me preparando para um banho quente, fui surpreendido por um convite para a última e mais radical aventura do dia: pular no mar. Sim, pular no mar sem roupas especiais! A temperatura da água? -2ºC. Como não sou de resistir a um convite destes... Segundos depois eu e mais 40 insanos estávamos na rampa saltando na imensidão gelada.

Fui dormir... Passamos a noite no mar navegando a noroeste. Despertamos diante da Ilha de Decepção no Arquipélago das Shetlands do Sul. Seu formato circular, com encostas de rocha negras, que surgem da água subindo quase na vertical por mais de 100 metros, cria uma visão impar. No sudeste da ilha existe um estreito canal, que dá acesso a imensa baia que ocupa todo o centro da ilha. Na verdade a ilha toda é o cume de um imenso vulcão submerso, onde a baia é a cratera. Devido à atividade vulcânica o mar dentro da baia é em media 6ºC mais quente que fora da ilha. Nela estão abrigadas diversas estações científicas. Historicamente foi um importante porto para caça de baleias. As ruínas da Estação Baleeira de Whalers Bay, semi-destruída pela erupção de 1967, criam um cenário improvável, seus imensos tanques enferrujados contrastam com a paisagem composta por montanhas negras cobertas de neve, impecavelmente brancas, tudo isso envolvido por um mar cor de chumbo.

Nossa despedida da Antártica foi na "pinguineira" da Ilha de Greenwich ainda Shetlands do Sul. Apesar da neve que caia, e do vento que começava a aumentar, fiquei em terra o máximo possível, aproveitando os últimos minutos antes de me despedir da terra gelada.

Deixamos a proteção das ilhas do arquipélago e entramos no Estreito de Drake, marcando o inicio da volta. Este logo mostrou a sua força, o Akademik Ioffe enfrentou ondas, que insistiam em cobrir o convés de proa, mas o navio parecia não se incomodar muito com isto.

O dia amanheceu com ventos amainados e as ondas perdiam sua força monumental, em algumas horas voltamos a navegar mar tranqüilo e céu azul. Passamos no largo do Cabo Horn, no final do dia, de lá ao Canal de Beagle até o Porto de Ushuaia. De volta a terra firme, olhando para trás, admiro aquele lugar incrível que ficará para sempre na minha memória e sou tomado por um sentimento de plenitude, de ter realizado um sonho. Olho para frente e vejo a imensidão de novas possibilidades e sonhos. Dou o primeiro passo rumo ao... Participe, deixe o seu comentário abaixo.

 
 
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