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Uma lição no topo da Europa, o monte Elbrus
Em companhia do guia brasileiro Manoel Morgado e de meu pai
 
20/09/2010 - 20h23 - Texto: Marjorie Pilli
 
 
 
 

Depois do Kilimanjaro (5,893m) em 2009, que foi uma viagem incrível, decidi junto com meu pai e algumas pessoas que conheci no Kili (Guita e Guto), tentar subir a montanha mais alta da Europa, o Elbrus com 5.642 metros, que fica no sul da Russia, nos Caucasus.

Nosso guia seria novamente o Manoel Morgado, o oitavo Brasileiro a escalar o Everest. Toda a turma estava só esperando ele voltar de sua escalada ao Monte Everest, no Nepal, entre abril e maio deste ano, para confirmarmos a nossa viagem, e que de fato aconteceu.

Após um vôo - Miami, Nova York, Moscow - encontrei-me com meu pai. Minha TPV já estava altíssima (Tensão Pré-Viagem), mas deu tudo certo e cheguei facilmente no hotel Cosmos em Moscow, depois de 18 horas de viagem. Um hotel que mais parecia uma rodoviária, cheio da chineses, japoneses e americanos. Ao fazer o check-in já queriam ficar com meu passaporte, porque em todos os hotéis da Russia você precisa de um registro para o governo. Para subir ao quarto, onde meu pai estava me esperando, precisei apresentar meu registro novamente, somente depois descobri o motivo de tanta preocupação, o hotel tem tanta prostituição que eles "tentam" controlar o acesso para os quartos.

 
 
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No primeiro dia visitei o museu da aeronáutica, bastante interessante, e alguns monumentos que se tornaram praça pública, mais parecendo parquinhos de diversão de periferia.

Depois do calor que fez durante todo os dia, agora já começava esfriar e como era domingo as ruas estavam lotadas. Andamos de metrô, que são lindos e inteiros de mármore. A noite saímos com a Guita e o Pedro para jantarmos em um hotel que foi recomendado por uma amiga. A vista do restaurante do Swisshotel é linda, a comida muito boa e a champanhe melhor ainda, só que erramos ao ver o preço da garrafa, onde na verdade era o preço de uma taça apenas, saiu uma facada, mas foi divertidíssimo! O ponto alto foi as prostitutas, de melhor nível que as do hotel Cosmos, piscando para meu pai e o Pedro na cara dura em frente de nós!!!!

No dia seguinte encontramos o resto do grupo, todos entre 30 e 65 anos. Passeamos por um monastério e depois conhecemos a praça vermelha e a igreja de São Basílio. Linda e mais um "monumento" que eu desejava muito conhecer.

No dia seguinte partimos para a região das montanhas, de avião. Pegamos uma companhia Russa, Aeroflot, e andamos de Tupolev... não sei o que significa mas para os homens, era meio que uma piada. Nosso hotel era um charme a comida maravilhosa e eu achando que iria emagrecer, só estava comendo e bebendo! Vale lembrar que "ninguém" na Russia fala inglês e para conseguir qualquer coisa é muito difícil, no hotel o mais difícil era conseguir água e por isso passamos muito tempo bebendo só cerveja...rs.

Ficamos alguns dias neste hotel fazendo algumas caminhadas de aclimatação por perto. Em uma delas, pudemos ver o Elbrus pela primeira vez. Uma montanha linda, cheia de neve e de duas pontas. Enfim começamos a subida para a montanha. O mais engraçado é que toda a subida é feita de teleférico até o acampamento base. Até nossa comida sobe de bondinho e de cadeirinha. Diferente da África ou do Peru, aqui não tem carregadores e nós temos que levar tudo. Finalmente chegamos no nosso destino, uns "huts" de madeira, que ficam em cima de rochas com 6 camas cada um. O banheiro é inutilizável, podre, e decidi só usar as pedras. Ficaríamos neste lugar de 4 a 6 dias, dependendo do dia do ataque ao cume, então era bom eu ir me acostumando. No primeiro dia, fizemos uma treino de crampons que alugamos na cidadezinha. Eu já tinha andado de crampon no Chile, mas aqui tinha muito mais gelo e era mais inclinado. Até este momento minha aclimatação estava ótima e tudo ia super bem. Só a comida, que era frango ou peixe todo dia e tive problemas em comer. A água já não era mais mineral e sim fervida da neve e depois colocávamos cloro, ou seja, o sabor era horrível. Banho era de paninho, e o shampoo seco que comprei, descobri que só servia para melhorar o cheiro.

Depois de alguns dias de treino e aclimatação o tempo deu sinal de melhora e nossa tentativa de cume seria já no quarto dia. Passamos o dia todo de bobeira para acordarmos as duas da madrugada e aprontarmos tudo para subir. Ainda bem que levei meu livro, porque no acampamento base não tinha nada para fazer. Meu pai tentou tomar um banho mas eu desisti deste luxo. Acordamos as duas da manhã. Eu mal dormi, alguns tomaram remédio, mas eu preferi não tomar. Coloquei cinco camadas de roupa, mais a cadeirinha de segurança, comida na mochila, água, tudo que iríamos precisar. Para subir fomos de "snowcat" até 4.000 metros. Só o snowcat já é uma aventura além de ser desconfortável. Fomos em 10 pessoas amontoados com machadinhas, crampons e mochila num trator subindo uma ladeira de neve.

Começamos a subir. Apesar de eu ter me saindo muito bem nos treinos, senti muita vontade de ir ao banheiro. Tentei subir um pouco, mas um amigo começou a vomitar e o outro perdeu os crampons. Começamos cheios de aventuras. Estava no grupo 3, pedi para subir num grupo mais devagar. No meio da subida, ainda no escuro, precisei muito fazer xixi. Nosso guia não entendeu quando falei "bathroom". A saída foi, na maior coragem, tirar as cinco camadas de roupa, segurar no meu pai e fazer xixi rápido, antes que o grupo de trás chegasse. Quando fui tentar colocar as camadas de roupas, me desequilibrei e rolei montanha abaixo. De repente vejo meu pai se jogando por cima de mim para evitar que eu caisse mais. O susto foi tão grande que meu batimento disparou e fiquei muito cansada. A vontade de desistir era enorme, mas sei, eu conseguiria subir mais. Meu pai e o Manoel me ajudaram a ficar de pé, me arrumei mas não fiquei tranquila até o sol nascer, onde constatei que eu não me machuquei muito. A dor era grande mas a adrenalina não me deixava parar. A visão do sol nascendo foi a coisa mais linda do mundo, e nestas horas é que damos valor por todo o esforço despreendido, é quando me sinto mais perto de Deus.

Conseguimos ver a sombra da montanha, um efeito que só em algumas montanhas do mundo é possível. Quando o sol nasceu é que pude notar como a subida é super íngreme, e longa demais. O colo, que é a base entre os dois picos e o começo da subida para o cume ainda demorou muito mais horas para chegar.

Quando chegamos no colo, decidi fazer xixi de novo, desta vez sem a menor vergonha peço para todos olharem para os lados e faço onde estou. O pessoal já muito cansado continuva a subida para o cume. Meu pai já pensava em parar, vendo o quanto mais faltava e o quanto era íngreme e perigoso. Nós devíamos estar encordados, mas os guias estavam longe e o Manoel estava com o último grupo. Tento subir mais um pouco, mas a 200 metros do cume, entro em pânico e percebo que não consiguiria subir mais. O susto, a tontura e a dor de cabeça não me deixavam subir mais. Meu pai estava longe, mas ele não queria subir sem mim, e eu queria muito que ele fosse até o final. Mas eu não consigo mais, e pela primeira vez na minha vida tomei coragem de dizer para mim mesma "não dá mais". O Pedro, que estava conosco parou e eu então decidi parar com ele. Chorei muito voltando, muito mais do que quando fiz o cume do Kilimanjaro. Mas foi voltando de 200m do cume que aprendi uma grande lição: quando a situação não da mais, é melhor parar e voltar, do que continuar. Simplesmente não vale a pena. Não preciso provar nada para ninguém.

A volta foi sofrida e triste, mas ao mesmo tempo eu acho que amadureci muito entendendo que eu posso parar, e nem por isso vou deixar de ser quem eu sou, um pessoa melhor ou pior. Voltamos a pé até metade e depois alugamos um snow cat com mais 3 outras pessoas que não conseguiram ir até o topo. Durmi 12 horas na volta, ainda sem banho de verdade até voltar no dia seguinte para o hotel. Lógico que o caminho ainda era longo mas tomamos mais umas merecidas cervejas, recebemos nossos certificados das mãos do guia principal, que apelidamos de "Loide" (de debi loide, o filme heheheheh) e começamos a voltar.

O final da viagem ainda teve mais histórias para contar, festinha num restaurante do Azerbaijão, meu pai dançando twist com duas russas e um russo com todos os dentes de ouro, prostitutas quase nuas no andar do nosso hotel, "suborno" para passarem nossas malas e 12 horas de atraso do meu vôo! Não tem jeito, eu gosto de aventura e a Rússia foi inesquecível. Sinto muita saudade do meu pai, da Guita e do Guto, meus companheiros desde o Kili, e de outras pessoas que conheci nesta viagem e que se tornaram meus amigos, pessoas que são consideradas loucas entre seus amigos, mas que na montanha, é mais um amigo meu.

 
 
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