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Este homem redefiniu o conceito de aventura radical
 
 
Publicado em 23/05/2009 - 20h29 - por John Dyson
Fonte: Seleções Reader's' Digest
 
 
 
  O nadador radical Lewis Gordon Pugh
Foto: Melody Deas / Hirt & Carter
   
 
  "Se você pensa no frio, você fica com frio", diz Pugh, momentos antes de nadar um quilômetro no Polo Norte, em 2007.
Foto: Ho New/Reuters
   
 
  Pugh em sua travessia de caiaque.
Foto: Fred Kalborg
   
 
 
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O que motiva um homem ficar só de sunga e mergulhar em águas congeladas? O mesmo que o faz transformar as suas travessias em verdadeiras declarações a favor do planeta: Força de vontade.

Enquanto os icebergs se elevavam e bloqueavam o sol baixo, Lewis Gordon Pugh impulsionava seu caiaque pela banquisa do Ártico, quase cem quilômetros ao norte da Noruega. A espuma levantada pelos remos congelava-se imediatamente na roupa de mergulho, mas o frio não o assustava: as paisagens polares já tinham sido seu campo de provas. Usando apenas uma sunga e um gorro de silicone, ele nadara um quilômetro inteiro entre os grandes icebergs da Antártida e repetira a distância no topo do mundo.
E agora, na primeira semana de setembro, o rei da natação radical voltara, lutando para realizar outro tipo de façanha sobre-humana: remar 1.200 quilômetros até o Polo Norte.
"Urso!", gritou o vigia no pequeno navio que escoltava o caique. A uns 200 metros de distância, o imenso predador olhou a expedição com curiosidade e se afastou. Antes, o remador dividira o oceano com duas baleias enormes. Mas ainda nem sinal de morsas, únicas criaturas que Pugh admitiu temer em mar aberto. Suas longas presas poderiam fazer o caiaque de plástico em pedacinhos.
Encolhido contra o vento cortante, remou quatro horas sem parar: Ao contrário de travessias a nado, em que um minuto a mais na água podia significar a morte, essa viagem tinha um aspecto diferente. No fundo, este ex-advogado de Londres, de 39 anos, tinha esperanças de não conseguir terminar. Pois, se conseguisse, seria sinal de que o gelo do Ártico estava desaparecendo ainda mais depressa do que indicavam os noticiários.

AS EXPLORAÇÕES POLARES fascinaram Pugh desde menino. Ativo, mas não atlético, ficava encantado com as histórias românticas de exploradores polares contadas pelo pai, almirante da Marinha. O herói do jovem Pugh era o comandante Robert Falcon Scott, explorador britânico que morreu depois de perder a corrida até o Polo Sul para o norueguês Roald Amundsen.
Pugh sempre esperou que seu destino também estivesse nas regiões polares. Mas nunca sonhou que nadaria nelas. Só depois dos 17 anos, na África do Sul, onde a família tinha ido morar, é que Pugh teve as primeiras aulas formais de natação. Mas ficou entediado com os treinos na piscina, limitado pelas faixas de azulejos azuis. E resolveu apostar no mar aberto.
Foi um grande feito percorrer a nado os mais de sete quilômetros entre a Ilha Robben, local da prisão onde ficou Nelson Mandela, e a Cidade do Cabo. Somente 52 pessoas já tinham feito aquela travessia. Com muito frio e tremendo por ser rapaz tão magro, Pugh tornou-se a 53ª . "Quando voltei a terra firme, achei que tinha conquistado o mundo", lembra ele. "Era assim que eu queria nadar."

ENQUANTO CURSAVA a faculdade de Direito, trabalhou em equipes de helicóptero de resgate nas praias da Cidade do Cabo e vasculhou o atlas atrás de travessias maiores e mais difícieis. O litoral desolado e rochoso do Cabo Agulhas, extremo sul da África, assistiu às suas braçadas. O Cabo Norte da Noruega, a massa terrestre mais ao norte da Europa continental, também. Foi ele o primeiro a cruzar a nado o Lago Malavi, na África, e o 428° a nadar da Inglaterra à França, percorrendo 35 quilômetros em respeitáveis 14 horas e 50 minutos. Ao contornar a nado o Cabo da Boa Esperança, passou por sobre a sombra de um grande tubarão-branco. Tubarões, crocodilos, hipopótamos, morsas e focas-leopardo sempre foram um perigo, mas nunca o impediram de nadar. "Gosto de olhar por sobre o ombro e sentir um pouqinho de medo", explica.

Em 2006, quando morava em Londres e trabalhava num escritório de advocacia especializado em transporte marítimo, Pugh nadou do alto-mar até o porto de Sydney, na Austrália; foi a primeira pessoa do mundo a fazer longas travessias a nado em todos os cinco oceanos. Nos Campeonatos Mundiais de Natação de Inverno, realizados numa "piscina" aberta na banquisa de Oulu, na Finlândia, Pugh desafiou dois campeões russos para uma disputa particular e venceu com facilidade.
Mas, aos 36 anos, ele sentiu que estava "enxugando gelo". Os heroicos exploradores que ele tanto admirava tinham lutado contra tempestades para descobrir novas terras e aumentar a soma de conhecimentos da humanidade. E se perguntou: para que serviam suas travessias? "Preciso fazer com que sirvam para alguma coisa", disse aos amigos.
O próximo desafio longo seria nadar por toda a extensão do Rio Tâmisa, que percorre mais de 320 quilômetros até o mar, passando por Londres. Foi a amiga Clare Kerr, embaixadora da WWF, o Fundo Mundial para a Vida Selvagem, que deu a Pugh a ideia de dedicar a travessia à divulgação das mudanças climáticas. "Você pode até visitar o primeiro-ministro quando passar por Londres", sugeriu. Pugh gostou da ideia.
Largou o emprego no escritório e foi atrás de patrocínio. Sua equipe de um só integrante logo cresceu para incluir um general reformado do Exército como gerente de projeto, um professor de natação, um médico, um fotógrafo e um orientador psicológico. Com auxílio do WWF, Pugh aprendeu a lidar com os meios de comunicação para transformar suas travessias em declarações ambientais.
Sua ideia era ser o primeiro de um tipo de ativista. Depois do sucesso da travessia do Tâmisa, voltou a atenção para as regiões polares, onde os efeitos imediatos da mudança climática estavam sendo acompanhados. Para nadar ali, teve de se preparar. "Mergulhar na água fria é uma das coisas mais violentas que alguém pode fazer. É como se jogar de cabeça de um ônibus em movimento. É preciso muito treino."
Trabalhando com especialistas do Instituto de Ciências Desportiva da África do Sul, Pugh pôs em prática uma série de treinamentos extenuante. Acampar no Deserto da Namíbia e subir correndo as dunas de areia sob o sol escaldante foi a parte mais fácil. O verdadeiro desafio, de volta a África do Sul, foi prender-se e nadar no mesmo lugar durante vinte minutos numa piscina emprestada por uma empresa de processamento de peixe. A cada dia, colocavam mais gelo, para deixá-la um grau mais fria. "Para os seres humanos, é fácil adaptar-se ao calor, mas o frio é outra história", explica o Dr. Tim Noakes, diretor do instituto. "Quem é resistente consegue se acostumar. E é isso o que Lewis faz; é algo raríssimo."
Noakes espantou-se ao descobrir que, na verdade, a temperatura básica de Pugh sobe quase dois graus enquanto ele se concentra antes de nadar. Esse mecanismo de defesa, alimentado pela adrenalina de Pugh, nunca tinha sido observado em seres humanos. Na mesma hora, Noakes cunhou um nome: termogênese antecipatória.
Mas isso é apenas metade da história da capacidade incomum de Pugh de suportar o frio. "Não há nada demais em sua fisiologia", diz o Dr. Jonathan Dugas, da Universidade de Illinois, que ajudou Pugh no treinamento em água fria. "A diferença é que ele se adapta melhor e tem uma vontade férrea. Depois que entra na água, sufoca qualquer ânsia de sair."
Ou de inspirar: o homem que os amigos chamam de "urso-polar" treinou para expirar com força ao entrar na água e depois controlara inspiração seguinte para não causar hiperventilação. "A maioria das pessoas que mergulham em água fria morre afogada antes de morrer de frio", diz Noakes.
Antes de uma grande travessia, Pugh passa até quatro horas por dia preparando-se mentalmente. "As técnicas incluem bloquear ideias negativas com música forte e visualizar cada aspecto do objetivo a atingir", diz o preparador mental de Pugh, David Becker.

UMA DAS PRIMEIRAS grandes tentativas de pôr o talento à prova em águas frias quase terminou em tragédia. Em dezembro de 2005, numa travessia de um quilômetro e meio na Antártida, o corpo de Pugh começou a sucumbir a poucos metros do fim da prova. Suas articulações ficaram pesadas, e a equipe conta que ele parecia tonto. A temperatura dentro do músculo da coxa, medida por uma agulha, caiu para 31°C, a menor que já tivera. "Ele podia ter desmaiado. Estava no limite da capacidade", diz Noakes, que monitorava Pugh de um barco próximo.
Apesar da travessia antártida "torturante", como diz Pugh, ele programou para si uma prova ainda mais desafiadora no Polo Norte. Depois de descer pelo portaló do navio quebra-gelo russo que esmagara a banquisa flutuante durante cinco dias para levá-lo até lá, Pugh caminhou pelo gelo até um lago com mais de um quilômetro e meio de comprimento e quatro quilômetros de profundidade. A temperatura do mar estava em -1,5°C, apenas um pouquinho acima do ponto de congelamento da água salgada. A temperatura do ar era de -18°C, embora o vento cortante aumentasse a sensação de frio. "Senti mesmo medo de morrer", diz ele.
Rapidamente, Pugh despiu as roupas acolchoadas. Usando apenas a sunga e o gorro, a pele arrepiada e já avermelhada, foi até a beira da água. Agora só vou sair no fim, pensou. Então arrancou os fones de ouvido e mergulhou. A dor foi imediata e excruciante. O corpo inteiro parecia em fogo, enquanto ele dava as braçadas de sempre. O médico o acompanhava num barco inflável. Pelos óculos, Pugh conseguia ver os guardas armados vigiando os ursos. E as bandeirolas.
Becker decompusera a imensa tarefa em segmentos administráveis, cada um deles marcado por uma bandeirola fincada no gelo que representava um amigo, parente ou colega. A neblina começou a cair quando Pugh seguia para o último marcador, bandeira da Grã-Bretanha. Ao lado dela, imaginou o falecido pai, que tanto fizera para lhe inspirar o gosto pela aventura e que morrera havia poucos anos de doença de Alzheimer. Então Pugh se forçou a terminar. Após 18 minutos e 50 segundos na água, seu corpo sequer estava hipotérmico.

AQUELE ANO DE 2007 regsitrou a menor área de gelo jamais assinalada por satélites durante o verão Ártico. Foram as áreas extensas de mar aberto que deram a Pugh a ideia de mudar e usar caiaque. Antes de partir para a Noruega em agosto passado, ele concordou em dar uma entrevista e pediu que o repórter o encontrasse diante do Museu Tate de Arte Moderna, em Londres, junto ao Tâmisa, às nove horas de uma manhã de segunda-feira. Às nove e dez lá estava ele: um remador solitário seguindo rio acima.
Encharcado de espuma e todo arrepeiado, recusou-se a ir a algum lugar mais confortável e sentou-se ao vento cortante usando apenas a parte de baixo do traje de mergulho de neoprene. Com 1,86 m, Pugh é imponente, o cabelo preto e curto já ficando grisalho. Parecia extremamente sincero ao exprimir seus temores em relação ao Ártico e afirmar que salvá-lo significa salvar a própria humanidade.
"Mesmo que eu não chegue nem perto do polo, vou fazer marola", previu. No fim das contas, Pugh remou durante quatro dias exaustivos até atingir uma camada de gelo intransponível e voltou com uma descoberta inesperada e alarmante: todo o gelo que encontrou era fino, gelo de um ano apenas, formado no inverno anterior. Havia uma ausência total de gelo de muitos anos, que atinge espessuras de uns três metros e sobrevive a sucessivos verões. "Isso mostra que o gelo não só se reduziu em área como também está desastrosamente fino", diz ele.
No ano que vem, afirma Pugh, ele concentrará sua atenção na campanha para que a proteção do Ártico seja incluída no protocolo de Quioto. Como as conversações para renovar o acordo internacional sobre o meio ambiente continuarão durante a primavera, ainda há tempo para avisar aos líderes mundiais reunidos: o urso-polar vai visitá-los.

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