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Steph Davies Clinics, as minhas impressões
 

Mariana Grebler
Nature + Climb + Fun
4 de outubro de 2019 - 20:50

 
Steph Davies e seu cão Cajun conosco durante toda a clínica
 

A chamada Steph Davies Clinics acontece duas vezes* por ano em Moab, Utah, cidade onde a escaladora/ sky diver/ base jumper vive.

Meses antes de fechar minha participação na clínica, exclusivamente feminina, com Steph Davies começamos uma rápida troca de e-mails. As informações em seu website eram generalizadas demais e Steph não é muito precisa em suas redes sociais. Falta imagem e informação do que exatamente esperar. Alguns meses antes, consegui perceber que precisava alugar um carro, que haveria pouca opção barata de hospedagem e que eu deveria ter paciência pois, nas semanas que antecedem o curso, haveria uma troca de e-mails entre todas as participantes, propiciando possibilidades de caronas, compartilhamento de hospedagem e parceria para escalada.

Um mês antes da viagem o grupo no e-mail foi formado pela assistente de Steph, Lisa, onde ela estimulava o compartilhamento de experiências na escalada assim como as logísticas da viagem de cada uma. Percebi que todas esperavam sair mais confiantes em termos de segurança e mentais de guiada e, também, que eu me encontrava na média das escaladoras do grupo. Tive medo da média ser baixa e os procedimentos serem muito básicos. Não sofri muito com isso pois seria um aprendizado, mesmo assim, especialmente revendo procedimentos que já conheço mas em outra língua.

O curso consiste em 2 dias inteiros com Steph. Na véspera do primeiro dia ela nos ofereceu um jantar em um restaurante Tailandês na cidade, patrocinado por uma de suas marcas apoiadoras. Na ocasião, nos conhecemos melhor e os depoimentos que haviam sido compartilhados por e-mail foram repetidos ao vivo. Ambiente relaxado e uma Steph bastante sorridente, brincalhona mas reservada, nos apresentou a logística do que seria o dia seguinte. Após o jantar houve ganho de “goodies bags” com todas as marcas que a apoiam prestigiando a clínica. Mochila, sapatilha de escalada, comidinha pra cachorro e gato, gelatina de CBD, amostras de BCAA, garrafa d’água, saquinho de magnésio, necessaire, mais uma tonelada de mimosUma surpresa bem agradável para todas nós.

Dia 1: Setor Theater – 10 milhas no sentido nordeste** da cidade

Nos encontramos no mercadinho orgânico e seguimos para o setor. Andamos 15 minutos para cima na trilha e chegamos em uma parede que nos daria sombra até o meio dia. A aula começou teórica, com Steph falando durante um bom tempo sobre “dar segurança” para um escalador em top rope ou um escalador guiando. Me surpreendeu o destaque que ela deu ao primeiro formato, muitas vezes subestimado pela presença do Grigri. Steph reforça o tempo todo que, mesmo escaladores experientes derrubam gente, em situações consideradas básicas.

Definidos os procedimentos começamos a escalar (inclusive e, especialmente, os procedimentos de fala entre os escaladores). Eram 3 vias para 9 alunas, todas com graus em torno de 5’7 e 5’8. Em grupos de 3, pela primeira vez tive oportunidade de subir em top rope e, levando a corda, simular uma guiada. Excelente experiência. A manhã passou rápida e escalamos pouco, apenas uma média de 2 vias. Ficou aquele gostinho de quero muito mais. Entendi que Steph começou a manhã desta forma pois passaríamos a tarde numa espécie de coreto na cidade, simulando ancoragens. Tendo escalado pela manhã, as alunas já estariam mais “calmas” para a aula teórica com entrega de apostila, inclusive.

 
Aula teórica no Swanny Park
 

Foram 3 cenários de ancoragem; o “baldinho” – que aqui é feito com duas costuras clipadas em outras duas, clipadas ao loop da cadeirinha (sem uso de solteira), o rappel; com algumas diferenças como o nó de backup amarrado ao rack da cadeirinha e a ponta das duas cordas unidas por um nó (segundo ela se forem duas pontas separadas é o dobro de chances da corda agarrar – entendo que isso se aplica mais à paredes – além disso, ela enfatizou “nunca confie na marcação do meio da corda! Nunca!) e, por fim, formamos pequenos grupos e Steph se concentrou em nos ensinar a fazer a segurança “de cima” em um multipitch. Eu, praticamente fiz o curso com este objetivo (a ancoragem toda feita na própria corda com nó “fiel”). Fiquei confiante e satisfeita com o resultado do primeiro dia.

Dia 2: manhã – Setor Ice cream Parlor (sentido leste* 8 milhas).
Tarde – setor Wall Street (sentido oeste** no Grupo Potash, 4,5 milhas)

Começamos o dia em uma parede com 4 vias positivas. Não houve parte teórica então conseguimos escalar bastante. Imediatamente “entrei na fila” para escalar a fenda na extrema esquerda (foto) a única sem slab. Enquanto esperava, entrei no 5sup de aderência e positivo. Não é minha escalada preferida, especialmente no arenito que ainda me parecia escorregadio.

São 7 tipos de arenito no Moab, os mais duros naturalmente mais fáceis de escalar. Positivo no arenito foi um pouco avançado para mim então sentei no “crux”.

A fenda no diedro é a escalada mais confortável, ao meu ver, e a via seguinte, com uma fenda vertical na face, também permitiu um bom treino. Foram 3 vias com 3 estilos diferentes – escolha acertada da Steph pois se tornou uma excelente prática para as alunas. Em torno das 13h, o sol chegou na parede e seguimos sentido oposto do vale, Potash Road.

Chegamos no setor Wall Street ainda com sol e fendas espetaculares. Enquanto a equipe de Steph montava as vias, tivemos uma aula de ancoragem. A ideia era mostrar as possibilidades existentes e como avaliar a eficácia de cada uma delas. Para mim, esta informação valiosa poderia ter tomado mais tempo, o que possibilitaria espaço para perguntas. Escalada não é matemática e as variáveis são muitas, sinto que esta parte da clínica poderia ser mais “mão na massa” do que foi.

Chegada a hora de entrar nas maravilhosas fendas da parede. Arenito perfeito, chamado Windgate – a categoria mais firme. Mary, braço direito de Steph, dá uma pequena passada pela técnica de mão e pé, ao meu ver, rápida demais. Escalada em fenda doi, esmaga o pé e a mão, insisto que poderia ter sido em um terceiro dia, inclusive dando intervalo para descanso e tempo para treinarmos a escalada guiada, o que não aconteceu.

A tarde foi perfeita e deu tempo de grande parte, ou pelo menos quem quis, fazer as 3 vias da parede. O reglete destruiu meus indicadores e me lembrei do meu amado Cipó (100 km de BH). As fendas são o charme do Moab e a região de Indian Creek, 1 hora ao sul da cidade, é onde acontece a clínica, neste caso unisex, especifica para escalada em fenda, também promovida por Steph.

A proposta da clínica feminina é deixar as mulheres bem a vontade para demonstrarem suas inseguranças. Entendo que um esporte como escalada, exigente em tantos aspectos, naturalmente une pessoas com alguns objetivos bem comuns, físicos e mentais, Por isso o grupo se conecta instantaneamente. Foi uma grata surpresa, além das minhas expectativas.

 
 
3 vias da esquerda para direita; 5sup de reglete, 6sup de fenda, 6 grau de fenda (foto). Foi a festa das escaladoras.
 

Algumas aspas interessantes

• Há oito anos a comunidade da escalada passou a repelir a solteira como que numa onda em que todos achavam aquilo perigoso. Eu amo solteira. O que acontece é que as pessoas estavam usando em parede como única ancoragem, aí não dá.

• Meus mosquetões são invertidos na costura, é uma questão de preferência.

• Escalar no sol dobra o grau de uma via (rs).

• Prefiro equipamento multifuncional. Não carrego peso à toa. Indico substituir o cinto do saquinho de magnésio por uma fita ou cordelete. Pode ser bem útil.

• Comunicação com seu segurança ou com o seu primeiro, sempre que possível.

• Nunca, mas nunca, comece o rapel se não sentir seu peso no equipamento.

• A solteira no loop costuma ficar lá por anos. De quando em quando, cheque se o atrito dos dois tecidos não causou dano. Foi assim que Tod Skinner morreu.

 
Mariana Grebler
 

 

Como chegar:

Pela via mais econômica o voo foi da Air Canada com escala em Toronto saindo de SP e chegando em Denver. Não sei se valeu a pena pois foi bastante longo. De Denver, peguei um voo da United que sai 2x ao dia. Bom preço mas escala longa, apenas um pela manhã (muito cedo) e um pela tarde (longa espera).

Indico avaliar se não vale a pena chegar em Salt Lake City e dirigir até lá, o que grande parte de minhas colegas fez. Ou, o que me interessa mais, pegar o carro em Denver e ir parando no diversos picos de escalada no caminho: Boulder, a região de Estes park, Golden, Aurey, dentre outras, sentido Moab. Deve ser uma viagem bonita.

Aluguei um carro no aeroporto (minúsculo) de Moab. Paguei 300 dólares por 7 dias. Em Denver, o aluguel para o mesmo período, era metade do preço. Vale considerar… (o voo de Denver para Moab custa 100 dólares ida e volta).

Aspas

* março/abril e *set/outubro. Dizem que março pode estar muito frio ou molhado. Outubro foi perfeito. Temperatura de 24 graus de dia (no deserto parece 30 mas setores sempre na sombra) com mínimas de 10.

** todos os sentidos se relacionam à rodovia principal que corta a cidade (191).

 

 
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