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Thundu Sherpa - Uma lenda feita e perdida nas montanhas
 
texto: Alex Staniforth
1 de dezembro de 2016 - 10:35
 

Lakpa Thindu Sherpa e eu. Foto: Divulgação
 

Isso certamente não é algo que eu gostaria de estar escrevendo.

Essa semana o meu amigo Lakpa Thundu Sherpa morreu em uma avalanche no Ama Dablam. Isto foi provocado por um terremoto - uma réplica do grande terremoto que avassalou o Nepal em 2015. O que parece mais trágico é que Thundu estava conosco no Acampamento 1 no ano passado, quando aquele terremoto atingiu, e acabou sendo levado por uma réplica 18 meses depois.

Qualquer um pode postar uma homenagem no Facebook, mas eu senti que Thundu merece muito mais. Eu só tinha conhecido Thundu por um curto período de tempo, estive em sua companhia apenas algumas semanas, mas tenho orgulho de chamá-lo de amigo. O povo Sherpa no Nepal vivem mundos à parte das pessoas que visitam as montanhas do Himalaia, mas a amizade formada é quase instantânea - e muito especial. Nós nos encontramos pela primeira vez no Everest no ano passado, mas eu consegui conhecê-lo muito melhor no Cho Oyu (Tibet) neste Outono. Estou muito grato por ter tido a chance.

Thundu sempre se destacou para mim. Era um homem despretensioso e muito discreto entre gigantes, precedido de força sobre-humana, paciência e gratidão. Quando eu estava doente no Cho Oyu e tive que me recuperar no Campo Intermediário, Thundu desceu do Acampamento Base Avançado (3 horas) para ficar de olho em mim. Eu não poderia ter um rosto mais reconfortante ao meu lado. Naquela noite ele estava relutante em compartilhar a barraca comigo, com receio de tomar meu espaço (ou talvez eu simplesmente não cheirava muito bem!) E de bom grado me trouxe um pote de macarrão e chá com leite. Felizmente ele se juntou a mim, e me mostrou o saco de dormir que ele ganhou de Sir Ranulph Fiennes quando Thundu o guiou no Everest. Ele perdeu os outros itens na avalanche do Everest no ano passado.

Eu nunca gostei de classificar os Sherpas pelos números de vezes que eles escalaram uma montanha. Isso não diz nada sobre sua natureza leal, humildade e carisma, ou as famílias que trabalham tão duro para apoiá-los - mesmo com o sacrifício de suas vidas. Tendo escalado Everest nove vezes e Annapurna entre muitos outros, Thundu era muito respeitado, mas incrivelmente modesto sobre suas realizações surpreendentes. Muitos alpinistas não iriam sem ele ao seu lado. Ele me tratou como a realeza, mas eu não me senti digno de compartilhar uma barraca com ele! Na manhã seguinte Thundu apareceu sorrindo na barraca com um pacote de biscoitos. "Como você está se sentindo?", ele sorriu. Deus sabe onde ele encontrou um pacote de bolachas a 5.400 metros! Mas ele sempre fazia algo a mais para ajudar as pessoas. Quando chegou a hora de arrumar a barraca, ele insistiu que eu descansasse, mas eu me sentia culpado. No trekking para o campo base compartilhamos histórias. Ele falou orgulhosamente de seus dois meninos, de 8 e 14 anos, e sua esposa Bandi. Ele imitou como ela sempre lhe dizia para não escalar, e o quanto seria ruim para seus meninos se ele morresse - mas ele sabia que tinha que fazer isso. Desolador, especialmente agora. Eu perguntei o que ele faria se ele não estivesse escalando. Ele não sabia.

   
A alegria de Thundu durante a cerimônia Puja. Lakpa Thundu Sherpa.
   

Seu irmão era um guia de trekking, sua mãe era uma camponesa e ainda vivia em sua cidade natal de Pangboche. Ele gostava de voltar para casa para comer um prato de batatas fritas que ela fazia como ninguém. O pai de Thundu abandonou o lar quando ele tinha apenas 3 anos, então, infelizmente, eles não podiam pagar a escola.

Eu desfrutei de sua companhia e de sua risada de menino. Ele estava relutante em compartilhar a minha comida - mas finalmente aceitou, e nós compartilhamos uma barra de Twix pelo caminho, bem no meio de uma bela vista da montanha. Ele me garantiu que o acampamento base estava a apenas quarenta minutos de distância. Semanas mais tarde, eu estava me aproximando do Acampamento 2 (mais de 7000m) - completamente exausto e caído de joelhos - e mais uma vez foi Thundu quem apareceu primeiro, tirando o peso da minha mochila de mim e passeando sem esforço pelo acampamento. E eu poderia dizer muito mais sobre ele.

Os sherpas têm tão pouca coisa, mas dão muito, e só pareceu certo retornar sua gratidão, mesmo em uma pequena forma em comparação com o que eles fazem por nós. Horas após a má notícia eu falei em um pequeno evento local, que tomou um curso diferente e disse ao público sobre como Thundu era uma pessoa especial. Nós conseguimos naquele momento angariar £ 200 para doar a sua esposa e filhos e eu espero conseguir mais.

Do Himalaia a Hale, brindamos em sua memória. Nesta expedição o encanto de Thundu tinha tocado a vida de 23 pessoas que nunca o haviam conhecido, e tocou no meu também. Descanse em paz meu amigo - você foi altruísta até o final, e sentiremos muita saudade.

 
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