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Pelos Cânions do Rio Grande do Sul
 
texto: Paulo Saczuk Jr
27 de agosto de 2015 - 14:10
 

Paulo no último contorno C�nion Amola Faca - Foto Sergio Faria
 

“O dias que estes homens passam na montanha, são os dias em que eles realmente vivem. Quando a mente se limpa das teias de aranha e o sangue corre com força pelas veias. Quando os cinco sentidos recobram a vitalidade e o homem completo se torna mais sensível e então já pode se ouvir as vozes da Natureza, e ver as belezas que só estão ao alcance dos mais ousados e do que tem coragem para ousar novos desafios.”

Reinhold Messner

Com o pensamento nestas palavras partimos em mais uma aventura e desta vez tendo como nosso destino os Cânions do Rio Grande do Sul, mas precisamente iniciando nossa jornada em São José dos Ausentes. Esta cidade histórica com suas inúmeras belezas que abriga também o Pico Monte Negro ponto mais alto do Estado.

É também uma das cidades mais frias do Rio Grande do Sul. Portanto para quem deseja visitá-la é bom estar prevenido mesmo no verão, pois as temperaturas podem ser bem rigorosas. O fenômeno da viração (diferença de pressão entre o litoral e os campos de cima da serra, que faz com que uma grande quantidade de nuvens suba em direção ao cânion) ocorre quase que diariamente, e é um grande espetáculo. Lá se destacam também o rico manancial hídrico (de onde brotam as nascentes de rios cristalinos) e a presença de belas aves, como a Corucacas, (símbolo do município), o Carcará, a Siriema, o Jacu e a Gralha Azul, entre outras.

Saímos de Curitiba no dia 3 de junho rumo a São José dos Ausentes, mais precisamente para o Sitio Vale das Trutas, que seria nosso ponto de partida e chegada para os quatro dias de caminhada circundando as bordas do cânions da região. O Sitio Vale das Trutas é uma ótima opção para início das caminhadas e expedições locais, pois conta com toda estrutura como chalés, restaurante, área de lazer e tudo o que é necessário para organização e preparação para os dias que estaríamos na região dos Cânions.

Chegamos por volta das 17h30, após longas porém agradáveis horas de estrada proporcionadas pelas belas paisagens da região. Alugamos um chalé para passarmos a noite e preparamos todo o equipamento que utilizaríamos nos quatro dias de travessia.

     
     

No dia 4 de Junho acordamos às 05h30 da manhã, fizemos os preparativos finais com as mochilas e alimentação e nos dirigimos a sede do sitio para tomarmos o café da manhã e iniciamos o trajeto programado de mais de 70 km pela região. Começamos a caminhada às 08h30. Nosso ponto de partida foi a estrada que sai do Sitio contornando a propriedade levando a parte alta da região, tendo como primeiro objetivo a chegada ao Cânion da Rocinha. Após uma hora de caminhada aproximadamente saímos então desta estrada para ingressar em definitivo pelos campos que levam aos cânions. Parte deste caminho é tranquilo com uma vegetação rasteira e trilhas que o gado criado na região acaba deixando como boa opção de percurso para descanso das pernas.

Um detalhe importante de toda a travessia é que esta mesma vegetação em muitos trechos possui uma altura considerável, que acaba desgastando bastante a musculatura, sem contar os pontos em que ela está encharcada podendo afundar as pernas acima do joelho com muita facilidade. Estes trechos no caso os charcos, devem ter o cuidado redobrado principalmente pelo fato de estarmos com mochilas cargueira com uma média de 20 kg para mais, aumentando o risco de uma pisada em falso, podendo travar as pernas jogando o peso do seu corpo para frente causando fraturas ou torções por estresse. Por isso é recomendado caminhar sempre de olhos bem abertos e não se enganar com o terreno que causa uma falsa ilusão de facilidade no trajeto, que acaba por muitas vezes tirando nossa atenção, podendo ocorrer acidentes.

Neste primeiro dia em que nosso objetivo era a chegada ao Cânion Rocinha sendo este nosso primeiro ponto para acampamento, passamos por trechos com muitas dificuldades devido justamente as áreas de charco, incluindo um córrego largo e com muita lama no qual tivemos que utilizar um cedro derrubado como ponte para cruza-lo, foi um grande empenho que nos custou quase uma hora de trabalho para retomar a caminhada.

     
     

Outro detalhe desgastante são as inúmeras vezes que em se faz necessário passar pelas cercas das fazendas, pois a rota dos cânions passa por áreas de propriedade particular, nestes trechos é preciso tirar e colocar a mochila para fazer a passagem e por mais simples que isso possa parecer, acaba desgastando fisicamente também.

Após aproximadamente nove horas de caminhada e cerca 20 km percorridos, sendo a metade deste percurso com um visual incrível do Cânion da Rocinha chegamos ao ponto de acampamento contemplados com um belíssimo por do sol. Montamos rapidamente as barracas e pudemos observar em questão de minutos a formação do fenômeno muito comum na região conhecido como viração, causado pela diferença de pressão entre o litoral e os campos de cima da serra, que faz com que uma grande quantidade de nuvens suba em direção ao cânion fechando completamente o visual. Jantamos e após debatermos as adversidades e belezas do primeiro dia nos dirigimos as barracas para dormir e recuperar as força para o dia seguinte.

No segundo dia com uma mudança nos planos iniciais, devido a possibilidade de chuva forte para o período da tarde, optamos em deixar o acampamento montado e fazer um giro maior, saindo do ponto de acampamento no Cânion da Rocinha para circundar a borda do Cânion Amola Faca que na minha opinião é o mais bonito da região por sua fantástica formação que da origem ao seu nome.

Iniciamos a caminhada beirando a cerca de uma fazenda e logo pegamos a parte que dava início a borda do Amola Faca, com paisagens e paredões de tirar o fôlego. Fizemos uma parada para almoçar por volta das 13h00 em um dos trechos mais bonitos do Cânion com a visão total de sua extensão e de sua marcante formação. Seguindo com um ritmo similar ao do primeiro dia embora livres o peso das mochilas cargueiras acabamos completando o percurso em um horário similar devido a maior extensão percorrida que neste dia ficou na média de 23 km marcados no GPS.

     
     

Chegamos no acampamento por volta das 16h30, e com o sol ainda forte foi possível tomar um banho de rio em uma água extremamente gelada, porém muito revigorante. Jantamos e ainda foi possível contemplar um céu estrelado e uma lua simplesmente fantástica que nos renderam fotos extraordinárias, que retratam o quão bonita é noite nesta região do Rio Grande do Sul.

Acordamos as 05h30 da manhã para o terceiro dia da travessia tendo como destino desta vez o Cânion Boa Vista e para este trajeto a logística ficaria um pouco mais complicada, em função de desmontar nosso acampamento pois passaríamos nossa última noite no vale do Boa Vista. Durante a caminhada novos panoramas e visuais deslumbrantes da região, tendo neste dia com ponto culminante do percurso o difícil acesso a travessia de um rio que cruzamos por duas vezes. Seguimos com uma parada para almoçar por volta de 12h40 em uma parte mais baixa do cânion, devido aos fortes ventos e a temperatura que havia caído abruptamente. Forças renovadas retomamos a caminhada chegando ao vale do Boa Vista que possui uma cachoeira maravilhosa porém com água muito gelada, onde armaríamos nosso último acampamento. Após jantarmos e contemplarmos um céu estrelado dos mais bonitos que vi até então, fomos dormir por volta das 22h30 para descansar para o quarto e último dia de nossa travessia.

     
     

Bem como tudo que é bom dura pouco, acordamos às 06h00 para então completar a última parte de nossa travessia. Ao começar a desmontar o acampamento e arrumar as mochilas, começava a bater em todos nós a saudade dos dias e momentos passados, de todos os lugares magníficos que havíamos passados, das amizades que fizemos no caminho e certos de havia valido muito a pena todo nosso esforço. Tomamos o café da manhã e saímos do vale do Cânion Boa Vista por volta das 08h30 para percorrer os 15 km restantes que nos levariam até nosso destino final, o Cânion Monte Negro e ao Pico Monte Negro sendo este o ponto mais alto do Rio Grande do Sul com 1.403 metros de altitude. Para o trajeto final levamos em torno de cinco horas chegando a estrada que da acesso a trilha do Pico Monte Negro.

Chegando lá abandonamos as mochilas no mirante e percorremos uma trilha de fácil acesso que leva ao cume, onde o visual compensa mesmo todo empenho que tivemos nos últimos dias. Tiramos várias fotos, assinamos o livro do cume e pegamos novamente a trilha para voltarmos a estrada e ao carro que nos levaria de volta ao nosso ponto de partida, o Sitio Vale das Trutas onde fizemos um almoço comemorativo ao término de nossa travessia. Após a confraternização levamos nossas coisas para o chalé, um merecido banho quente, lareira acesa e um bom vinho para sim fechar com chave de ouro nossa viagem.

 

Segunda noite, proximo a serra da Rocinha - Foto Eduardo Bassotto
 

No dia seguinte, após uma noite de sono bem dormida e desta vez no conforto do chalé, levantamos e arrumamos as coisas para nosso retorno para casa. Café da manhã tomado e bagagens no carro, nos despedimos do pessoal do sitio e partimos para conhecer ainda dois pontos turísticos espetaculares do Rio Grande, o Cachoeirão dos Rodrigues e o Desnível dos Rios, dois lugares realmente fantásticos que não podem passar despercebidos por qualquer pessoa que deseja visitar a região. E com estas imagens e lembranças maravilhosas de mais esta incrível viagem, retornamos para casa certo de retornar para explorar outros lugares tão fantásticos como este que conhecemos nesta travessia. Nossos sinceros agradecimentos a Botas Snake pelo apoio para a realização de mais este projeto, a nosso grande amigo e guia nesta travessia Evandro Luis Clunc da Sol de Indiada e ao Portal Extremos pelo continuo incentivo dado ao nosso esporte.

Dedicamos esta travessia a Dean Eldridge que recentemente perdeu sua vida, vítima de um acidente de paramotor. Nos lembraremos sempre com muito orgulho das suas grandes realizações, de suas conquistas, das imagens incríveis em seus documentários e de tudo que você realizou ao lado do nosso amigo Sylvestre Campe. Seus feitos continuaram incentivando os amantes do esporte por todo o mundo ( R.I.P. Dean )...

     
     

Equipe

Paulo Saczuk Jr
Sergio Roberto Faria
Reni Pulter
Jaime Biernaski

Paulo Saczuk Jr

 
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