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Por que ainda estamos falando sobre Chris McCandless?
 
texto: Laura Moss - MNN
tradução: Giancarlo Zambiazzi
30 de julho de 2015 - 7:55
 

Foto real de Chris McCandless em 1992, sentado em frente ao ônibus 142, que ficou conhecido como o Magic Bus.
 

Em agosto de 1992, caçadores de alce descobriram o corpo de um jovem em um ônibus abandonado no ermo profundo perto do Parque Nacional Denali do Alasca.

O corpo foi eventualmente identificado por ser de Chris McCandless, um graduado com honras de 24 anos vindo de uma abastada família da Virgínia. Dois anos antes, McCandless havia cortado laços com sua família, doado 24 mil dólares de suas economias para a caridade e viajado para o oeste.

Sua jornada por fim o levou ao Alasca, onde caminhou sozinho para o ermo e passou mais de 100 dias lá, vivendo da terra através da caça e coleta.

Quando seu corpo foi encontrado semanas após sua morte, McCandless pesava 30 kg e médicos legistas do Alasca listaram inanição como a causa da morte oficial.

O escritor Jon Krakauer compartilhou a trágica história de McCandless na edição de janeiro de 1993 da revista Outside e mais tarde em seu best-seller “Into the Wild”, que inspirou um premiado filme de mesmo nome.

Para algumas pessoas, a história de McCandless é apenas um conto de prevenção, um lembrete da realidade áspera da natureza e a inabilidade da humanidade de dominá-la.

Mas os mais apaixonados por sua jornada tendem a cair em um dos dois campos: os que o vêem como uma figura heróica que ousou viver uma vida livre das restrições da civilização e da cultura consumista e aqueles que o criticam por aventurar-se despreparado na região selvagem do Alasca e a inspirar inúmeros outros a fazer o mesmo.

Vinte e três anos após sua morte, McCandless atraia a atenção das pessoas que continuam debatendo sua causa da morte, condenando suas escolhas e discutindo como elas também podem deixar tudo para trás e se entregar a natureza selvagem.

     
     

Peregrinação ao “Magic Bus”

O ônibus onde McCandless morreu foi levado para a mata perto do Parque Nacional Denali na década de 1960, onde uma cama e um fogão foram instalados para abrigar trabalhadores que construíam uma estrada. O projeto nunca foi concluído, mas o ônibus permaneceu e McCandless topou com ele a mais ou menos 30 quilômetros do vilarejo de Healy. Ele o nomeou “Magic Bus” e viveu nele por meses.

Após sua morte, Krakauer e os pais de McCandless visitaram o ônibus de helicóptero, onde instalaram uma placa para imortalizar seu filho e, além disso, deixaram um kit de emergência com um bilhete estimulando os visitantes a “ligar para seus pais assim que possível”.

Dentro do ônibus há também uma mala cheia de blocos de notas, um dos quais contém uma mensagem do próprio Krakauer: “Chris – Sua memória viverá em seus admiradores. - Jon”.

Esses admiradores transformaram o enferrujado ônibus Fairbanks 142 em um santuário para McCandless. Os blocos de notas e as paredes do ônibus estão cheias de citações e reflexões rabiscadas pelos “peregrinos de McCandless”, como os residentes de Healy os chamam.

Mais de 100 desses peregrinos vêm anualmente, de acordo com uma estimativa local, e Diana Saverin escreveu a respeito do fenômeno na revista Outside em 2013.

Durante sua própria caminhada ao “Magic Bus”, Saverin encontrou um grupo de andarilhos encalhado do outro lado do Rio Teklanika, o mesmo rio que impediu que McCandless caminhasse de volta à civilização por volta de um mês antes de sua morte, e o mesmo rio onde Claire Ackermann de 29 anos afogou-se em 2010 durante sua tentativa de alcançar o ônibus.

Desde então, as famílias Ackermann e McCandless pressionaram para a instalação de uma passarela para tornar a travessia do rio segura, mas os locais temem que tal ação possa encorajar mais pessoas a aventurarem-se na selva sem estarem preparadas para lidar com ela.

Houve uma conversa sobre realocar o ônibus em um parque onde fosse mais acessível, ou simplesmente queimá-lo por completo.

Enquanto essa última decisão pareça extrema para um forasteiro, tal ação seria um alívio para alguns dos moradores do Alasca. Um soldado do exército disse a Saverin que 75 por cento dos resgates feitos na área acontecem na trilha que leva ao ônibus.

A ideia de um ônibus velho onde um jovem morreu é desconcertante para a maioria dos habitantes do Alasca.

“É algum tipo de coisa interna que os fazem sair para ir àquele ônibus”, um soldado disse a Saverin. “Não sei o que é. Eu não entendo. O que faria uma pessoa seguir os caminhos de alguém que morreu porque era despreparado?”.

Craig Medred, que escreveu numerosos artigos insensíveis sobre McCandless no Alaska Dispatch News, um website de notícias, foi tão crítico a respeito dos peregrinos quanto foi do próprio McCandless, observando a ironia de “americanos urbanos e egocêntricos, pessoas mais destacadas da natureza que qualquer outra sociedade da história humana, cultuando o nobre narcisista suicida, o vagabundo, ladrão e larápio Chris McCandless”.

Entretanto, os peregrinos continuam a vir e muitos compartilham histórias comoventes e revelações de seus diários em websites devotados a McCandless. Mas, para alguns, a busca para o ônibus termina apenas em desilusão.

Quando Chris Ingram tentou visitar o local da morte de McCandless em 2010, chegou apenas alguns dias após a morte de Claire Ackermann e concluiu que o ônibus não valia a sua vida.

“Eu tinha uma ampla quantidade de tempo ao longo da trilha para contemplar a história de Chris, assim como minha própria vida”, ele escreveu. “A natureza selvagem é apenas isso, selvagem. Imutável, imperdoável, ela sabe e não se importa com sua própria vida. Ela existe por si só e não é afetada pelos sonhos ou preocupações do homem. Ela mata o despreparado e desatento”.

     
     

O homem que tornou Chris McCandless famoso

Críticas culpam Krakauer pelo fluxo constante de peregrinos para o ônibus, acusando o premiado escritor de romantizar a trágica história.

“Ele foi glorificado na morte porque estava despreparado”, escreve Dermot Cole, um colunista para o Fairbanks Daily News-Miner. “Você não pode vir ao Alascar e fazer isso”.

Entretanto, enquanto muitas pessoas acreditam que McCandless morreu devido a sua própria falta de preparação e de experiência ao ar livre, Krakauer sustém que inanição não foi o que sofreu o jovem, e investiu anos de sua vida e milhares de dólares estudando diversas teorias que levaram a debates de suas críticas, assim como a múltiplas revisões de seu livro.

Krakauer diz que uma das peças-chave da evidência que suporta sua última teoria é uma breve entrada no diário de McCandless feita na parte de trás de um livro sobre plantas comestíveis.

“Há uma passagem que você simplesmente não pode ignorar, que é 'Extremamente fraco. Culpa das sementes de batata'”, Krakauer disse à Rádio Nacional em maio. “Ele não disse muito naquele diário, e nada definitivo. Ele tinha razões para acreditar que essas sementes – e não todas aqueles outros alimentos que havia fotografado e catalogado – o haviam matado”.

A anotação refere-se às sementes da batata Eskimo e Krakauer diz que as sementes haviam se tornado a principal dieta de McCandless em suas últimas semanas de vida.

Em 2013, Krakauer decidiu testar as sementes para uma neurotoxina chamada beta-ODAP após ler sobre envenenamentos em campos de concentração nazistas. Ele contratou uma empresa para analisar as amostras de sementes e descobriu que elas continham uma concentração letal de beta-ODAP. Krakauer escreveu no The New Yorker que isso “valida [sua] convicção que McCandless não era tão ignorante e incompetente como seus depreciadores o transformaram”.

Entretanto, inúmeros cientistas disputaram sua teoria e apontaram que essa não era a primeira das teorias de Krakauer a ser contestada.

Em 1993, em seu primeiro artigo sobre McCandless, Krakauer escreveu que “É muito provável que McCandless tenha, por engano, comido algumas sementes de ervilha de cheiro selvagem e ficado gravemente doente”. Porém, em “Na Natureza Selvagem”, que foi publicado em 1996, ele mudou de ideia, dizendo que suspeitava que McCandless na verdade morreu por consumir sementes venenosas de batata selvagem – e não ervilha de cheiro selvagem.

Para dar validade à sua teoria, Krakauer coletou amostras da planta que cresce perto do Magic Bus e mandou as vagens secas da semente para o Dr. Thomas Clausen na Universidade do Alasca; entretanto, nenhuma toxina foi detectada.

Então, em 2007, ele ofereceu a seguinte explicação: “Agora, depois de pesquisar em revistas de medicina veterinária, passei a crer que o que o matou não foram as sementes em si, mas o fato de elas terem sido guardadas úmidas em sacos plásticos ziploc e assim elas ficaram bolorentas. E o mofo produz esse alcalóide tóxico chamado suainsonina. Minha teoria é essencialmente a mesma, mas a refinei um pouco”.

Em 2013, então, quando Clausen escreveu que estava “muito cético” a respeito da causa da morte defendida por Krakauer, este executou análises mais sofisticadas nas sementes em um laboratório.

Ele descobriu que as sementes realmente continham a toxina, mas não era beta-ODAP – era L-canavanina. Ele publicou os resultados em uma revista no começo daquele ano.

Enquanto isso, Clausen diz que está esperando por uma análise independente para confirmar os resultados. Jonathan Southard, um bioquímico da Indiana University of Pennsylvania que auxiliou Krakauer nos testes, defendeu a pesquisa, dizendo que a controvérsia “tem a ver com a história, não com a ciência. E o povo do Alasca parece ter pontos de vista bem firmes em relação a isso”.

Enquanto Krakauer tem evidência científica em seu lado, o debate sobre como McCandless morreu provavelmente irá continuar e provavelmente Krakauer continuará afirmando que McCandless não morreu simplesmente porque ele era inexperiente e despreparado.

“O que ele fez não foi fácil”, disse. “Ele viveu da terra por 113 dias em um lugar que não é brincadeira, e realmente se saiu bem. Se ele não tivesse se enfraquecido por essas sementes, tenho certeza que ele teria sobrevivido”.

As pessoas especularam que talvez a insistência de Krakauer nesse assunto tem mais a ver com ele mesmo do que com McCandless.

Afinal, assim como Krakauer declara na introdução de “Na Natureza Selvagem”, ele não é um biógrafo imparcial. “A singular história de McCandless atingiu tal tom pessoal que uma interpretação imparcial da tragédia tornou-se impossível”, ele escreve.

De fato, ao longo do livro Krakauer inclui seus pensamentos pessoais sobre McCandless e até inclui uma longa narrativa sobre suas viagens quase fatais.

Um professor de Anchorage, Ivan Hodes, pensa que o investimento pessoal de Krakauer em McCandless é o que torna difícil para o escritor aceitar o destino do jovem. “Krakauer precisa saber o que aconteceu porque olhou no rosto morto de McCandless e viu ele próprio”, escreveu no Alaska Commons.

     
     

Um legado complexo

A indagação de como McCandless morreu continuará a ser feita, assim como o porquê ele escolheu deixar para trás a civilização e caminhar para a natureza selvagem. Opiniões sobre isso variam dependendo de quem se lê; não apenas Krakauer escreveu sobre isso extensamente, mas também os pais de McCandless, sua irmã e inúmeros outros.

Mas a principal questão da discussão sobre McCandless é se ele é um homem digno de admiração ou condenação.

Opiniões fortes – a favor e contra – são a razão do artigo inicial de Krakauer sobre McCandless ter gerado mais correspondências que qualquer outro artigo na história da revista.

Para algumas pessoas, McCandless é simplesmente um jovem egoísta e lamentavelmente ingênuo que vagou despreparado para os ermos do Alasca e teve exatamente o que mereceu.

Para outros, é uma uma inspiração, um símbolo de liberdade e personificação da verdadeira aventura.

Mesmo enquanto estava vivo, algo sobre McCandless conseguia mover pessoas para mudanças dramáticas, como evidenciado por seu efeito causado em Ronald Franz, então com 81 anos, que encontrou McCandless em 1992 antes de o jovem partir para o Alasca. Os dois ficaram próximos e, ao receber uma carta de McCandless instigando-o a mudar seu estilo de vida, Franz fez exatamente isso, colocando seus pertences em um armazém e partindo para o deserto.

Mas em sua morte – e sua imortalização em literatura e filme – McCandless teve uma influência muito maior.

Lendo “Na Natureza Selvagem”, é fácil entender por que ele capturou a imaginação de tantos e inspirou jornadas à natureza. Enquanto certamente é uma história de tragédia, é também uma visão atraente e profunda no porquê frequentemente nos voltamos para a natureza em busca de respostas para as questões da vida.

“O núcleo básico do espírito vivo de um homem é sua paixão por aventura”, McCandless escreveu em sua carta para Franz. Ao ler isso entre as páginas do livro de Krakauer, não é surpreendente que muitos leitores partiram, por sua vez, para suas próprias aventuras.

Entretanto, enquanto McCandless será sempre um herói para alguns, também terá sempre seus depreciadores. Afinal, ele é apenas humano.

Talvez, Hodes coloca de melhor forma quando escreveu:

“Chris McCandless era profundamente gentil e supremamente egoísta; tremendamente bravo e tolo de cair o queixo; impressionantemente competente e enormemente incapaz; dito isso, ele foi talhado da mesma madeira retorcida que o resto de nós.”Ivan Hodes
 
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