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Além da Metafísica
 
texto: Quésia Cunha e Maria Luíza
13 de junho de 2015 - 13:30
 

Brincando com as cenas para as fotos no Salar Uyuni.
 

Na metafísica, impenetrabilidade é o nome dado à qualidade da matéria pela qual dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. Mas, quem, disse que concordamos com essa teoria? Com um pé no Chile e outro na Bolívia, contrariando o saber de Newton e realizando um sonho, começa a nossa segunda viagem de aventura, Salar de Uyuni!!!

 

O Salar de Uyuni é uma imensa planície de sal com mais de dez mil quilômetros quadrados e está a uma altitude de 3.656m acima do nível do mar. Ele foi formado pelas transformações de diversos lagos pré-históricos e é a maior reserva de lítio do mundo! Talvez, a bateria do seu celular ou tablet, tenha lítio do salar e você nem sabe.

Nossa van com mais quatro pessoas além de nós duas, Quésia e Maria Luíza, mãe e filha respectivamente, nos embreou pelas tortuosas estradas da Bolívia a realizar mais um sonho de aventura. Com algumas paradas estratégicas pelo percurso nos deslumbramos com um cenário incrível e inesquecível composto de lagunas coloridas, thermas, Deserto de Salvador Dali que recebeu esse nome pela similaridade surrealista e onírica com as obras do grande pintor espanhol e muitas outras paisagens áridas e lindas!

Chegamos a 4.900m de altitude onde gêiseres brotam larvas quentes do fundo da terra, mas, que não nos impressionou muito, talvez pela experiência de ter visto o mesmo fenômeno no Atacama, mas, ainda assim, um incrível prodígio a ser respeitado.

A altitude mostrou suas garras ao derrubar sem piedade a mim, Quésia, com fortes dores de cabeça, vômitos e mal estar. Antes de embarcar nessa aventura, estava muito segura, visto que em outras viagens havia chegado a 5.550m de altitude sem problema algum. No entanto, nosso organismo pode nos surpreender a cada nova experiência e dessa vez não reagiu bem e eu me contorcia de dores de uma forma nunca antes sofrida e que me levou ao limite das forças.

     
     
“Eu fiquei realmente muito preocupada e tentava ajudar minha mãe mas, não tinha muito a ser feito pois, ela não conseguia reter medicamentos e nem alimentos no estômago que logo vomitava em espasmos violentos.

Pelo percurso eu ia conhecendo as incríveis lagunas coloridas que possuem uma coloração avermelhada devido a presença de sedimentos e de algas, um fenômeno parecido com o que acontece no mar vermelho. Em tons de branco, azul e verde outras lagunas tornam o cenário surreal e é frequentemente habitada por exibidos e elegantes flamingos. E enquanto isso minha mãe sofria no carro com os olhos cobertos para não sentir a luz do sol e tentava de alguma forma recuperar a pouca força que tinha.”
Maria Luíza,
a filha

Pela manhã uma médica portuguesa que estava em outra trip foi me avaliar e determinou que eu retornasse imediatamente para uma menor altitude porquanto, já estava apresentando sinais de desidratação. Eu havia passado a noite em claro vomitando muito e agonizando em função do agravamento do mal de altitude.

O mal da altitude, também conhecido como mal da montanha, das alturas ou hipobaropatia, é uma condição patológica relacionada com os efeitos da altitude causada por exposição aguda à baixa pressão parcial de oxigénio a altas altitudes e, ocorre normalmente acima dos 2.400m.

É certo que o quadro podia evoluir para coisa bem pior, mas preferi resistir um pouco mais, pois, não havia me preparado para lidar com a frustração de não conhecer o Salar de Uyuni. Acho que essa dor era bem mais difícil de lidar que minhas vísceras quase saindo para fora.

Estar viajando com em grupo te possibilita vivenciar histórias de solidariedade e compartilhamento que deixam marcas indeléveis por toda a vida. Sofrer o mal de altitude me penalizou sensivelmente, mas, se comparado aos momentos de solidariedade e carinho partilhado pelo grupo foi algo pequeno e que não tem preço e nem remédio que se iguale. Várias pessoas ofertavam medicamentos, sacos para vômito (todos que possuíamos haviam sido usados), frutas, além da preocupação e palavras de carinho e incentivo que foram como um balsamo para o mal estar.

Ainda bem que resistir deu certo, no dia seguinte, todos na mesma sintonia e quase mesma saúde, juntos para completar o último trecho que nos levaria ao salar! Nosso grupo decidiu ver o nascer do sol na Isla Incahuasi. Essa alternativa é uma escolha do grupo, porquanto, para chegar a ilha antes do romper da aurora é necessário enfrentar um frio congelante às 4:30 da manhã.

Ao sairmos para ajeitar nossas mochilas no carro, nos deparamos com um estonteante céu com miríades de estrelas e uma sorridente e cálida lua. Tinha chovido durante a noite e foi o suficiente para desanimar a maior parte dos trilheiros que estavam hospedados no hostel. Para nossa trip, foi uma recompensa aquela abóboda de astros brilhantes no céu e um prenúncio do que estava por vir.

     
     

Ao chegarmos ao salar, ainda na escuridão, nosso guia desligou as luzes do carro e ficamos boquiabertos de emoção! Seguir a planície de sal e céu de estrelas é uma lindeza impactante e inesquecível. Percorrer a extensão plana sentindo a noite e o silêncio nos transportou para a magia que só é possível viver quem se permite sair das referenciais urbanas de conforto, ter espírito aventureiro, desapego e viajar com simplicidade e absoluta expectativa de beleza plena. Necessariamente, é preciso trazer uma dose de sensibilidade para reconhecer a magnitude da natureza.

De repente a voz de Eddie Vedder ecoa pelo carro, pelo cenário e dentro de nós. A combinação da música e do espetáculo ao redor nos trouxe uma sensação que jamais vamos esquecer. Foi uma combinação perfeita, quase que necessária e inexplicável. “Você pensa que você tem que querer mais do que precisa” ele dizia e continuava a soletrar em melodia pelas nossas mentes que éramos uma sociedade louca. E refletir naquele instante que realmente somos loucos fez todo o sentido! Somos loucos quando precisamos de sempre mais! Que nossa necessidade seja de conhecer o mundo e de momentos de entrega e conexão! Como ele diz ainda em outra canção, “i’m alive!!” estamos vivos e precisamos nos sentir parte de todos os lugares!!

Dizem que o Salar de Uyuni contém mais de 10 bilhões de toneladas de sal e sua concentração é facilitada pelo fato de ser uma região muito árida. O que podemos dizer é que ele é bilhões de vezes uma beleza cênica que emociona os olhos de quem vê e quem ainda não viu deve ir lá e conferir!

Ao chegarmos a isla Incahuasi com corais petrificados e cactos gigantes por todos os lados e que sobrevivem, sabe lá Deus como a tantas intempéries, fomos chicoteadas pelo vento frio. A Ilha leva o nome em homenagem aos incas que viveram lá e todo o cenário circundante é surpreendente pela aridez e ventos cortantes. Seguir a colina na escuridão e na friagem é recompensado pelo brilhante nascer do sol no horizonte que rompe sobre as nuvens nas cores vermelho, laranja e amarelo intenso! Com o suave calor que vai aquecendo a todos nós, nos abraçamos de forma cúmplice na beleza generosa do dia que nos brindava de luz, cor e emoção. Sentimo-nos privilegiadas e muito abençoadas em estar ali.

Enquanto descíamos a colina para nosso café da manhã no salar, outros grupos iam subindo e lamentamos o espetáculo que haviam perdido. No pain, no gain!

O chão do salar é uma profunda camada de sal compactado pelo tempo e pela natureza. Ele é totalmente plano e sólido e com polígonos rachados de uma simetria incrível. O chão tem inúmeros cristais de sal bem duros e que brilham à medida que o sol os ilumina e desperta a criatividade dos turistas em engraçadas e inusitadas fotos.

Conhecemos o museu do sal localizado em um antigo hotel e decorado com esculturas de sal. Também um monumento ao Bolívia Dakar com sua surpreendente rota pelo deserto de sal e muitas bandeiras a tremular com a força dos ventos salgados se destacando na imensidão branca.

O mais incrível é chegar a um pedaço do salar coberto por uma película de água. O reflexo do céu confunde o horizonte e as nuvens refletidas no chão nos dá uma dimensão de estarmos em uma obra de arte pintada com esmero e genialidade.

Correr pelo espelho d’água nos fez perder uma câmera fotográfica novinha e ganhar um passaporte para infância mágica que não se perde dentro de nós.

Bem, nosso texto não tem a pretensão de dar dicas de viagem, mas, em retratar a emoção de viver uma viagem inesquecível ao Chile e Bolívia. Aqui, mãe e filha extraindo aprendizagens de uma excursão que acontece em paralelo a esses roteiros, a viagem para dentro de nós.

Quando nos damos conta que viajar é permitir-se, é estar aberto ao novo e a novos padrões, entendemos que viajar é a melhor forma de aprender sobre lugares e pessoas, sobretudo, como disse o poeta:

“Viajar é mudar a roupa da alma.”Mario Quintana

Definitivamente, viajar não é deixar casa e família, é mais que sair da bolha, é marcar um encontro com novas histórias que você ainda não conhece, é se conectar com outras culturas, povos e com o universo. E se tudo é transitório e efêmero, viajar é, sobretudo, registrar o eterno na alma!!

Marc, Sara, Ioio, Caio, Bernardo, Maria Paz, Karla, Judith, Mathys, foram seres de luz e amigos identificados no caminho e agora amigos de infância. Amigos que produziram a melhor das equações em que um mais um é igual a infinitas possibilidades!

Ah, e a metafísica? Bem, ela se ocupa das “questões últimas” da filosofia, e questiona se há um sentido para a existência do mundo. Ela questiona a organização do mundo se de fato tudo é com o que nos deparamos. A metafísica questiona se é possível outros mundos. Então, nossa dica é, viaje e vá além!

Quésia Cunha e Maria Luíza,
mãe e filha

 
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