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VÍDEOS
 
De Santos a Florianópolis a remo, solo, no inverno
 
texto, fotos e vídeo: Danilo Garcia
30 de dezembro de 2014 - 15:35
 
 
Enfim, na água.



Planejando a navegação do dia.



Equipamentos.



Acampamento na praia de Itapoa/SC.



Pescador local e Paulo Aventureiro - vilarejo Caiçara/PR.



Em Florianópolis, o fim da expedição.


 

Sonhei com essa expedição desde 2010 quando comecei a remar e depois de 2012 ao prometer ao meu irmão mais velho, que mora em Floripa, que de caiaque um dia o iria visitar.

Foi preciso alguns anos para me sentir seguro a encarar sozinho uma viagem longa como essa.

Vim adquirindo experiência e conhecimentos específicos para fazer uma boa análise de riscos e assim julgar e tomar decisões, planejar uma navegação consciente e concisa, aprender a gerenciar incidentes caso pudessem ocorrer, técnicas básicas de mínimo impacto ambiental para os acampamentos e técnicas avançadas e auto-resgates em caiaques oceânicos de expedição.

Nesse período de preparo, após remar do Rio de Janeiro a São Paulo em conta-gotas, finalmente reuni tempo, equipamento, condições físicas e psicológicas necessárias para tentar realizar um sonho: uma grande expedição solo, para o sul, desafiadora em vários sentidos.

Sonhar. Preparar. Planejar. Organizar. Executar.

Com a carona de um amigo, no dia 22 de julho, parti para a casa de outro amigo em Santos e na segunda às 8h estava na água. Embarquei no caiaque e segui rumo ao Forte Itaipu, 8 km depois peguei para direita baia a fora, e com 70 km de água até os dissipados morros de Peruibe, no marzão de azeite taquei pra baixo com com fé em Deus.

A cabeça se mostrou pronta e não senti nada além da vontade de remar, desbravar, conhecer.

Com cerca de três horas de água, entrou um vento SE de 12-15 nós com rajadas de 20 e deixou o mar em carneiros. Quatro horas depois, passada a praia Grande na divisa com Mongaguá, resolvi desembarcar, e o que vi era medonho.

Mar grande com duas barras de ondas frias e de grande volume e um longo período arrebentação. Uma recepção horrorizante para o primeiro dia.

Sem ter o que fazer no meio daquele mar, tentei ler melhor as séries e escolhi a hora para "sair" do mar. Fui pego por trás por numa onda grande de frio invernal, que me catapultou violentamente para a frente e sem entender o que estava ocorrendo, fui ejetado com força do caiaque que fora atropelado e arrastado pelas seguidas ondas para longe de mim. Fiquei a nado, sem caiaque no meio daquele aguaceiro de mar, sentindo o joelho machucado, tentando manter a calma para nadar até a próxima arrebentação para depois chegar a praia. Foram momentos muito difíceis.

Após chegar a praia com dificuldade e recolher alguns equipamentos que se soltaram do caiaque, verifiquei toda a carga e procurei lugar para ficar e aguardar como o joelho ia se comportar. Na manhã seguinte, o resultado era desanimador, acordei com o joelho muito inchado e sem conseguir pisar.

Tive de abortar a expedição para ver um médico.

Resgatado por um amigo, estava eu, toda tralha e o caiaque no carro subindo a serra e voltando para casa, com o psicológico arrasado.

Além do estrago psicológico, o joelho precisou ser engessado e fiquei no antiinflamatório por sete dias com repouso absoluto, havia machucado o menisco.

Esse foi um dos piores momentos da expedição. A dúvida, a vergonha, o medo e as incertezas de algo que sonhei e planejei dois anos, dando errado logo no primeiro dia.

Tive terríveis presságios durante as noites mal dormidas nesse longo período de recuperação. Por vários momentos pensei em desistir, mas me lembrei de tudo o que vivera até ali e não me entreguei.

Enquanto uma frente fria passava por São Paulo, reavaliei os piores trechos e planejei melhor os locais dos desembarques, monitorei as janelas de tempo bom que viria após tirar o gesso do joelho, trabalhei para reverter o psicológico do medo para a coragem e 10 dias depois de joelheira articulada, em 1º de Agosto, estava eu no mar novamente. Mais fé em mim, em Deus e vontade se remar. Parti!

Saindo de Peruíbe, remei a reserva natural de Juréia-Itatins e em três dias já estava em Iguape.

Foi uma viagem incrível. Conheci a temida região da Juréia, de Iguape a Cananéia pelo mar pequeno. Ilha do Cardoso, os inúmeros vilarejos caiçaras do Lagamar ate a formosa Ilha do Mel no Paraná. De Matinhos onde por mau tempo fiquei preso em terra durante cinco dias, conhecendo e aprendendo sobre a pesca artesanal que é muito forte naquele lugar, à divisa do Estado com Santa Catarina no rio Sahy.

Passei Itapoá.

Fui recebido pelo pessoal do Museu Nacional do mar em São Francisco do Sul e dormi com novos amigos no veleiro. Remei todo o canal do Linguado, atravessei rodovia arrastando caiaque, de lá até balneario Barra do Sul e seus inúmeros barcos pesqueiros e dormi na Ilha dos Remédios. Desembarquei na isolada região do Itapocu, onde sofri outra capotagem considerável na praia de mar aberto. Barra Velha, Piçarras, Penha, Armação onde sofri com uma intoxicação alimentar. Fui me aproximando de locais mais abrigados, já próximos a Ilha, vivenciando distintas sensações e situações.

Trabalhando o corpo e a mente, dominando e controlando os medos a ansiedade e a imensa saudade que viera me visitar. Conheci lugares novos, pessoas que vivem do mar e pude compartilhar muitas vezes de abrigo, água e comida com elas, o que foi muito interessante.

Aprendi a analisar melhor, a tomar boas e conservadoras decisões, Acertei 90% das escolhas, das paradas, água, comida, roupas e equipamentos. Foram 22 dias de água, 7 dias perdidos ou ganhos em terra sem gastar um centavo com estadias, acampei e cozinhei durante toda a expedição. Os 10% dos erros na escolha dos desembarques, marés contra, e tempo parado em lugares ruins, serviram para crescimento pessoal.

Após 600km remados, cheguei em Florianópolis feliz, com "o sorriso no rosto, trocado nos bolso e remos na água". Satisfeito com tudo o que vi, sofri, realizei até ali.

A expedição Sollo foi uma das melhores e maiores experiências da minha vida.
Por praticamente 30 dias pude ter intenso contato com o mar, com as praias, com a vegetação e com o povo caiçara que vive em torno deles. Tive intenso contato comigo mesmo.

Foram centenas de quilômetros de suor, empenho, desafios, dedicação e muita persistência para continuar seguindo. Descobri que por mais que haja amor no que faço, é preciso de persistência para seguir. Foi uma bela e magnifica experiência que ganhou forma quando deixei de sonhar para viver.

Faria tudo outra vez.
Amo mais o mar do que antes.
Me conheço infinitamente mais.

Aconselho todos que tenham pelo menos uma vez na vida, experiência como essa, a de viajar só.

Para aqueles que querem ir por água e de caiaque, lembrem-se que a atividade envolve sérios riscos quando feitas sem conhecimento prévio, experiência e preparo. Apesar de uma embarcação minúscula e não motorizada (o que dificulta e muito) o caiaque exige conhecimentos de navegação, meteorologia e técnicas de auto-resgates.

Uma expedição por terra acontece simultaneamente, pois a cada desembarque você precisa cozinhar, dormir e se sentir confortável para seguir na próxima manhã.

Alimentação, hidratação e vestimentas adequadas são tão importantes quanto o próprio fato de saber analisar riscos e saber tomar boas decisões, além de gerenciar incidentes caso aconteçam. Estar apto para minimizar impactos ambientais e cuidar para deixar o caminho livre para os próximos.

O resto, é tempo de caiaque e seu estilo pessoal quem vai te dar.
Boas remadas a todos!

Danilo Garcia
Sollo: Expedição Santos - Floripa