Negativos centenários de Shackleton são encontrados na Antártida
da redação: Elias Luiz - fonte: Folha de São Paulo
10 de janeiro de 2014 - 9:05
 
 
 
Alexander Stevens, cientista-chefe da missão, posa a bordo do navio Aurora. Foto: Antarctic Heritage Trust/Efe
 

A cabana de um explorador preservada na Antártida há mais de um século rendeu agora um tesouro inesperado: negativos de 22 fotografias da expedição fracassada de um colega no começo do século 20. A cabana no Cabo Evans, Ilha Ross, foi estabelecida pelo britânico Robert Scott (1868-1912), o segundo homem a chegar ao polo Sul.

Seu colega e rival Ernest Shackleton (1874-1922) tentou uma ousada expedição entre 1914 e 1917 para cruzar o continente, e parte de sua tripulação usou a cabana.

O Antarctic Heritage Trust neozelandês mantém a cabana como um patrimônio cultural; mais de 10 mil objetos estão ali preservados. Em 2010, por exemplo, durante os trabalhos de conservação, foram achadas três caixas de uísque e duas de conhaque.

Os negativos de nitrato de celulose estavam grudados uns aos outros dentro de uma caixa de madeira.

Um dos fotógrafos da expedição de Shackleton, Herbert Ponting, criou um quarto escuro na cabana para revelar fotos, mas aparentemente não foi ele o autor das imagens agora encontradas e cuidadosamente restauradas na Nova Zelândia.

O outro fotógrafo da expedição, Frank Hurley, acompanhava Shackleton do outro lado do continente.

As fotos agora achadas foram tiradas pela equipe do explorador depois que um de seus navios, o Aurora, se perdeu temporariamente no mar. Os exploradores tiveram que se refugiar na cabana de Scott. Uma das melhores imagens mostra o cientista líder da expedição, Alexander Stevens, a bordo do navio.

CONCORRÊNCIA
O drama de Scott é mais conhecido. Saindo desta mesma cabana em 1911, ele conseguiu chegar ao polo Sul em janeiro de 1912, apenas para descobrir que pouco mais de um mês antes o norueguês Roald Amundsen (1872-1928) tinha chegado ali antes.

Scott e mais quatro companheiros morreram na viagem de volta –de frio, fome e de exaustão.

Como o polo já havia sido alcançado, Shackleton decidiu embarcar no desafio que lhe restava –cruzar o continente gelado.

Ele tinha participado de uma expedição de Scott em 1901 e liderou duas expedições em 1907 e 1909. Nesta última, ele chegou a 180 km do polo, o mais perto até então.

Scott era um explorador dedicado, mas não preparava suas viagens com muita atenção ao detalhe. Amundsen venceu a corrida por fazer um planejamento perfeccionista das suas necessidades, incluindo bom número de cachorros para puxar seus trenós (e servirem de comida quando necessário).

Shackleton também planejou com cuidado o cruzamento do continente, que chamou de "Expedição Trans-Antártica Imperial", mas teve azar.

O FRACASSO
O explorador usou dois navios. O Endurance chegaria ao mar de Weddell e desembarcaria Shackleton e cinco colegas que cruzariam a Antártida na direção do mar de Ross, onde o outro navio, o Aurora, desembarcaria pessoal para criar bases de suprimentos que permitiram aos exploradores se reabastecerem e terminarem a travessia de quase 3.000 km.

O Endurance primeiro ficou preso no gelo; havia a esperança de que na primavera ele se soltasse, mas terminou afundando em novembro de 1915 devido à forte pressão do gelo sobre o casco. A equipe terminou encalhada na ilha Elefante, de onde alguns, incluindo Shackleton, partiram em um barco e chegaram ao arquipélago das Geórgias do Sul em maio de 1916. Os demais foram então resgatados da ilha.

O navio no mar de Ross também teve uma viagem atribulada. Não conseguiu se manter ancorado, e parte da tripulação acabou tendo que se refugir na cabana de Scott, onde deixaram os negativos agora encontrados.

Foram resgatados meses depois, quando o clima permitiu a aproximação do navio, mas das dez pessoas que foram deixadas para trás, três morreram.

Ironicamente, eles tinham conseguido estabelecer os depósitos para Shackleton, achando que a expedição vinda do outro lado do continente precisaria deles, correndo o risco de eles próprios passarem fome.

Os negativos precisaram de restauração cuidadosa. O especialista em conservação de fotos antigas, Mark Strange, teve de delicadamente separar cada uma das 22 imagens, além de limpá-las e preservar as camadas de nitrato de celulose com as imagens. Depois de escaneados, os negativos foram convertidos em imagens positivas.