Extremos
 
PROJETO NO TOPO DO MUNDO
 
Denali, do fracasso em 2015 à glória em 2017
 

texto: Cristiano Müller
19 de julho de 2017 - 13:02

 

Cristiano Müller no cume do Denali.
 
  Roberta Abdanur  

Aeroporto do Galeão, Rio de Janeiro, julho de 2015. Recém chegado do Alasca, recolho a minha mochila e a minha duffle bag na esteira e me dirijo ao porta de saída, ansiando por chegar logo em casa e reencontrar a minha família. Aquele momento representava oficialmente o fim da 1ª expedição do projeto NO TOPO DO MUNDO. Junto com a bagagem, além de equipamentos e roupas de alpinismo, uma série de ensinamentos e uma certa frustração: o meu sonho de conquistar o Topo da América do Norte, o Monte Denali - 6194m, havia sido interrompido cerca de 600m mais abaixo.

No relato feito ao Extremos após o retorno da expedição, além de contar detalhes sobre que ocorreu com o nosso grupo naquela temporada, também manifestei claramente a minha opinião sobre a importância que chegar ao cume de uma montanha tem para mim. E por mais que eu tenha plena consciência de que a decisão de abortar a expedição tomada naquela ocasião, tenha sido a mais correta e acertada dadas as circunstâncias, eu tinha a absoluta certeza de que algum dia, eu e o "Great One" teríamos uma oportunidade para nos encontrarmos novamente.

Passados 2 anos daquela experiência, depois de ter concluído o meu projeto de montanhismo que incluiu, entre outras montanhas, a escalada do Mt. Everest em 2016, senti havia chegado o momento de realizar uma nova tentativa.

Para me acompanhar nessa segunda empreitada, inicialmente convidei alguns amigos montanhistas, tanto aqui do Brasil, quanto dos EUA (que estiveram comigo no Everest), mas infelizmente não consegui nenhum interessado. Até que, por recomendação de um outro amigo e guia americano, cheguei até a AMS - Alaska Mountaineering School, tradicional agência americana que opera há muitos anos no Denali.

Depois de acertar todos os detalhes logísticos que envolvem uma expedição com essa, no dia 18/06 eu estava em Talkeetna, cidade do Alasca base para a escalada do Denali. Encontrei e conheci o restante do grupo nesse dia. Éramos cinco alpinistas e dois guias, de distintas partes do mundo, todos em busca de um sonho em comum: colocar os nossos pés no ponto culminante da América do Norte.

     
     

Após as apresentações, fomos todos à sede do NPS - National Park Service, onde teríamos um briefing com os Rangers (como são conhecidos os guardas que trabalham no Parque Nacional do Denali) e realizaríamos o nosso registro, para então podermos voar para o campo base da montanha e finalmente começarmos a escalada. Logo na recepção da sede, nos deparamos com um panorama pouco animador: o painel de estatísticas da temporada 2017 mostrava uma taxa de sucesso de somente 30% para as expedições finalizadas até aquele momento. Ou seja, para cada 10 alpinistas tentando chegar ao cume, somente 3 haviam tido êxito. O clima instável (vento e neve) estava sendo o grande fator complicador até então.

De qualquer forma, se há algo que aprendi nas montanhas nesses últimos anos foi a não sofrer ou preocupar-me exageradamente por antecipação. Em uma expedição relativamente longa como a do Denali, é inútil perder o sono agora tentando adivinhar com estarão as condições da montanha daqui a duas ou três semanas, quando estivermos em posição de realizarmos o ataque ao cume.

Assim sendo, decidi simplesmente dar o meu melhor em cada dia da expedição e confiar que no final tudo daria certo. Sabia que, caso eu conseguisse transformar cada jornada em um dia de sucesso, no final da expedição as chances de atingir o objetivo principal (cume) também seriam significativamente maiores. Ter uma jornada de sucesso na montanha significa: comer e hidratar-se bem, cumprir com o objetivo do dia desgastando-se o menos possível, adaptar-se à altitude de maneira gradativa, manter ou corpo e a mente fortes e saudáveis.

E foi com esse pensamento e otimismo que no dia 19/6, desci do pequeno avião que aterrissou e nos deixou literalmente sobre o Glaciar Kahiltna, local utilizado como campo base da rota West Buttress do Denali.

O progresso do grupo foi excelente nos primeiros dias. Muito embora entre o peso da mochila e do trenó estivéssemos carregando cerca 50kg cada um, todo o grupo se mostrava forte e adaptando-se muito bem à altitude. Pouco a pouco fomos avançando, até que no dia 26/06 chegamos ao Campo 3, a 14.200ft (4.300m), também conhecido como "base avançada", já que o mesmo consiste de uma grande área, relativamente plana e protegida contra ventos fortes e avalanches, e que por conta disso apresenta as condições perfeitas para se montar acampamento e ficar aguardando pelas melhores condições antes se realizar a ascensão até o High Camp (este muito mais exposto) e o ataque ao cume.

 

Depois de alguns dias no C3, finalmente chegou o momento de partirmos rumo ao High Camp. Por certo, esse trecho da escalada é um dos mais bonitos de toda a expedição, no qual escalamos uma aresta extremamente estreita e exposta, a aproximadamente 5000m de altitude. As vistas que sem tem da cordilheira do Alasca quando se está lá em cima, são simplesmente de tirar o fôlego.

     
     

Após duas noites de descanso e aclimatação no High Camp, saíamos de nossas barracas às 10h da manhã do dia 01/07/2017, determinados a chegar ao topo. Logo após deixarmos o acampamento, iniciamos a escalada do longo e inclinado trecho que leva ao Denali Pass, o ponto do qual havia decidido dar meia-volta em 2015. Diferentemente daquele ano, dessa vez chego lá forte e bem disposto. Mas sei que ainda falta um longo caminho a percorrer até o cume. Nesse momento, observamos que o Donald, um dos integrantes do grupo, apresenta alguns sinais de estar cansado. Perguntamos a ele se ele se sente em condições de continuar, e ele responde categoricamente que sim. Algumas horas depois, chegamos ao famoso "Football Field", uma área plana, como tamanho aproximado ao de um campo de futebol, de onde podemos finalmente avistar o cume do Denali. Muito embora ainda faltassem cerca de 1h30-2h de escalada, incluindo a aresta final que nos leva até topo, foi naquele momento em que eu tive certeza absoluta de que iria conseguir. O clima, que até então oscilava entre nublado e com algo de vento, resolveu colaborar de vez e as nuvens de precipitação deram lugar a um céu totalmente azul. Neste momento, não tenho a menor idéia do porquê, me veio à mente uma música dos "Cranberries" chamada Animal Instinct (a mesma situação ocorreu no ataque ao cume do Everest no ano passado), a qual comecei a cantar "a todo pulmão", e inevitavelmente as lágrimas começaram a descer pela minha face. Quando finalmente cheguei ao topo, depois de abraçar e felicitar os meus companheiros, me retirei para um canto mais reservado e fiz uma oração de agradecimento. Chorei novamente.

Me lembrei também de um famoso diálogo entre Reinhold Messner e o Líder de Expedições alemão Karl Herrligkoffer em 1969, um ano antes da fatídica expedição ao Nanga Parbat que acabou vitimando o irmão de Messner, e que cujo objetivo era escalar a temida Face Rupal da montanha. Depois de vários insucessos liderando outros alpinistas em anos anteriores, Herrligkoffer disse à Messner:

“Este ano derrotaremos essa montanha! Venceremos o Nanga!”

E Messner, com muita tranquilidade, respondeu:

“Não necessitamos derrotá-la. Só precisamos subí-la.”

Era exatamente com esse espírito que eu havia voltado ao Denali. E estar no topo era a comprovação de minha perseverança e o respeito pela montanha haviam sido recompensados.

A descida até o High Camp, que tinha tudo para ser tranqüila, acabou levando horas intermináveis, pois o aparente cansaço do Donald acabou se transformando em um esgotamento físico extremo, chegando a ponto de termos que parar a cada 10 minutos para que ele pudesse descansar e se restabelecer. Isso fez com que o nosso dia de cume durasse um total de 16h, trazendo-nos um risco considerável de congelamento de extremidades cada vez que tínhamos que parar (à noite as temperaturas baixam consideravelmente). Risco este que poderia ter sido evitado, caso ele tivesse tido a sensatez de retornar no Denali Pass, quando já aparentava alguns sinais visíveis de exaustão.

Antes de descer até a base, me encontrei com os montanhistas brasileiros Gustavo Ziller e Gabriel Tarso chegando ao High Camp, de onde realizariam a sua tentativa de chegar ao cume no dia seguinte. Para trazer-lhes sorte, abri a minha mochila e lhes entreguei a minha bandeira do Brasil, que me acompanha em todas as expedições, desejando-lhes sucesso na empreitada. Infelizmente depois tive notícias de que as condições climáticas acabaram comprometendo a escalada deles. De qualquer forma, fiquei contente pela sábia e correta decisão que eles tomaram de dar meia-volta em uma situação de risco.

 

Feliz, sonho realizado e o início do caminho de casa.
 

Dois dias depois, finalmente estávamos de volta à civilização. Chegamos à Talkeetna em pleno dia 04 de Julho, dia da independência dos Estados Unidos, e aproveitamos que a cidade de estava em festa para realizarmos uma grande comemoração pela nossa conquista.

No retorno ao Brasil, dessa vez a mochila não veio carregada de frustrações, mas sim de uma série de idéias e projetos importantes para colocar em prática: um deles foi anunciar fundação da minha empresa "No Topo do Mundo Expedições e Consultoria", que formaliza a minhas novas profissões de palestrante e guia de montanha.

E o segundo projeto, de não menos importância, foi a difícil decisão de adotar um cachorro, sobre a qual já vinha pensando há algum tempo, porém não a havia concretizado justamente pelo estilo de vida que eu levo, que de certa forma me impede de dedicar o tempo necessário para criá-lo de maneira adequada. Depois de muito refletir e de buscar alternativas pra contornar a situação, resolvi finalmente adotar um lindo filhote de Pastor da Mantiqueira doado por um amigo. O nome que escolhi para ele, não poderia ser outro:

Denali

     
     

Aproveito a oportunidade para agradecer a todos que apoiaram, torceram, rezaram e enviaram energias positivas para que esta expedição desse certo.

Um grande abraço,
Cristiano Müller

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