Extremos
 
CICLOVIAGEM DIOCÁ NA ESTRADA
 
Dez dias intensos na Índia
 
texto e fotos: Julie e Thiago
28 de julho de 2015 - 10:18
 
Caos em Varanasi.
 
  Diocá na Estrada  

Nossa última refeição havia sido ao meio-dia no aeroporto da Arábia. Ficamos esperando um tempo e logo voamos para a Índia. Chegamos lá às 17h, montamos as bikes e saímos em direção a algum lugar para nos hospedar. Nós com a nossa mania de não planejar muito as coisas, a Índia nos ensinou que as vezes isso pode ser um grande erro. Quando pegamos uma avenida movimentadíssima, minha nossa. Aqui é o seguinte: se um está certo ele buzina, se o outro está errado ele buzina mais ainda. Não existe regra, não existe preferência. É um desviando do outro o tempo todo. Loucura é uma palavra fraca para resumir esse trânsito. Ficamos muito assustados. Atravessamos a rua e de repente aquele barulho infernal parou. Encontramos diversos macacos sendo alimentados por um rapaz. Ficamos babando nos movimentos dos macacos. Que cena linda. O mais legal é quando tem um macaco bebê nas costas na mãe, é muito lindo.

Tínhamos visto pelo google maps uns hostels. Fomos em direção a eles, entramos num bairro onde tinham as embaixadas, só achamos hotel de luxo extremo. Nem ousamos perguntar o preço. Pedalamos, pedalamos e nada de achar lugar pra ficar, estávamos roxos de fome. Avistamos uma Pizza Hut, chegando lá, estava fechando, putz! Por causa do fuso horário, nos perdemos no tempo, quando vimos já era 23h e a gente perdido em Nova Delhi. Um rapaz nos indicou uma guest house ali perto, nos levou para um beco sombrio e assustador. A guest house bem humilde, o quarto era um barraco na lage. O Thiago ficou esperando lá embaixo e eu subi para ver o quarto. Só tinha homens e eles me olhavam com aquele olhar sinistro de quem já foi para a Índia sabe como é. Estava limpinho, era o que precisávamos. Já não tinha mais nada aberto para comer. Comemos o único pão que tínhamos e capotamos!

No dia seguinte fomos dar um rolé na cidade. Muita coisa diferente acontece o tempo todo. Tem muito movimento muita gente, muito tuc-tuc, muita comida de rua. Não demorou muito para chegar um cara e se oferecer para nos levar a uma agência de turismo. Dissemos que não precisava, pois estávamos apenas dando um rolé. Não adianta falar que não, eles começam a insistir. Fomos firmes e ele foi embora, ufa! Os produtos indianos são os mais lindos, decoraria minha casa toda só com eles. Pela primeira vez na viagem fiquei com vontade de dar uma bela consumida.

     
     

Pela tarde, o Thiago foi regular os freios das bikes, ficamos lá no pátio da guest, fui subir para o quarto, quando olho, tem um puta macaco na escada me olhando, quase esbarrei nele, levei mó susto. Antes do sol se pôr sempre aparece um grupo de macacos. É muito massa ficar olhando para eles. Garanto que em qualquer hotel de luxo não teria um show de macacos que presenciamos.

Começamos a perceber que pedalar na Índia seria um grande desafio.

Acordamos cedinho para iniciar o pedal, refletimos e amarelamos. Decidimos ir procurar alguma agência de viagens para nos dar uma orientada para o nosso caminho, tinha uma pertinho da guest. Quando perguntamos para eles qual seria a melhor rota para pedalar, eles disseram que nenhuma, que é muito perigoso pedalar por ali, abriram uma matéria na internet e mostraram que no ano passado um casal de cicloviajantes foi assassinado. A gente ficou com receio deles estarem dizendo aquilo somente para poder nos vender algum pacote de viagens. Juntou o nosso medo com o que eles nos falaram, seguimos nosso coração e decidimos que não iríamos pedalar pela Índia. Pagamos para eles fazerem um roteiro para irmos de trem para alguns lugares importantes. Os destinos foram: Agra, onde tem o Taj Mahal e Varanasi, onde tem o Rio Ganges.

Deixamos todas nossas coisas na agência e partimos para o passeio. Tivemos que dormir com um cobertor áspero, poeirento e com cheiro de oficina mecânica, me deu alergia na hora, acordei com a garganta ferrada. Pegamos um tuc-tuc ainda de noite. Andar de tuc-tuc é a coisa mais emocionante que rola, é tipo uma montanha russa. Chegamos na estação de trem, achamos o lugar e sentimos um cheiro tenebroso. Os trens depositam as fezes e urina dos passageiros ali mesmo no trilho. Para todos os lados tinha cocô, e ainda varias pessoas cruzavam o trilho por baixo para não ter que ir até a passarela. A viagem de trem foi tranquila, vimos muita miséria pelo caminho, muito, muito lixo. Muita gente cagando na rua e no mesmo local, várias crianças brincam. Simplesmente não tem lugar para acampar.

Ficamos aliviados pela nossa decisão, realmente ali não seria um bom lugar para pedalar.

 
Taj Mahal, sem palavras!!!
 

Chegamos em Agra. A cidade é grandinha, mesmos acontecimentos que em Nova Delhi. Ficamos num hotel meio sujinho, mas confortável. Demos uma dormida pela tarde e caminhamos até o Taj Mahal. Chegando lá, estava fechado. Tudo o que a gente queria, era poder caminhar e observar as coisas. Mas o tempo todo as pessoas ficam oferecendo serviços e coisas, é muito perturbador. Eles não respeitam seu espaço. Toda hora tínhamos que interromper nosso papo, porque aparecia alguém. A gente não tinha tempo nem para discutir as coisas que víamos. E eles te abordam de uma maneira que você fica sem jeito. Começam a conversar, ficam perguntando coisas, aí você vai respondendo, quando vê esta preso no cara. É muito chato.

Tomamos nosso café-com-medo, rezando para que tudo ali estivesse limpo. Antes de chegar no quarto passamos pela cozinha. Parecia cozinha de cadeia, imunda. Gente, nós temos esse medo todo, porque o Arthur Simões, que deu a volta ao mundo de bike, foi pra Índia, comeu a comida de um hotel, passou mal, ficou doente e internado durante 1 mês, foi uma experiência horrível. Ele achou que estivesse morrendo. Sem contar que ele tinha plano de saúde, nós não temos, então todo cuidado é pouco, mas também tem muita gente que vai pra lá direto e nunca passou mal. Fomos para o Taj Mahal, pensa num lugar deslumbrante, é uma beleza sem fim. Eu estava lá com o Thiago sentada de boa, apareceu um indiano com toda a delicadeza do mundo e perguntou se poderia tirar uma foto comigo. Pedindo assim, eu deixo. Mais tarde veio uma garota e também pediu para tirar foto com ela. Depois veio outra, e outra, quando eu vi juntou várias pessoas para tirar foto comigo. Fiquei com mó vergonha, mas foi interessante. Elas me acham muito diferente, assim como elas são diferentes para mim. Passamos a tarde toda no Taj, foi muito bom.

Fomos para a estação de trem, pois íamos passar a noite num trem. Chegando na estação, tinha uns 3 mil pássaros na cobertura, ou seja, toda hora caia cocôzinho na gente. Mas o pior eram os ratos por todos os lugares. Vi uma cena que me chocou bastante: tinha uma família esperando o trem e eles tem o costume de deitar no chão em cima de uma manta, sim, naquele chão cheio de cocô, de rato e de cuspidas (eles ficam mastigando tabaco o tempo todo e cuspindo), tinha uma menina de uns 3 anos, ela estava deitada com a família, só que do lado de fora da manta, com o rosto direto naquele chão. A mãe tava de boa na manta. Tenso!

     
     

O trem chegou, e a gente grilado com a estado dele. Achamos nossos lugares, tinham pequenas camas com lençóis lacrados, limpos e cheirosos, dormir com o balançar do trem foi uma delícia! Viajamos rumo a Varanasi.

Chegamos em Varanasi, pegamos um tuc-tuc, tinha um motorista e um outro rapaz que não parava de falar um minuto, oferecendo seus serviços e eu só queria olhar as pessoas, que saco isso. Para a gente que não fala inglês, tem vezes que a gente não tá na vibe de conversar, primeiro porque você faz uma força danada para entender e outra que o inglês do indiano é bem complicado de entender, eles falam diferente. As vezes a gente não consegue entender nada, a gente avisa que não fala inglês, para falarem um pouco mais devagar, mas não adianta.

Entramos no hotel, tivemos que tirar nossos tênis, opa, é um bom sinal. Esse hotel era limpíssimo, cheiroso e agradável. Ficamos lá esse dia só descansando. Ah sim, depois de se alimentar somente com biscoito e bananas, tivemos a segurança de pedir um almoço nesse hotel. Estava delicioso.

Dia de explorar Varanasi, a cidade onde fica o famoso e sagrado Rio Ganges! Primeiro fomos visitar a cidade sagrada dos budistas, Sarnath: é uma cidade localizada a 13 km de Varanasi. Foi aqui onde Buda deu o seu primeiro sermão depois de ter criado o budismo. Esse lugar tem uma paz fora do comum. Foi um grande privilégio poder estar num lugar tão sagrado como esse. Vimos muitos monges meditando.

De Sarnath pegamos um tuc-tuc para o Rio Ganges, o motora deixou a gente numa rua e nos apontou o caminho do rio. Essa é a rua mais movimentada que vimos, um comercio sem fim. Muita gente, muita bicicleta, muita vaca, muita moto. Thiago subiu no muro que fica no meio das duas pistas e fez uma foto irada do caos absurdo desse lugar. Por incrível que pareça, nesse caminho louco até chegar no rio, tivemos um momento de paz, isso porque o movimento é tão sinistro que mal tem espaço para essa galera ficar nos oferecendo serviços. A galera do comércio foi de boa também.

 
Cerimônia diária no Rio Ganges.
 

Chegamos no Rio Ganges, tiramos fotos aqui, fotos ali. Pedi pro Thiago tirar uma foto minha numa espécie de palco circular de concreto, sentei na escada e logo apareceu um senhor de cabelos brancos, barba longa, traje laranja, me parecia ser um grande sábio, um guru. De uma forma bem gentil, nos chamou para sentar com ele. Adoramos a ideia e fomos. Ele pintou minha testa e do Thiago, tiramos algumas fotos, trocamos algumas ideias, foi bem interessante. Disse para Thiago dar uma graninha pra ele como gratidão, Thiago colocou uma pequena quantia num pote, na mesma hora o “guru” fechou a cara, olhou feio para mim e disse: você também tem que pagar”. Ficamos bem decepcionados, aquela magia toda se encerrou naquele momento. Saímos com o carimbo do otário na testa. Depois disso começamos a ficar bem ligados com qualquer um que se aproximasse da gente. Queria muito ter curtido uma vibe espiritual, mas não achamos o lugar nem a pessoa certa para isso. Logo depois, surge um rapaz e fala: namastê e estende a mão para o Thiago, ele aperta a mão do rapaz, nisso ele começa  massagear a mão de Thiago, aí passou para os braços, o Thiago ficou naquela situação palha, quando deu uma brecha ele agradeceu e tirou o braço, só que o rapaz ficou em cima oferecendo seu serviço de massagem. Aí a gente tenta ser o mais educado possível, mas eles ficam nos seguindo enchendo o saco. Isso já estava nos deixando irritados. Tudo o que queríamos era poder caminhar na beira do Rio Ganges, mas isso passa a ser a coisa mais difícil que rola. Fomos caminhando em direção a menos movimento possível. Sem saber estávamos indo em direção ao temido local onde fazem a cerimônia de cremação dos corpos dos hinduístas, depois da morte. São várias fogueiras grandes e pilhas gigantes de lenha, cercados por prédios fúnebres. Minha primeira atitude foi pegar a câmera, mas um rapaz disse que não podia tirar foto e que deveríamos respeitar as famílias e turistas não devem ficar ali e que poderíamos ver a cerimônia dali, nos apontou o prédio. Fomos em direção a ele, que era mais assustador do que tudo ali. Meu coração começou a disparar e eu subindo as escadas ainda estava na dúvida se deveria ou não ver aquilo. O prédio era abandonado e tinha um monte de pessoas estranhas. Eu não sabia se estava mais com medo de ver os corpos sendo queimados ou das pessoas. Então eu vi a cena, não demorou para vir um pedir dinheiro de um lado e outro exigindo dinheiro do outro lado. Pois durante um momento, eu não ouvia mais nada, meu olhos vidraram naquela cena forte. Parecia que eu estava vendo um filme, vimos tudo de camarote, a fumaça dos corpos ardia nossos rostos. É diferente para a gente mas essa cerimônia existe há muito tempo. Não quis tirar foto, pois aquela imagem vai ficar em nossa memória para sempre. O interessante é que não estávamos atrás, parece que algo nos levou até lá, foi certeiro.

     
     

A noite, às margens do Rio Ganges é assim: todos os dias tem diversas cerimônias do Hinduísmo. Fica lotado de gente. É muito bonito. É nessa hora que vemos alegria nos olhos dos indianos. Essa é a hora deles. Sua cultura é muito rica. Independente de tudo o que presenciamos, é um país sem igual. Ainda estou atrás da palavra perfeita para me referir a Índia. Gente, não tem como eu explicar só vindo aqui para saber. A Índia mexe com você de uma forma muito intensa.

Aguardamos os comentários,
Namastê,
Julie e Thiago

 
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