Extremos
 
PROJETO CAMINHOS
 
Montanhas que desafiam
 

texto e fotos: Juliano Sant'Ana
28 de janeiro de 2016 - 13:51

 
Campo Alto ou Rock Camp (5.130m) - Huayna Potosí, Bolívia (6.088m)
 
  Juliano Sant'ana  

Buenas aventureiros! 2015 se foi e com ele grandes histórias, talvez decepções, algumas conquistas e certamente diversas aventuras fizeram parte de um ano especial, desafiador e de muita superação e nervos de aço. Rsrs! A vida por si já é uma aventura, mas aqui no Extremos compartilhamos aquelas que nos tiram da zona de conforto e nos fazem crescer como pessoas, seja em saúde, no preparo físico ou até mesmo no crescimento intelectual e social através de grandes experiências, as vezes extremas por este mundão afora. Assim sendo, chegou a hora de retornar com mais um post para o Blog CAMINHOS, aqui do Portal Extremos.

Hoje a história que quero contar vai além de uma dica. Ela tem o propósito de lhe fazer refletir sobre onde queremos chegar, quais nossos objetivos, sonhos, metas e como podemos fazer para conquistá-los. Percebi em alguns comentários nos posts anteriores algumas pessoas com dúvidas sobre o que fazer, onde ir, como ir, com o que e assim por diante. Então, vou tentar resumir e compartilhar com vocês minha última experiência em alta montanha, aventura esta cheia de significados e totalmente pertinente para este post. Vamos lá?!

Em novembro deste último ano (2015) encaramos um novo desafio. Não estava 100% dentro de nosso planejamento realizar esta aventura. Era apenas uma ideia que nasceu em 2012, quando criamos nossas primeiras metas em montanha e com isso, nosso primeiro grupo, primeiro time. Na época chamamos este grupo de KOT (keep on trekking) e éramos 5 pessoas comuns, alguns praticamente sedentários, com aquela rotina básica da vida e da cidade, correndo para lá e para cá com filhos, trabalho, família, podemos dizer que o objetivo traçado em conjunto foi um tanto ousado e pretensioso. Ou seja, resolvemos assim do nada, escalar o HUAYNA POTOSI e o ACONCÁGUA. Na real foi uma ideia minha com o objetivo de recuperar uma saúde que eu mesmo estava destruindo. Uma ideia que lancei aos ventos e aos poucos alguns amigos fizeram parte. Simples mortais completamente fora da realidade e do preparo dos grandes montanhistas ou até mesmo de atletas comuns, querendo subir uma montanha de 6.088m e outra de 6.962m de altitude. Simplesmente insanos, loucos, uns fora das casinhas e acreditem, ouvimos isto e muito mais repetitivamente nas rodas de amigos, familiares e etc. Mas hoje, após esta última viagem posso dizer que fez todo o sentido. Estabelecer aquele objetivo louco e extremo conosco naquelas condições nos permitiu mudar, quebrar paradigmas, enfrentar a zona de conforto e conquistar resultados expressivos. Nos permitiu crescer, evoluir e amadurecer.

Quis o destino que o Aconcágua fosse realizado antes do Huayna e peço perdão, mas a história desta montanha ficará para um outro momento. Porém, para resumir, nós 5 (Eu, Charles, Robson, Fred e Emerson) conseguimos perder muitos, mas muitos quilos e nos prepararmos para o Sentinela de Pedra. Em 2013 executamos a tão sonhada aventura e dos 5, apenas o Charles conseguiu atingir os 6962m de altitude, o ponto mais alto das Américas. Emerson chegou a sair para o cume mas decidiu retornar nos 6.300m aproximadamente por desgaste com a altitude. Robson e Fred ficaram nos 6.000m também pelos mesmos motivos e Eu, sucumbi aos 5.100m. E é aí que esta história de evolução começa.

     
     

Encontrei meu limite na montanha, seja numérico (5.100m de altitude) ou físico é fisiológico. E por que não dizer até psicológico. Naquele momento em 2013, não acreditava no psicológico. Para mim estava tudo bem, porém hoje divido o acontecido em 3 partes, entregando pelo menos 20% para o psicológico e o restante entre físico e especialmente fisiológico por conta do mau da altitude que assombrou praticamente toda nossa equipe, iniciando por mim.

Tenho esta convicção, pois em agosto de 2014 resolvi encarar o Kilimanjaro na África em companhia do brother Emerson Bernardes, que esteve conosco no Aconcágua. Nos preparamos meses antes, treinamos muito em todos os sentidos mas tínhamos em mente que o fisiológico seria incontrolável. Não se sabe quando vamos ficar doentes ou não, como cada corpo vai reagir a níveis reduzidos de oxigênio ou em que momento dará sinais de desgaste. Pois bem, partimos e confesso que executamos o roteiro planejado de uma forma surpreendente. Nos sentimos mais forte, mais experientes em alta montanha especialmente por conta do Aconcágua. Mas os desafios eram constantes e a luta psicológica, frequente. Cansaço e evolução. Breves sintomas de altitude e fortalecimento físico. O tempo todo era um misto de sensações. No dia do cume, eu particularmente parti com tudo obviamente para tentar o resultado máximo, o topo da África com seus 5.895m de altitude, mas aqueles 5.100m da Argentina não saiam da cabeça. Ao chegar, comemorava comigo mesmo, berrava, gritava internamente como se comemorasse um gol, um título e o que é melhor, sem sintoma algum de altitude. Mas nos 5.300m senti uma forte tontura e dor de cabeça. Mas minha mente estava feliz, focada e mais forte. Parei, respirei, reavaliei tudo que aconteceu nos dias anteriores e o quanto crescemos. Pedi para o guia 10 minutos de descanso. Ele queria me dar 5 mas eu insisti nos 10. Dito e feito, seguimos adiante e chegamos com garra e superação em nosso grande sonho, nossa grande meta naquela expedição, o Topo da Africa.

Mais uma aventura desafiadora e especial para nós meros mortais que a cada ano intercalam vida real com a rotina do dia a dia e uma ou duas aventuras em montanhas. Eventualmente desafios menores mas também intensos nos acompanham como corridas de montanha com grandes distâncias. Atividades assim nos mantém saudáveis e semi-prontos para uma nova expedição mais extrema que claro, é reforçada com treinos e mais treinos na véspera das viagens.

Só que em 2015, diante de crise, dólar alto e etc... Não sabíamos o que íamos fazer. Voltar ao Aconcágua era um sonho, porém distante por conta das altas cifras. Cogitamos Elbrus, mas também faltava R$. Então uma aventura antes planejada mas esquecida voltou à tona, o Huayna Potosi na Bolívia com seus 6.088m, também motivada pela conquistas de amigos que passaram por lá recente. O convite veio do Emerson, o mesmo do Kili. Tudo aconteceu muito rápido. Identificamos uma viabilidade financeira e partimos em novembro. Realizamos 5 dias de trekking para uma melhor aclimatação. Entre estes dias, chegamos ao topo do Pico Austria (5.350m) e em um destes dias, caminhamos por intermináveis 7h40 pela região do Condoriri. Nesta aventura acabei falhando com meu treinamento e não cheguei 100% na expedição. Mas fui na cara e coragem, com consciência, garra e responsabilidade. Estava pronto para voltar se necessário, por decisão própria caso meu corpo não resistisse o extremo desgaste causado pelos dias de caminhada em altitude. Nesta viagem tivemos a companhia do Marlos, um amigo de Timbó, Santa Catarina que estava a procura de um tempo para si e diante dos seus 50 anos, de decepções e conquistas neste período de vida, buscava resgatar importantes valores que a montanha poderia oferecer.

 
Laguna Chiarkhota (4.650m), Trekking Condoriri, Bolívia.
 

Então chegou o dia de cume. Saímos do Campo Base do Huayna (5.130m) por volta da 0h30, cada um encordado com seu guia. Conosco saíram outras expedições que também estavam por lá. Pessoas da Alemanha, Suiça e outros países. Escuridão, frio, silêncio, medo. Caminhando sem saber por onde, o que o próximo passo preparava. Destino: TOPO. Foco, pensamento positivo, passava tudo pela cabeça. Na minha frente estava o Emerson e seu guia, dois irmãos e seus guias e uma menina suíça com seu guia. Atrás de mim seguia o Marlos e seu guia e outras duas expedições maiores, com aproximadamente 6, 7 pessoas e seus guias, não me lembro ao certo. Cada um com seu ritmo. Eu e meu guia começamos fortes. Estava surpreso, pois apesar do meu preparo não estar no ideal, perdi peso e ganhei força. Acompanhava bem o pelotão da frente até meu crampom quebrar. Não acreditava no que estava acontecendo. Frio, muito frio, todos os grupos nos passando. Não por competição ou algo do tipo, nada a ver com isso, mas psicologicamente uma carga negativa e de decepção nos domina, por conta de uma falha de equipamento. Pode acontecer? Sim, pode!! Mais um aprendizado. Nem tudo se pode dominar. Os recursos também falham. Mas, meu guia Carlos, uma figura ímpar e com um grande espírito de liderança, conseguiu solucionar o problema e depois de meia hora na escuridão fria na montanha nevada, retomamos nossa trajetória. O desafio agora era resgatar o ritmo, a força e o foco. Só que minutos após recomeçar entramos numa crista extremamente inclinada e eu ainda com o corpo frio, fadigava ao extremo. Pedia para parar, seguia, mudava os passos, a posição dos pés com aquela bota plástica do demônio (que me perdoe a palavra, mas naquela hora falava coisas piores) e seguia acabado. A esperança de cume ia sumindo, desaparecendo junto com toda minha força. Então, vencendo aquela crista bandida, pedi para parar, respirar, hidratar e se alimentar. Perguntei ao guia: "Quantos metros estamos?" Ele diz: "Uns 5.700m". Respirei, me acalmei e disse: "Estou cansado, mas sem qualquer efeito da altitude (tontura, coisas do tipo). Vou lhe pedir uma coisa: Vamos até 5.900m e se conseguirmos, reavaliamos a situação. Se não der mais, volto para casa feliz, pois alcancei meu limite de 5.895m (Kilimanjaro)". O guia concordou e tocamos adiante. Aos poucos fomos recuperando alguns grupos maiores e chegando aos 5.900m, com um sorriso na cara, felicidade explodindo mas sem ninguém vendo naquela escuridão, comentei ao guia: "Olha, vamos para os 6 mil? Acho que dá ainda? Tô morto, mas tô feliz pacas. Bora lá?". Carlos já se divertia comigo e me motivava a cada instante a seguir, apesar da fadiga não aliviar. Pois chegamos aos 6.000m e aí, o dia nasce, o sol aparece e o dito cujo do cume se torna visível. Aí meu Senhor... Que provocação. Eu pronto para voltar, com as pernas bambas... E o Carlos dizendo: "Temos tempo, temos tempo, vamos lá Juliano". Kkkkk. Eu ria que me acabava. Sabia que haviam chances, um resquício de força, migalha que fosse. Nunca curti tanto um sofrimento. Coisa de doido mesmo. Aí eu perguntei: "Carlos, posso tirar minha mochila? Se puder ir sem, vamos para o topo!" Ele disse: "Sem problema. Pegue seu piolet e seu bastão de caminhada e vamos em frente". Bebi um isotônico, comi um chocolate, me supri de energia e falei, VAMOS PARA O TOPO. Demos poucos passos e encontrei o Marlos, também sem mochila e pronto para retornar, morto, cansadíssimo assim como eu. Mas eu fiz de tudo para motivá-lo e quando o vi sem bastão, não hesitei e disse: "Tome meu bastão, vamos chegar juntos. Bora meu amigo. Faltam poucos metros."

"Assim seguimos adiante parando a cada 5 passos, hehehehe! Incrível! E eu me divertindo, olhando pro topo, para o céu vendo o sol ficar mais forte, batendo preocupação com o limite de horário para chegar ao cume, com o gelo soltando e piorando as coisas. Seguimos, seguimos... Quando olhei para trás e falei: "Vamos Marlos, faltam 10m, poucos minutos, vai ser uma vitória épica..." E assim cheguei rindo ao topo do Huayna Potosi, meu NOVO LIMITE: 6.088m de altitude e uma experiência pra a vida, além de uma grande lição que quero deixar para vocês finalizando este post."

Estabeleça METAS. Uma ousada, lá na frente, num futuro mais distante, mas forte, que te motiva, com jeito de sonho mas principalmente METAS PARALELAS. Foque nelas, evolua, aprenda com o caminho, com cada uma destas pequenas metas realizadas, com as experiências vividas. Resultados expressivos e novas sensações lhe esperam.

 
Últimos metros para o cume do Huayna Potosí, 7h00.
 

É isso! Fica aqui mais uma história e para mim, uma das dicas mais importantes. Desculpem o tamanho do texto, mas estava ansioso em compartilhar essa experiência com vocês todos. Agora, novas metas estão por vir. Hehehe!

No decorrer deste ano estarei lançando um livro e detalhes não contados aqui sobre as aventuras citadas que serão compartilhadas de um jeito bem informal e divertido, mas também motivador. Quando tiver notícias do lançamento eu aviso a todos.

Grande abraço!
Pro alto e AVANTE!
Juliano P. Sant'Ana

comentários - comments