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CICLOVIAGEM GIRAMÉRICA
 
10 coisas que aprendi viajando sozinha de bicicleta
 
Texto e foto: Carol Emboava
20 de julho de 2016 - 12:15
 

Carol Emboava com o vulcão Licancabur ao fundo, em San Pedro de Atacama / Chile.
 

Muito mais que te afastar da sua zona de conforto, viajar te ensina lições que ficam para sempre em sua vida. Comigo não foi diferente. Aprendi em 3 anos o que talvez levaria uma vida inteira para entender.

Segue abaixo algumas dessa lições importantes que a vida na estrada me ensinou.

1- Em cima da bicicleta todo mundo é igual

Você pode até encontrar com um cicloviajante com uma super-bike, equipamentos de ponta e viajando ultra-light. Pode encontrar com alguém que faz muitos quilômetros por dia ou que vai parando em cada povoado. Seja como for, quando subimos na bicicleta e pegamos a estrada somos todos farinha do mesmo saco. Todos suamos pra encarar aquela subida e muitas vezes nos perguntamos o que estamos fazendo ali. Todos sentimos o frio, o vento e o sol queimando o rosto. Todos ficamos encharcados e sentimos o incômodo da chuva, por melhor que seja seu anorak de goretex. Talvez por isso quando encontramos com outros viajantes a empatia é tão grande e imediata. Sabemos o que o outro está passando, sentimos o mesmo carinho dos moradores locais que nos recebem com um café quentinho, mas também as dores nas pernas no final do dia. Admiramos um arco-íris depois da chuva e ficamos deslumbrados com a paisagem de um vale depois de passar horas subindo uma montanha. Independente do que fazemos na nossa "vida real" ou de quantos cartões de crédito levamos na carteira, somos todos cicloviajantes.

2- A administrar o meu dinheiro

Impossível fazer uma longa viagem de bicicleta sem se tornar um expert em finanças. Aprendi a anotar e controlar meus gastos, economizando num dia o que gastei de mais no outro. Deixando de pagar uma hospedagem aqui, para tomar um vinho ali. Almoçando macarrão com molho de caixinha num dia e uma comida refinada na próxima semana.
Muitas vezes, numa viagem as tarefas são distribuídas de acordo com as habilidades de cada um. Enquanto um cuida da logística de estrada, outro é melhor cozinheiro e o outro cuida do dinheiro, etc. Mas viajando sozinha aprendi a ser multi tarefas da melhor forma. E as finanças são uma parte importantíssima. Além de fazer câmbio de moeda, aprendi o que vale o nosso dinheiro e o dinheiro local, quando tive a oportunidade de trabalhar por alguns lugares que passei. Volto pra casa com uma bagagem a mais, a de contadora oficial para as próximas viagens.

3- A me alimentar agradecendo e não reclamando

Sabe aquela frescura de "eu não como coentro", "só gosto da cebola se estiver ralada", "comida gelada me dá nojinho?". Esqueça! Viajando aprendi a agradecer mais e reclamar menos. Me sentei à mesa de famílias humildes, que compartilharam comigo da pouca comida que tinham, mas com um sorriso enorme no rosto por poder me proporcionar isso. É pra desmanchar qualquer coração duro e estômago fraco. Nessas horas você apenas fecha os olhos, agradece e come. Mais ou menos como sua mãe mandava você fazer quando era criança e você nunca obedecia. Já passei dias comendo macarrão com queijo de saquinho, comi sentada na beira da estrada, com as unhas sujas e sem lavar a mão, saboreei comida gelada nas estradas da Patagônia e pão seco no Deserto do Atacama. E sabe o que tudo isso me ensinou? A agradecer! Porque quando a gente sai da caixa, entende que o o ato de se alimentar é muito mais que comida quentinha de mãe e louça bonita na mesa.

4- Um teto em uma casa abandonada ou posto de gasolina é um hotel 5 estrelas

Já me hospedei em hotel bonito, hostel simples, hospedagens baratas, casas de famílias locais, pulgueiros que até hoje não posso acreditar que paguei por eles, sofás emprestados, camas macias, quartéis de bombeiro, uma casa na árvore, chão duro de estábulo e muitos outros. Mas nada se compara a liberdade de dormir dentro de minha barraca. É incrível saber que posso chegar a qualquer lugar de bicicleta, montar minha casa ali e da porta ver o céu mais lindo do mundo, escutar o silêncio mais profundo e sentir a imensidão do meu quintal. Acredito que essa é a tão sonhada liberdade que buscamos quando levantamos a âncora e deixamos o barco partir.

5- A ser dona do seu próprio destino

Uma das coisas que aprendi a amar durante minha viagem de bike é o poder de decisão que tenho a todo e qualquer momento. Várias vezes planejei trechos e estadias em algumas cidades e de última hora tudo foi por água abaixo. Se choveu você pode decidir fazer menos quilômetros nesse dia e acampar pelo caminho. Se o pedal rendeu dá pra passar direto por aquele povoado que está no mapa e dormir na próxima cidade. Se o hostel que todo mundo recomendou não era aquilo que você imaginava, amanhã você pode mudar pra outro ou seguir viagem. E se naquela cidadezinha que você não tinha nenhuma expectativa e ficaria somente uma noite pintou surpresa, uma cachoeira incrível pra conhecer, uma família local querida que te acolheu, dá pra ficar dois, três, quatro ou quantos dias você quiser. Afinal de contas a decisão e o planejamento, ou a falta dele, são somente seus.

6- A agradecer pelas pequenas coisas

Em nosso tumultuado dia-a-dia acabamos por nos acostumar a reclamar mais do que agradecer. É o celular que acabou a bateria, o trânsito que tá travado, o chefe que cobra, os boletos que chegam, aquela dor que não vai. Viajando aprendi a dar valor pra coisas tão pequenas, que antes passariam desapercebidas, porque eu estava ocupada reclamando. Obrigada pelo dia de sol, que seca a minha roupa e me proporciona paisagens lindas. Obrigada também pelo dia de chuva, que chegou justo quando eu tinha um teto e pude descansar as pernas enquanto lia um livro. Obrigada pela comida que está no prato, pelo vento a favor que ajudou a empurrar a bicicleta. Obrigada por terminar o dia em segurança e ter um chuveiro pra tomar banho. Obrigada pelo motorista que parou na estrada e ofereceu água num dia quente. Agradecer faz um bem danado pro coração e viajando começo e termino o meu dia com essa palavra, obrigada!

7- Que lar é onde o coração está!

Quando você decide fazer uma viagem longa a parte mais difícil é colocar uma data para sua partida, porque no fundo você sabe que os dias vão voar e você terá de ir embora, deixando pra trás tudo aquilo que lhe é tão familiar. Sua casa, sua cama, seus amigos, sua família, seus apegos materiais e até mesmo alguns espirituais, se for o caso de você possuir. Porém, viajando descobri que quando seu coração está e paz e você está feliz seu lar pode ser até mesmo no fim do mundo. Você ganha abraço de mãe emprestada, amigos de toda uma vida em um dia, amores inesquecíveis de uma noite e pode até se pegar dizendo que tem que voltar pra casa, ou convidando alguém dizendo "passa lá em casa", quando sua casa é só uma barraca armada ao lado do rio.

8- Que as vezes vai ser difícil

Mas vai passar. As vezes a saudade vai bater e vai doer mais que subir uma montanha com a bicicleta de 50 kg. O cansaço físico vai ser tanto que você não vai ter forças nem pra cozinhar no fim do dia, mesmo sabendo que tem que se alimentar bem, afinal de contas seu corpo é o seu motor. A solidão vai ser tão grande que ela vai ser quase uma presença. Você vai brigar com o vento, com o sol, com a chuva, com a areia que insiste em entrar na barraca e com a vaca que caminha do lado de fora e não te deixa dormir. As vezes vai dar vontade de desistir, de voltar pra casa e de ser abraçada. Mas se tem uma coisa que eu aprendi viajando sozinha é que tudo passa. Os momentos bons eu aproveito ao máximo, porque eles passam. Nos ruins, eu respiro fundo, porque sei que eles também vão passar. Nenhuma subida é infinita, nenhuma solidão é para sempre, nenhum cansaço dura mais que um dia de cama confortável e um chuveiro quente. E nenhuma vaca pode mugir por mais de 4h!

9- Que o seu corpo vai onde a sua cabeça te leva

Muitas vezes duvidei quando alguém me dizia que viajar de bicicleta está muito mais na sua cabeça do que no seu corpo. Tinha muito medo de não aguentar fisicamente o tranco. E foi só subir na bike pra descobrir que esse conselho estava totalmente certo.
Já pedalei por quase 200 km num único dia de viagem e me senti super bem. Em compensação, em dias de moral baixa, com 15 km levantei o dedo na estrada e subi numa caminhonete. A sua força está naquilo que você acredita ser possível fazer. Então eu fui lá e cruzei a Patagônia enfrentando ventos que me jogavam no chão, cruzei a fronteira de um país empurrando a bicicleta montanha acima, pedalei 400 km cruzando o deserto mais seco do mundo, percorri a incrível Carretera Austral com suas estradas de terra e pedra e as subidas mais intermináveis que já vi. Tudo isso porque eu sou super forte, tenho pernas de aço? Não, muito longe disso. Eu fiz porque acreditei que era possível e quando meu corpo já não aguentava e me dizia que queria parar, minha mente sussurrava "só mais um pouquinho, já está acabando a subida, empurra só até a próxima árvore e ali descansa, depois tudo de novo". E isso não é exclusividade minha não, todos temos essa força dentro de nós.

10- Que a felicidade só é real quando compartilhada

Célebre frase do Christopher McCandless, que por fim tatuei em meu corpo como marca de minha viagem solo. Sair sozinha por esse mundão afora é uma experiência ímpar, que me causou mudanças profundas. Sinto que aprendi em 3 anos o que levaria uma vida inteira pra entender. Conheci lugares incríveis, vi paisagens que meus olhos nunca vão se esquecer, provei comidas típicas, vivenciei culturas diferentes. Mas nada se compara às relações interpessoais que vivi. É importante subir a montanha mais alta sozinha e saber que sim, você é capaz disso. Mas voltar e ter com quem dividir essa experiência é que faz dela tão rica. Na estrada ganhei amigos novos, famílias postiças, amores que preencheram dias de coração e abraços vazios, anjos que me ajudaram sempre que precisei. Alguns desses foram passageiros, outros levo comigo até hoje e se tornaram pessoas especiais e essenciais em minha vida. E no fim, foram eles que fizeram tudo isso valer a pena. Eu saí de casa para conhecer lugares e conheci pessoas, que com elas pude compartilhar a minha felicidade de estar vivendo um sonho.

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Carol Emboava

 
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