Cruzando o Tibet
da redação, Texto: Pablo e Karina
6 de outubro 2013 - 12:36
 
 
 
  • Foto: Karina e Pablo
    De Gyantse a Lhasa. Esse trecho da travessia foi o mais bonito! Foto: Karina e Pablo
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    As estradas do Tibet " Foto: Karina e Pablo
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    Chegamos a 5000 de altitude nas lindas estradas do Tibet. " Foto: Karina e Pablo
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    Pela estrada" Foto: Karina e Pablo
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    Alguns tibetanos que encontramos pelo caminho." Foto: Karina e Pablo
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    Muitas ovelhas..." Foto: Karina e Pablo
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    No meio do nada, os pastores das ovelhas." Foto: Karina e Pablo
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    Nosso carro." Foto: Karina e Pablo
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    Um dos restaurantes locais." Foto: Karina e Pablo
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    Banheiro público em Shigatse. Detalhe: não tinha porta na entrada. Tem horas que é melhor fazer no mato do que enfrentar o banheiro!!" Foto: Karina e Pablo
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    No meio do caminho, observando o povo local." Foto: Karina e Pablo
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    Em frente ao templo principal de Shigatse" Foto: Karina e Pablo
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    Tibetanas reunidas." Foto: Karina e Pablo
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    Lindo de ver a devoção dos tibetanos." Foto: Karina e Pablo
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    Monastério Tashilhunpo." Foto: Karina e Pablo
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    Em Shigatse, Tibet." Foto: Karina e Pablo
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    As tibetanas sempre muito simpáticas." Foto: Karina e Pablo
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    Dentro do monastério Tashilhunpo." Foto: Karina e Pablo
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    Avental típico das tibetanas" Foto: Karina e Pablo
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    Do alto do monastério Tashilhunpo." Foto: Karina e Pablo
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    Família admirando a paisagem." Foto: Karina e Pablo
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    Todos fazem a prostração ao entrarem nos templos. " Foto: Karina e Pablo
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    O que ela estava dizendo?? Não tenho a mínima ideia..." Foto: Karina e Pablo
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    Um amigo monge que fizemos no monastério." Foto: Karina e Pablo
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    Em Shigatse, Tibet." Foto: Karina e Pablo
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    No caminho, encontramos vários desses "discos" feitos de cocô de iaque." Foto: Karina e Pablo
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    Dzong (Forte da cidade)." Foto: Karina e Pablo
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    As belas construções da cidade. — em Gyantse County." Foto: Karina e Pablo
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    Vista da cidade de Gyantse." Foto: Karina e Pablo
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    O templo no interior do Monastério Palcho." Foto: Karina e Pablo
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    O templo no interior do Monastério Palcho. Tashi Delek!" Foto: Karina e Pablo
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    Os monges fazendo suas orações. Um dos poucos lugares que nos deixou fotografar. " Foto: Karina e Pablo
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    Linda estupa chamada Kumbum." Foto: Karina e Pablo
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    Imagem no interior do templo." Foto: Karina e Pablo
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    O forte da cidade" Foto: Karina e Pablo
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    Vista da cidade do alto da estupa." Foto: Karina e Pablo
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    Todos caminham ao redor dos templos, sempre no sentido horário. " Foto: Karina e Pablo
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    Em Gyantse" Foto: Karina e Pablo
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    Em Gyantse" Foto: Karina e Pablo
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    De Gyantse a Lhasa. Esse trecho da travessia foi o mais bonito! " Foto: Karina e Pablo
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    Último dia de viagem para chegar a Lhasa" Foto: Karina e Pablo
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    "Curtindo" a estrada..." Foto: Karina e Pablo
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    Paramos o carro e de repente: esse lago espetacular! " Foto: Karina e Pablo
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    Me divertindo junto com amigas Belgas que encontramos na estrada." Foto: Karina e Pablo
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    Experimentamos um passeio de iaque." Foto: Karina e Pablo
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    Quase uma tibetana." Foto: Karina e Pablo
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    A cidade de Lhasa." Foto: Karina e Pablo
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    Muita devoção dos tibetanos ao redor dos templos." Foto: Karina e Pablo
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    Templo Jokhang. " Foto: Karina e Pablo
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    A praça principal vista de cima e o Potala Palace lá ao fundo." Foto: Karina e Pablo
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    O lindo Palácio Potala. Local onde viveu Dalai Lama até se refugiar na Índia." Foto: Karina e Pablo
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    Muita emoçao estar neste lugar." Foto: Karina e Pablo
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    As sagradaos livros tibetanos escritos em folhas de madeira." Foto: Karina e Pablo
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    Vista do Palácio Potala." Foto: Karina e Pablo
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    Todas as crianças por aqui tem um corte na calça na região do bumbum. Deu vontade, abaixa e faz!!!" Foto: Karina e Pablo
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    Em Lhasa, Tibet." Foto: Karina e Pablo
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    Muita luz a todos! " Foto: Karina e Pablo
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    Fazendo orações e a prostração também. " Foto: Karina e Pablo
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    Monges reunidos realizando uma espécie de prova para testar seus conhecimentos. " Foto: Karina e Pablo
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    Parque em volta do Palácio Potala." Foto: Karina e Pablo
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    Monastério Sera." Foto: Karina e Pablo
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    Estupas em um parque na cidade." Foto: Karina e Pablo
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    Em Lhasa, Tibet. " Foto: Karina e Pablo
 

Quem já não sonhou conhecer o longínquo Tibet, o místico berço do Dalai Lama? Percorrer seus mosteiros, conversar com monges, acalmar a alma, contemplar suas montanhas gigantes, sentir a força da fé budista e seus mantras, fechar os olhos e silenciar num templo. Como não se surpreender com os tibetanos que enxergam em todos os seres vivos a centelha divina. Um povo que trabalha incansavelmente para suplantar sua dor e interpretar os obstáculos da vida como uma via para a evolução espiritual, a ponto de reverenciarem seu carrasco pela oportunidade de crescimento e desenvolvimento da paciência.

Entretanto, viajar para ao Tibet não é uma tarefa fácil. Bem, para começar o Tibet não é (mais) um país autônomo. Invadido em 1950 pela China de Mao Tse Tung, o remoto Tibet perdeu sua independência e passou a sofrer um verdadeiro massacre cultural. Desde então o acesso e a circulação pelo Tibet passaram a ser rigorosamente controlados e, por alguns períodos, totalmente bloqueados.

Todos nos advertiram que, se não contratássemos um pacote turístico pré-formatado com um grupo de cinco pessoas de mesma nacionalidade, a China não nos autorizaria ingressar no Tibet. Sendo assim, nossa missão seria encontrar mais três brasileiros com disposição para viajar ao Tibet, partindo do Nepal, nos dias seguintes. Fácil, não? Se estivéssemos em Miami talvez houvesse alguma chance, mas definitivamente não no Nepal.

Muitos tentavam nos persuadir a seguir de avião para China e desistir do Tibet. Até aquele momento, todas as circunstâncias nos induziam a seguir esta opção, mas algo em nosso coração clamava pelo Tibet. Não abriríamos mão facilmente de ver com nossos próprios olhos aquela região que habitava nosso imaginário há tantos anos.

Tentamos requerer a autorização para ingressar no Tibet com antecedência, mas as agências de turismo locais, único meio de se obter o “permit” (autorização especial, além do visto chinês), diziam-nos que as regras impostas pela China oscilavam de semana para semana e que seria melhor aguardar nosso retorno do trekking para solicitar a referida autorização especial.

Quando retornamos à Katmandu, de fato havia novas regras e a boa notícia era de que se aguardássemos o prazo de quinze dias, estaríamos dispensados de formar o tal grupo. Tornou-se possível realizar nosso sonho de cruzar por terra a imponente cordilheira do Himalaia, percorrendo curvas, passos e penhascos do famoso planalto tibetano. Sem dúvida um dos locais mais deslumbrantes do mundo.

Também teríamos a rara oportunidade de entrar em contato com a fascinante cultura tibetana, que embora oprimida pela China, resiste bravamente! Percebemos que muita gente deixa de visitar esta região por conta destes obstáculos criados pela China, claramente impostos para desestimular o trânsito de estrangeiros por aquelas bandas. Orgulhamo-nos de nossa perseverança e, assim, poder conhecer mais da cultura tibetana, testemunhar seu sofrimento, sentir-se tocado pela sua devoção, expressar nossa compaixão e compartilhar informações.

Embora nossa viagem ao Tibet fosse começar cedo, na noite anterior ficamos até tarde na internet acompanhando o ataque ao cume do Everest pelos brasileiros Rodrigo Raineri, Carlos Santalena, Carlos Canellas e Joel Krieger. A Karina Oliani já tinha atingido o cume nos dias anteriores, tornando-se a mulher mais jovem a escalar o Everest. O resultado final foi que três brasileiros atingiram o ponto mais alto do planeta nesta temporada: Karina Oliani e Jefferson Reis, pela primeira vez, e Rodrigo Raineri pela terceira vez. Durante nossa passagem pelo Himalaia aprendemos a admirar e respeitar, ainda mais, estes bravos brasileiros. Não só pelas suas conquistas, mas também pela humildade e caráter. Nestes tempos de protestos e críticas, é sempre bom lembrar que há também muito do que se orgulhar em nosso país.

Deixamos a cidade de Katmandu num jipe que nos levaria somente até a fronteira. A estrada estava em péssima condição e o trajeto cansativo. A única distração foi uma parada para conhecer uma enorme ponte suspensa onde há um bungee jumping assustador. Até deu vontade, mas a estrutura não inspirava confiança. Na fronteira enfrentaríamos a famosa e rigorosa imigração chinesa. Se tudo desse certo, cruzaríamos a fronteira a pé e encontraríamos outro veículo no lado chinês.

Quando chegamos à fronteira, o motorista nepalês nos advertiu dos itens que poderiam gerar problema na imigração. Pensamos: “só agora ele nos avisa?” Dentre os itens mais procurados pela polícia chinesa estavam livros e fotos que fizessem menção ao Dalai Lama ou Tibet. Inclusive guias de viagem, tais como Lonely Planet, os quais eram sumariamente confiscados pela imigração por abordarem a controvérsia Tibet x China. Um bom guia de viagem é fundamental para aqueles que se aventuram de forma independente na China. Encontramos um Lonely Planet usado no Nepal, fruto de muita negociação. Decidimos arriscar e tentar passar com nossos livros.

Na primeira revista passamos com tranquilidade, os livros estavam no fundão e o policial desistiu de verificar minha mochila toda. Mal pudemos comemorar quando descobrimos que haveria uma nova revista. Porém, na segunda etapa havia um raio x, foi então que o funcionário descobriu o guia e ficou furioso por eu tê-lo omitido. Irritado, ele pediu para que eu me dirigisse a outro espaço, senti um frio na barriga. Como um devaneio, lembrei-me da história do condenado chinês à morte, cuja família recebe a conta da bala utilizada na execução. Para meu alívio, logo percebi que minha pena seria um longo sermão e o guia confiscado.

Nestas situações críticas, usamos uma estratégica geralmente infalível, damo-nos por desentendidos e falamos um pouco em português, um pouco em inglês, até que a fila aumente e a pessoa se canse. Enquanto isso a Karina estava no maior papo com o outro policial, o qual passou a ser simpático quando descobriu que éramos brasileiros. A velha e boa história: “Oh Brazil? Very nice, futebol, Ronaldo (...)”. Novamente somos gratos ao Ronaldo, o “diplomata” mais eficiente do Brasil. No final das contas, o “policial bonzinho”, que estava conversando animadamente com a Karina, foi conversar com o “policial mal” e acabaram me liberando e, o melhor, com o guia. Ufa, que sufoco!

Cruzamos a fronteira, com um sorrisinho maroto no rosto. Deixamos o motorista nepalês para trás, assim como todo um mundo que já havíamos nos acostumado a lidar. Grandes mudanças nos aguardavam. Fomos apresentados para nosso novo motorista e guia turístico, os quais faziam parte do pacote obrigatório para se obter o permit chinês. Entretanto, durante a negociação com a agência de turismo nepalesa, impomos uma condição: nosso guia deveria ser tibetano. Ou seja, desejávamos alguém que nos mostrasse o verdadeiro Tibet e não a versão distorcida chinesa. Por exemplo, os tibetanos se consideram invadidos e subjugados, os chineses afirmam que apenas ajudaram os tibetanos a se libertarem do feudalismo religioso. Nosso pedido foi atendido e nosso guia era um típico tibetano com uma história de vida impressionante, cujo nome e detalhes preferimos omitir.

Percorremos lindas estradas sinuosas, literalmente recortadas na pedra, à beira de abismos assustadores. Felizmente, a estrada era excelente e o motorista cauteloso. Em todas as direções havia montanhas, algumas com neve e rios de degelo rasgando a paisagem. Uma região inóspita e intransitável durante o inverno devido às nevascas que assolam aquela região.

A temperatura caía drasticamente ao longo daquela interminável subida. Na primeira noite ficamos hospedados num pequeno vilarejo, ponto de parada de muitos viajantes, especialmente dos indianos que estavam a caminho do cultuado Monte Kailash. Esta montanha, sagrada para os hindus, budistas e jainistas, é a nascente de quatro dos maiores rios da Ásia: Ganges, Bramaputra, Indo e Sutlej. Os budistas a consideram o centro do universo, enquanto os hindus a enxergam como a morada do grande Deus Shiva. Em razão disso, há uma tradição milenar que atrai peregrinos do mundo todo, a auspiciosa caminhada ao redor do Kailash, um percurso de 52 km, sempre em sentido horário.

Embora já fosse tarde, mais de nove da noite, o sol ainda forte, sem pressa de se por, instigou-nos a explorar um pouco da nossa primeira estadia. Deixamos nossas mochilas no quarto coletivo e fomos dar uma caminhada naquela cidadela que se resumia a uma rua. Caminhávamos, como crianças curiosas, fascinados diante da nova cultura que se revelava aos nossos olhos. Era fácil identificar, nos comércios e trajes dos transeuntes, que ali coabitavam idiomas e tradições distintas: a tibetana e a chinesa.

Retornamos ao hotel, sem achar um local decente para jantar, ansiosos por um banho revigorante após um longo dia de viagem. Quão frustrante foi quando descobrimos que chuveiros não havia naquele hotel. Perguntamos acintosamente ao guia: “Como não há chuveiro? As pessoas não tomam banho por aqui?” Quase caímos para trás quando ele nos respondeu a queima roupa: “não”. Ele nos explicou que, por conta do frio intenso e crenças, não faz parte da cultura tibetana se banhar por inteiro. Salvo um banho anual, às vésperas do “Losar” (reveillon), conforme o calendário tibetano.

No dia seguinte saímos cedo, enquanto os vales ainda estavam escuros, pois o sol, que já iluminava o céu, ainda não tinha vencido as altas montanhas. Seria nosso dia mais longo de viagem até alcançar a cidade de Shigatse. Ficamos vidrados na janela observando aquela paisagem magnífica. Uma região árida na qual raramente se via alguém, às vezes um pastor com um rebanho de cabras e ovelhas. Nossa mente flutuava tentando imaginar de onde vinha aquele homem solitário, onde e como ele vive, se tinha família, quais eram seus anseios etc. Perdíamos em pensamentos naquela vastidão sem fim.

Nosso motorista nos conduzia calmamente, subindo e subindo, estrada acima. De longe avistávamos uma imensa montanha e a estrada apontando em sua direção. Quando imaginávamos que aquele era o ponto mais alto, logo descobríamos que aquele cume era o início de uma nova subida e assim seguíamos. Afinal, estávamos no planalto mais alto do mundo, cuja elevação média de 4.900 metros de altitude faz jus ao apelido de “teto do mundo”. A monotonia da direção só era quebrada com as paradas obrigatórias na estrada para apresentação de documentos. O percurso todo até Lhasa é assim, fragmentado por dezenas de guaritas policiais, muitos deles no meio do nada, denunciando o rigoroso controle infligido pela China, supervisão que não encontramos posteriormente no território chinês.

No meio da viagem começamos a sentir os efeitos da altitude. Embora supostamente estivéssemos aclimatados à altitude, em virtude do trekking ao acampamento base do Everest, alguns sintomas ressurgiram, como falta de ar, mal estar, formigamento e leve dor de cabeça. Não era por menos, nosso guia nos informou que naquele momento estávamos chegando a 5.248 metros de altitude. Em contrapartida, contemplamos uma linda vista do Everest e de outras montanhas acima dos 8.000 metros (Makalu e Cho Oyu). Este era o quarto ângulo do Everest que tínhamos a felicidade de testemunhar. No início do trekking no Nepal vimos o Everest à distância. Nós também o vimos próximo ao Acampamento Base por outro lado. Do avião a caminho do Butão tivemos uma visão incrível. E agora avistávamos o Everest do outro lado do Himalaia.

Em tempos e tempos avistávamos vilarejos e fortes, em ruínas, do tempo em que o Tibet era um imponente império. Por mais de 800 anos o Tibet viveu uma dinastia militar que controlava todo platô tibetano, bem como boa parte da China, Índia, Nepal, Mianmar e Butão. O período militar expansionista tibetano foi quebrado quando Songtsen Gampo, 33º rei do Tibete, subiu ao trono. Ele incorporou o budismo como religião oficial, fundindo-o com as tradições xamanistas “Bon”. Songtsen Gampo é até hoje reverenciado pelo seu imenso legado, unificou o país, criou o alfabeto tibetano, sistema legal, princípios de proteção ao meio ambiente, adoção ao budismo, alianças com os países vizinhos e construção de importantes templos. Ele também enviou estudantes para a Índia e trouxe o mestre Padmasambhava ao Tibete, o qual também é conhecido como Guru Rinpoche (Mestre Precioso) para ensinar a filosofia budista. Os tibetanos e os butaneses consideram o Guru Rinpoche como o segundo Buda. Lembram da história do nosso encontro com um Rinpoche na trilha do Everest? Vejam lá como foi este inusitado e significativo encontro.

Ao longo daquela rodovia, também avistamos alguns pequenos vilarejos habitados, ou melhor, um aglomerado de casas tipicamente tibetanas. Ali definitivamente os chineses não ousavam se infiltrar. Descobrimos que estas comunidades sobrevivem de forma comunitária, uns ajudando os outros, inclusive na construção das casas em forma de mutirão. A arquitetura tibetana é inconfundível. As casas e mosteiros estão sempre voltados para o sul, cujas paredes são construídas a partir de uma mistura de rochas, madeira, cimento e terra. Não há telhados e os tetos são construídos retos para conservar o calor. As janelas são grandes para permitir a entrada da luz solar, as esquadrias pintadas de preto e decoradas com o tema das cores budistas. O interior destas construções é ricamente ornamentado com imagens e símbolos budistas, thangka (delicadas pinturas de deuses e mandalas em seda), bordados, móveis em madeira coloridos, imagens de mestres, grossos e lindos tapetes. Ingressar numa residência tibetana é por si uma experiência magnífica.

Uma curiosidade a respeito das residências tibetanas é esterco de iaque. Por motivos culinários (combustível de fogão), aquecimento e estético, os tibetanos empilham sobre seus muros e paredes discos secos formados a partir do excremento de iaque. Também foi neste trecho que fomos “apresentados” para o antigo sanitário público chinês. Senão não bastasse o sistema “asiático” que já descrevemos em outros textos, o banheiro público chinês é coletivo. Em outras palavras, as pessoas se agachavam lado a lado naquele momento que deveria ser de profunda intimidade e concentração. Já havíamos lido sobre isso no livro da Sonia Bridi, Laowai, quando ela descreveu que presenciou as chinesas não só “posicionadas”, mas conversando durante sua “permanência” no toalete.

A cidade de Shigatse fica a 3.840 metros de altitude, sendo a segunda maior cidade tibetana (92 mil habitantes), com temperatura média anual de 6ºC. Diferentemente dos vilarejos anteriores, aqui os chineses estão por toda parte, especialmente controlando o comércio local. Nosso jovem guia, sempre com um ar amargurado, informou-nos que a China cria uma série de obstáculos burocráticos para que os tibetanos exerçam atividade empresarial, enquanto os chineses que migraram para esta região em busca de oportunidades recebem incentivo estatal. A principal atração em Shigatse é o magnífico monastério Tashilhunpo. Construído em 1447 pelo primeiro Dalai Lama, Tashilhunpo é a sede do “Panchen Lama” (número dois na hierarquia budista tibetana).

Há uma nebulosa história a respeito desta autoridade religiosa. Acredita-se que o 10º Panchen Lama (Choekyi Gyaltsen) foi assassinado por envenenamento após proferir publicamente críticas à ocupação chinesa em 1989. Com seu falecimento, surgiu uma sucessão de absurdos em relação à reencarnação do 11º Panchen Lama. Seguindo suas tradições na busca do próximo Panchen Lama, os tibetanos e o Dalai Lama chegaram, após seis anos de busca, a uma criança chamada Gedhun Choekyi Nyima. Entretanto, o governo chinês prendeu a indicação tibetana e passou a afirmar que Qoigyijabu Norbu, filho de um membro do partido comunista chinês, era o novo Panchen Lama. Desde que Gedhun foi preso em 1995, com idade de apenas seis anos, ele nunca mais foi visto, sendo considerado por organizações internacionais de direitos humanos o “prisioneiro político mais jovem do mundo”. Em 2007, a ONU requereu ao governo chinês uma autorização para que um perito independente visitasse Gedhun e confirmasse seu bem-estar, porém o pedido foi negado.

Nossa visita ao monastério Tashilhumpo se iniciou pela manhã e supostamente duraria poucas horas. Entretanto, nosso encantamento por aquele local e pelos devotos visitantes foi tamanho que passamos o resto do dia transitando nas mediações. Tashilhumpo está localizado numa colina de onde se tem uma visão panorâmica do vale ao redor de Shigatse. Pela quantidade de templos, cercados por muralhas, tem-se a impressão que se está numa pequena cidade. Lá viviam, antes da invasão chinesa, mais de 4.000 monges, porém, hoje vivem menos de um décimo disso por imposição e controle governamental. O guia nos explicou o complexo sistema criado pelo governo chinês para inviabilizar o ordenamento de novos monges. A China tenta quebrar, ou melhor, controlar a espinha dorsal da cultura tibetana, a religião.

Por mais evidentes que sejam as mudanças trazidas pela China, algumas delas positivas, verdade seja dita, especialmente na área de infraestrutura (estradas, pontes, educação, saúde), a cultura tibetana incrivelmente resiste e persevera há mais de meio século.
Cultura esta passada de pais para filhos. Foi fascinante observar os tibetanos visitando este templo. Ficamos sentados por horas, observando e, timidamente, interagindo com eles. Seus hábitos alimentares, rituais e vestimenta nos revelavam o quão distante aquela cultura estava da nossa.

As mulheres usam uma espécie de vestido preto de alças, longo e de pano grosso. Por debaixo deste vestido, elas usam blusas coloridas de manga comprida, enquanto sobre as pernas há uma espécie de avental colorido. Além disso, compõe o traje típico um pano colorido enrolado na cintura, botas vermelhas cano alto de lã grossa. Também há um pano dobrado sobre a cabeça, fazendo o papel de chapéu, embora muitas delas já tenham aderido ao chapéu “made in china”. As mulheres mantêm seus cabelos longos, recolhidos em tranças coloridas presas debaixo do chapéu, as quais são liberadas em ambientes sagrados em sinal de respeito.

Poucos homens ainda se vestem com roupas tradicionais, ou seja, casaco longo forrado com lã de carneiro, geralmente preto, com mangas grossas dobradas, mostrando um forro colorido, botas vermelhas de lã, calças compridas, chapéu e um cordão amarrado na cintura. Enquanto caminham ao redor dos templos, homens e mulheres carregam um japamala (uma espécie de terço budista) na mão esquerda e um mani korlo (instrumento rotatório, dentro do qual há orações) na mão direita.

Havia muitas crianças de todas as idades. Nós ficamos encantados com os bebezinhos presos nas costas das mães e avós. Uma espécie de “sling” ou “canguru”, um pano simples que amarra a criança junto ao corpo da mulher. A criança ficava ali nas costas durante horas, inclusive durante o ritual de prostração. Assim como na tradição inca, em que as mães carregam suas crianças presas às costas, liberando as mãos para desempenhar suas atividades, aquelas crianças nos pareciam realmente muito à vontade, aquecidas com o calor da mãe e felizes. Este testemunho nos fez refletir a respeito de como o mundo ocidental lida com seus filhos. Hoje quando nasce uma criança, a primeira coisa que se pensa é comprar um enorme carrinho e trocar de carro, pois o trambolho é tão grande que um porta-malas maior se faz necessário. De fato há muitos produtos de consumo que trazem maior conforto e facilidade, mas em contrapartida, eles consomem nosso espaço, economias, liberdade e, quiçá, intimidade. A cada dia nós estamos mais “minimalistas”, ou seja, desejando viver com menos.

Os tibetanos são tímidos, mas não menos simpáticos. Nossa comunicação se restringia à troca de sorrisos, olhares curiosos e muita mímica, seguida sempre de risadas gostosas dos dois lados. Quando alguém abria espaço para uma comunicação, logo outras pessoas curiosas se aproximavam e acabávamos cercados de pessoas. Elas falavam sua própria língua, nós fazíamos o mesmo, disparando frases em português como “não estou entendendo nada, mas você parece muito bacana”. Quando muito, mandávamos um “Tashi Delek” (saudação tibetana), arrancando gargalhadas dos simpáticos tibetanos! Ao final, todos acabavam se divertindo, despedindo-se com um ar satisfeito.

A devoção tibetana é algo que nunca vimos antes. Uma entrega sincera e tocante. O ritual de prostração é surpreendente. Prostrar-se é ato de intensa humildade, autoconhecimento e prática das crenças budistas. Para executar as prostrações, o devoto se coloca de pé, coloca as mãos em forma de oração na altura do coração. Enquanto recita mantras em voz baixa, desloca as mãos para o topo da cabeça, desce para frente da garganta e finaliza no peito novamente. Então desce ao chão, deitando-se totalmente de bruços, com as mãos esticadas à frente, tocando a testa no chão. Em seguida, o devoto se levanta, dá um novo passo e repete o mesmo ato centenas e centenas de vezes. Este ritual se desenrola por horas ao redor de algum espaço sagrado, o que pode significar algumas dezenas de metros ou extenuantes quilômetros.

Este primeiro contato com os tibetanos foi intenso. Nossos corações pulsavam forte, nossos olhos permaneciam arregalados, desejando captar tudo. Sentíamos calafrios de êxtase e emoção por testemunhar tudo aqui. A energia naquele ambiente era realmente forte e positiva. Não satisfeitos em percorrer todas as vielas e templos, acompanhamos os peregrinos que circundavam o monastério pela parte de fora, tocando e virando as rodas de oração pelo caminho. Aprendemos a entoar o mantra “om mani padme hum”, o qual traz muito significados e mistérios, tendo como tradução literal: “da lama nasce a flor de lótus”.

Visitamos a pedra a partir da qual o monastério foi iniciado. Uma pedra antigamente utilizada para o “enterro celestial” tibetano. Você já ouviu falar de como os tibetanos lidam com corpos, se são enterrados ou não? Os tibetanos são budistas e acreditam na reencarnação, portanto, consideram que a “consciência”, “espírito” ou “alma” se desliga do corpo e renasce num novo bebê, assim sucessivamente até atingir a iluminação. Não veem sentido em conservar o corpo. Sendo assim, como último sacrifício do falecido e de sua família, seguindo-se um ritual, o cadáver é picado sobre uma pedra específica e seus pedaços oferecidos às aves de rapina. Trata-se de um ato de fé, respeito à natureza e à vida, pois sua carne é oferecida como alimento a outro ser vivo.

Ainda visitaríamos uma última cidade importante antes de chegar a Lhasa, restava conhecermos a cidade de Gyantse. Ela era a terceira maior cidade do Tibet. Porém, após a invasão chinesa, Gyantse passou a perder força e viu sua população ser reduzida pela metade. A parada vale muito a pena para visitar o enorme Dzong (forte) e o Monastério Palcho. Dentre as construções deste monastério se destaca o “Kumbum”, uma espécie de estupa (estrutura em forma de cone), de 35 metros de altura, com nove andares, em forma de mandala, contendo 77 capelas com estátuas e imagens do budismo Vajrayana. Fizemos questão de circundar cada nível do Kumbum e visitar as capelas em todos os andares. Os degraus intermináveis foram cansativos, mas o que realmente tirou nosso fôlego foi a visão da cidade e especialmente dos tibetanos caminhando ao redor dos templos.

Acompanhamos o fluxo de devotos por algum tempo, mas logo sentamos e passamos a observá-los, divertindo-se com as crianças e com as pessoas que nos incentivavam a continuar caminhando. Foi um deleite espreitar aqueles homens e mulheres, jovens e idosos, caminhando, concentrados no seu mantra. Sua pele queimada pelo sol ardido e pela altitude fatigante delineam rostos de feições duras e traços profundos. Não imaginávamos o quão árdua era a vida destas pessoas. Viver naquela altitude, naquele frio intenso, ventos cortantes, invernos longos e duros. Sobreviver da parca agricultura sazonal, num solo árido e pedregulhoso, e da criação de animais. Senão bastasse, sua liberdade religiosa foi castrada, sua locomoção limitada e sua cultura condenada à extinção pelo ardiloso estratagema chinês.

Os chineses e tibetanos são como água e óleo, não se misturam. Ambos se toleram por conveniência e sobrevivência, mas ao final de contas, cada grupo segue separado, abraçados à sua própria cultura e tradições. Isso se materializa inclusive nos bairros, totalmente isolados um do outro. Atendendo nosso pedido, nosso guia nos levou para caminhar pelas ruas do bairro tibetano. Foi realmente muito interessante. Caminhávamos observando o estilo das construções e as pessoas, bem como ouvindo as histórias contadas pelo guia tibetano que se empolgava em relatá-las na medida em que se sentia mais à vontade com nossa persistente curiosidade.

No Monastério Palcho, fomos autorizados a fotografar e filmar discretamente. Visitamos ambientes formidáveis, como a fascinante coleção de livros escritos em finas lâminas de madeira, rebuscados mandalas em areia fina, lindos artefatos moldados em manteiga, rituais, leituras sagradas e, especialmente, o entoar de mantras que nos deixou arrepiados.

Agora restava enfrentar uma longa e cansativa viagem até Lhasa. Subimos e descíamos intermináveis desfiladeiros. Salve, salve o Dramin! Cruzamos “passos” acima dos 5.000 metros de altitude. Passamos ao pé de lindas montanhas, circundamos lindas represas e lagos, avistamos rebanhos de iaques, alguns animais selvagens, acampamentos de nômades e cortamos plantações de Tsampa. O Tsampa é um grão pequeno, quando cozido tem gosto de pipoca. Os tibetanos fazem dele uma farinha, sendo seu uso um dos pratos mais tradicionais da culinária tibetana, assim como o famoso chá de manteiga de iaque (não muito apetitoso para os padrões ocidentais). Compramos um pacote de Tsampa na estrada de um senhor muito divertido, depois de conhecer seu rudimentar engenho de moer o grão. A viagem cruzando o planalto tibetano foi estupenda, chegando a superar nossas expectativas. Um grande sonho realizado!

Em contrapartida, chegar a Lhasa foi um pouco frustrante. Uma cidade grande, com prédios e ruas asfaltadas como outra qualquer. Lhasa se tornou a expressão maior do “desenvolvimento chinês”. Não que isso seja ruim em si, pelo contrário, o desenvolvimento é útil para todos que lá vivem. Porém, Lhasa se tornou uma cidade diferente daquilo que imaginávamos e também do estilo que havíamos visto até então. Enquanto outras cidades tibetanas ainda há uma divisão entre a arquitetura chinesa e a tibetana, ali os chineses haviam se apoderado de todo espaço. Apenas algumas construções famosas como o Palácio Potala e Templo Jokhang sobreviveram. Acredita-se que mais de 6.000 templos foram destruídos. Os fatos que sucederam a invasão chinesa são terríveis, levando a morte de mais de um milhão de tibetanos. O mundo se omitiu e ainda se omite diante do genocídio cultural em andamento no Tibet. Aqui fica evidente que os EUA e a ONU somente se movimentam quando há interesses escusos, especialmente econômicos, utilizando como falsa justificativa a defesa de valores humanitários.

Hospedamo-nos no centro histórico, ao lado de uma mesquita. Foi curioso caminhar entre grupos de orientais islâmicos tradicionais, ou seja, com roupas e hábitos oriundos da cultura mulçumana, como solidéu (espécie de boina) e barba grande. A cidade parece um grande canteiro de obras, prédios em construção e calçadas reviradas para todo lado.

A cada esquina há um posto da polícia, onde todos são revistados. Nós, os gringos, éramos submetidos a uma revista leve, enquanto os tibetanos passavam por um pente fino constrangedor. Segundo nosso guia, essa vigilância tem como objetivo inibir manifestações, especialmente as imolações. Imolações são os atos de autoflagelos. Um ato de desespero e protesto, pelo qual algumas pessoas ateiam fogo em seu próprio corpo. Em Dharamsala havíamos visto alguns cartazes imensos com dezenas de fotos de imolações. Fotos muito fortes, muito tristes, algo inconcebível para nosso mundinho brasileiro.

Em nosso passeio pela cidade, caminhamos em direção ao recinto mais importante para o budismo tibetano, Templo Jokhang. Não demorou muito para percebermos que estávamos na direção certa, quando passamos a acompanhar uma multidão de tibetanos que rumavam no mesmo sentido. Muitos deles imprimiam o ato de prostração, ou seja, alguns caminhavam lentamente com seus japamala e mani korlo, entoando mantras, enquanto outros deitavam no chão e levantavam dando apenas um passo, repetindo este ato por horas a fio. O templo Jokhang foi fundado pelo rei Songsten, construído para abrigar imagens budistas trazidas por suas duas noivas, a princesa chinesa Wencheng e a princesa nepalesa Bhrikuti.

O templo estava cheio de devotos e o ar carregado por incensos e velas queimando. Particularmente o budismo tibetano é complexo e repleto de deidades. Boa parte destes semideuses foi herdada da antiga religião que predominava no Tibet, a religião Bon. Chega a ser cansativo saber a história e a função de tantas entidades. Por outro lado, o ambiente era forte e a energia vibrante. Não éramos os únicos turistas. Em Lhasa há uma massa de turistas chineses inconvenientes, tentando desesperadamente tirar fotos de tudo. Esperamos que pelo menos estas pessoas se sintam tocados pela cultura tibetana e saibam respeitá-las num futuro próximo.

Vimos o antigo trono do Dalai Lama e ficamos imaginando ele lá sentado, recebendo pessoas e falando sobre amor e compaixão. Encontramos muitos momentos e espaços propícios para meditação e oração. Nosso guia nos explicou que na oração budista primeiro se pede em benefício da humanidade, depois da família e, por último, para si.

Em Lhasa também visitamos o seu principal cartão postal, o Palácio Potala. Antiga casa do Dalai Lama, onde ele cresceu, recebeu ensinamentos, meditou, inclusive onde recebeu Heinrich Harrer, personagem estrelado pelo ator Brad Pit no filme “Sete Anos no Tibet”. Há mais de mil aposentos no palácio, apesar de que pouquíssimos deles ainda estejam abertos ou em uso por monges. De fato, a construção é magnífica e rica em histórica. Entretanto, onde antes havia vida e tradição de um povo, onde habitavam mais de quatro mil monges, hoje se tornou num prédio vazio, sem alma, um grande museu, um reduto de turistas chineses e meia dúzia de monges manipulados.

Entre 1987 e 1989, houve grandes manifestações na capital tibetana, lideradas por monges e freiras contra a ocupação chinesa. A China impôs restrições e programas de reeducação política nos mosteiros, com a intenção impor visão comunista. Foi um período de grande repressão, prisões, fugas desesperadas para o Nepal e Índia e mortes. Este episódio real foi relatado em forma de romance no livro “Montanhas de Buda”.

Há muita coisa para se ver e conhecer em Lhasa. Caminhar sem rumo pela cidade por si já é muito interessante, especialmente se seguir o Lingkhor, um caminho sagrado de quase oito quilômetros ao redor do centro de Lhasa, quase sempre repleto de peregrinos, alguns se prostrando por todo percurso. A Karina tirou uma manhã para percorrer o Lingkhor e voltou cheia de histórias para contar. Acabamos não conseguindo visitar tudo, especialmente aqueles nas redondezas de Lhasa, não apenas por falta de tempo, mas porque nosso “permit” limitava os ambientes que poderíamos circular. Nossa última visita foi Templo Sera, belo como os demais, cuja maior diferencial foi presenciar um ritual entre mestres e alunos. Uma vez por dia os monges se reúnem numa praça para debater e aprofundar sua compreensão a respeito dos ensinamentos budistas. Ao longo de mais de uma hora, é possível testemunhar um curioso duelo de perguntas e respostas entre monges, com muita expressão corporal, incluindo-se palmas, empurrões e tomada do japamala um do outro.

Deixamos Lhasa de trem numa viagem de 33 horas de duração até a cidade chinesa de Xian. Uma viagem inesquecível pela ferrovia mais alta do mundo, cortando paisagens deslumbrantes. O trem é especialmente adaptado para este percurso, cujas cabines são enriquecidas com oxigênio diante da altitude, pois o ar se torna rarefeito nos trechos acima de 5.000 metros.

Provavelmente não há outro lugar no mundo comparável a esta viagem pelo Tibet, o qual nós tivemos o privilégio de percorrer durante nossa jornada de descobrimento e autoconhecimento. Um sonho, um cenário perfeito, uma pintura, um filme que se mantém vivo e vibrante na lembrança.

Tashi Delek!

* Próximo post: A Gigante China.


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