Allahabad e o Kumbh Mela
da redação, Texto: Pablo e Karina
2 de março de 2013 - 12:05
 
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  • Foto: Karina e Pablo
    Em meio à multidão no Kumbh Mela 2013 Foto: Karina e Pablo
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    Karina e o Dukanji, que está no Guiness Book pelo maior bigode do mundo " Foto: Karina e Pablo
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    Cerca de 100 milhões de pessoas passaram pelo Kumbh Mela este ano. " Foto: Karina e Pablo
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    Banho real no Sangam (encontro dos rios sagrados)" Foto: Karina e Pablo
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    Travessia do rio" Foto: Karina e Pablo
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    Mulheres aguardando a comida doada e abençoada pelo Guru" Foto: Karina e Pablo
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    O outro lado do rio" Foto: Karina e Pablo
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    Recebendo a benção do Sadhu" Foto: Karina e Pablo
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    Sadhu com o corpo coberto de cinzas" Foto: Karina e Pablo
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    Observem o que está enrolado na espada" Foto: Karina e Pablo
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    Sadhus em cerimônia de iniciação" Foto: Karina e Pablo
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    Sadhu mirim" Foto: Karina e Pablo
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    Karina também foi abençoada (esse é o famoso Sadhu da história do chinelo)" Foto: Karina e Pablo
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    A multidão banhando-se no rio" Foto: Karina e Pablo
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    ..." Foto: Karina e Pablo
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    Shadu" Foto: Karina e Pablo
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    Sadhu que vive nas montanhas do Himalaia" Foto: Karina e Pablo
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    Esse só fica numa perna" Foto: Karina e Pablo
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    Algumas cenas chocantes" Foto: Karina e Pablo
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    Elas sempre sorrindo" Foto: Karina e Pablo
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    Este com o braço levantado há 37 anos" Foto: Karina e Pablo
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    Sadhu" Foto: Karina e Pablo
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    Pablo e Karina com Sri Prem Baba" Foto: Karina e Pablo
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Em meio à multidão no Kumbh Mela 2013 Foto: Karina e Pablo

 

Já podemos adiantar que esta parte da viagem foi e sempre será um dos momentos mais incríveis de nossas vidas. Parafraseando o Arthur Veríssimo, o qual tivemos a alegria de conhecer pessoalmente neste Kumbh Mela, ainda estamos “decupando” esta incrível experiência.

Bem, mas esta história começou muitos meses antes, uma série de “coincidências” (o que mais adiante passaremos a chamar de sincronicidades) nos levaram a este inesquecível evento. De fato, a Índia sempre foi um dos destinos escolhidos por nós para esta longa viagem. Este misterioso e milenar país sempre esteve em nosso imaginário, mas, a princípio, quando havíamos traçado o roteiro, a Índia não era nossa primeira parada e sequer o Kumbh Mela era o foco do início da viagem, evento este que nunca tínhamos sequer ouvido falar.

Como traçar um roteiro de volta ao mundo? Por onde começar? Por onde terminar? Quais os países a serem visitados? Quanto tempo seria necessário? Quanto se gasta? Tente responder estas perguntas e assim como aconteceu conosco, seu cérebro dará um nó. Fizemos muitas pesquisas na internet e livrarias, mas a única conclusão que chegamos é que deveríamos seguir o coração e o restante iria se ajeitando. Não sabemos se esta estratégia é a correta, mas podemos categoricamente afirmar que até agora tudo está fluindo bem.

Basicamente, utilizamos três critérios: evitar países em conflito; escolher experiências que preferencialmente deveríamos vivenciar neste momento de nossas vidas (vigor físico e sem filhos), tais como subir montanhas, cruzar ambientes inóspitos etc; e evitar obstáculos climáticos, tais como inverno na Sibéria, monções na Índia etc. Alguns destinos já tínhamos como certo, já outros foram surgindo na medida em que nós nos aprofundávamos nas pesquisas e especialmente quando conversávamos com outros viajantes.

Havia dois destinos latentes em nossas mentes para o início da viagem: safari na África e trekking (longas caminhadas) no Nepal. Acompanhamos a viagem de uma amiga, Paulinha, ao campo base do Everest. Ficamos fascinados pelas fotos e almejamos incluir esta experiência na nossa aventura, mas não fazíamos ideia de qual seria o investimento financeiro e o grau de dificuldade física. Sendo assim, fui ao encontro da Paula para falar especificamente sobre o trekking ao campo base do Everest. Por ironia do destino, eu me atrasei e a Paula já havia partido. Porém, ela gentilmente havia deixado um bilhete com algumas dicas importantes a respeito do Nepal e duas recomendações extras: de que fossemos falar com Sonia, a qual poderia oferecer dicas da Índia e que fossemos ler a respeito do hinduísmo e do Sri Prem Baba.

Sonia, ao se dar conta de que nossa aventura se iniciaria em 2013, tendo a Índia como um dos destinos, foi categórica ao afirmar que o Kumbh Mela deveria ser incluído no nosso projeto. Nós insistíamos em buscar dicas de cidades e destinos clássicos, os quais seriam visitados conforme nosso planejamento prévio, enquanto Sonia persistia na importância do Kumbh Mela. Falamos sobre alguns outros destinos e assim começamos a nos situar na Índia.

Semanas depois recebemos um DVD de uma querida amiga (Carla) que se intitulava, “Planeta Estranho – Índia Exótica”, do jornalista e escritor Arthur Veríssimo. Opa, vídeo falando sobre um dos destinos e o tal do Kumbh Mela? Sim, interessa muito. Assistimos o tal vídeo, foi amor à primeira vista! Vivenciamos uma mistura de espanto, muitas risadas e um desejo crescente de ver tudo aquilo com os próprios olhos. Além do Arthur ser muito divertido e sarrista, as imagens são incríveis, senão chocantes. Sadhus nus, cobertos de cinzas, milhões e milhões de peregrinos reunidos em acampamentos, ascetas que nunca baixam o braço ou pisam no chão, personagens com uma faca cravada no braço e uma multidão de devotos. O que era aquilo tudo?

Além do aspecto cômico, passamos a pesquisar melhor o evento e sua dimensão. Tratava-se de, não apenas do maior encontro espiritual do mundo, mas da maior concentração humana jamais vista, com expectativa de que mais de 100 milhões de peregrinos fossem passar pela cidade de Allahabad em 2013 para se banhar em seus rios sagrados. Quanto mais líamos, mais seduzidos ficávamos com a ideia de participar deste evento, o qual mais tarde seria denominado pelo Sri Prem Baba como “uma oportunidade única durante essa encarnação”. Este encontro ocorre em ciclos de 12 em 12 anos, mas sob ponto de vista astrológico e religioso, aquela conjunção de fatores só ocorreria novamente após 144 anos.

A esta altura já estávamos totalmente envolvidos com o Maha (maior) Kumh Mela 2013 e dispostos a alterar todo nosso roteiro e ajustá-lo a este “auspicioso” evento! Agora, pergunte-se a si mesmo, você iria a um evento onde 100 milhões de pessoas ficariam acampadas à beira de um rio na Índia sem o mínimo de segurança? Exato, a resposta foi a mesma para nós: não! Portanto, como viabilizar este curioso projeto? Chegamos à conclusão de que a resposta gravitava na pessoa deste guru brasileiro, até então desconhecido para nós, Sri Prem Baba (Pai do Amor). Ficamos sabendo que ele reuniria um grupo para participar do evento, mas não sabíamos como nos incluir neste grupo. Contudo, os meses se passaram e não conseguíamos nenhuma informação nova. Descobrimos apenas empresas particulares especializadas em “viagens espirituais”, organizando excursões à Índia e ao Kumbh Mela, mas os preços eram totalmente inviáveis para nós.

Quando já cogitávamos abrir mão deste evento, o destino, o cosmo, uma mera coincidência, (...), seja lá o que você decidir chamar, conduziu-nos novamente para o Kumbh Mela. Ao longo de uma despretenciosa reunião de trabalho, com a hoje amiga Daniela, descobri que ela conhecia uma pessoa muito ligada aos trabalhos do Prem Baba na Índia. Esta pessoa não só nos forneceu informações valiosas e encorajadoras, mas também se comprometeu a perguntar para o próprio Prem Baba qual seria um período mais auspicioso para nossa visita à Índia, cuja resposta foi início de fevereiro. Como é importante compartilhar projetos e sonhos! Para nós, compartilhar é um veículo para sua realização. Os caminhos e respostas surgem nos momentos mais inusitados e muitas vezes por intermédio de pessoas aparentemente improváveis.

Muita coisa aconteceu e só tempos depois nos demos conta de que a data prevista por ele (meses antes) se concretizaria, sem que intencionalmente nós a tivéssemos escolhido. Quem nos conhece sabe que tínhamos como data certa de partida o dia 13/01/13, mas o acidente da Karina (rompimento dos ligamentos do joelho) nos obrigou a adiar nossos planos para o início de fevereiro. Após todos esses sinais, passou a ser certo para nós que iríamos ao Kumbh Mela 2013 e que a Índia seria nossa prioridade inicial. Deixamos de planejar minuciosamente a viagem, deixando as coisas fluírem naturalmente, por mais que as incertezas nos incomodassem em muitos momentos.

Abrir mão do controle e permitir que os caminhos se abram passou a ser não só uma forma de participar do Kumbh Mela, mas a tônica de toda nossa viagem. Poderíamos discorrer muitas páginas relatando as “coincidências” que passaram a fazer parte de nossa preparação e suas diárias manifestações ao longo da viagem propriamente dita.

Nossa partida em direção ao Kumbh Mella teve início no aeroporto de Varanasi, onde encontramos as recém-chegadas Sonia e outra brasileira para juntos seguirmos de taxi ao acampamento do Prem Baba. No percurso, silenciosamente, muitas perguntas permeavam nossos pensamentos: Como seria o Kumh Mela? Como seriam os acampamentos? Como uma multidão de 100 milhões de pessoas chega a uma cidade? Onde elas dormem, comem etc? Será que realmente conseguiríamos chegar a este lugar? Qual o grau de problemas e privações que enfrentaríamos? Como seria estar próximo pela primeira vez de um guru (guia espiritual)?

Chegamos ao acampamento do Sri Prem Baba em Allahabad numa noite fria após longa estrada no estilo indiano, ou seja, trânsito insano, buzinadas constantes e fininhas de tirar o fôlego. Logo de início nos impressionamos com a multidão nas ruas, uma massa de pessoas humildes, reunidas em pequenos grupos familiares, equilibrando surpreendentemente suas bolsas na cabeça, caminhando para todas as direções, de todos os lados dos rios. Fomos muito bem recebidos e direcionados para as nossas respectivas tendas, separando-se as mulheres dos homens, tendas estas que se tornaram nossas casas pela próxima semana.

O acampamento preparado para receber 500 pessoas estava dividido em duas partes, ambas estrategicamente localizadas em frente ao encontro dos rios sagrados, porém do lado oposto onde transitam a maior parte da multidão. A estrutura era impecável, a sensação de que estávamos num oásis. Banho quente, flores especialmente plantadas, comida deliciosa, banheiros limpos (estilo ocidental e indiano, este de cócoras), cama boa, cobertores grossos. Entre outros, estes foram alguns dos confortos previamente providenciados pela equipe organizadora e por todos aqueles que lá estavam. Sim, todos, uma vez que as pessoas se revezavam nas tarefas e responsabilidades, dentro de um clima comunitário. Com exceção de nós, quase a totalidade das pessoas que lá estavam eram hinduísta e boa parte discípulos do guru Sri Prem Baba.

O clima no acampamento era muito especial, pessoas receptivas, ajudando umas as outras, sorrisos fraternais, solidariedade e olhares carinhosos. Todos os afazeres do acompanhamento, os quais naturalmente eram muitos para que o houvesse o mínimo de conforto, aconteciam com uma fluidez admirável. Além disso, havia aulas gratuitas de yoga, massagem, terapias, comida indiada deliciosa etc. Aqueles que já participaram de um retiro ou curso de autoconhecimento sabem do que estamos falando. Rogamos para que um dia esta seja a forma em que todos os seres humanos se relacionem entre si e com o planeta onde vivemos.

A primeira noite foi difícil assim como todas as anteriores na Índia, sono entrecortado, frio noturno, leve dor de cabeça e muito barulho externo. Por mais distantes que estivéssemos da grande massa de pessoas, pois os grandes acampamentos estavam do outro lado do rio, havia um zumbido constante, oriundo da reunião de pessoas falando, orações e microfones espalhados por todo lado. Noite e dia, vindos dos microfones estridentes, ouvíamos mantras e provavelmente comunicados importantes (em Híndi).

Logo pela manhã seguinte tivemos nosso primeiro encontro com o Sri Prem Baba, durante um Satsang (encontro com comoventes cânticos e palavra do mestre guru). Logo nos primeiros cânticos, apoderou-se de nós uma forte emoção e um profundo sentimento de paz. Reinava no ambiente o sentimento de amizade, doçura, respeito mútuo, paz e amor. Ouvimos atentamente as palavras do Sri Prem Baba, o qual discorreu a respeito de três “poderes”. Segundo ele, respeitando-se uma ordem de importância, estão: o caráter, a amizade e o conhecimento.

Na parte da tarde, deixando-nos levar pelo cronograma do grupo, seguimos em direção ao rio para o primeiro banho no Sangam (encontro dos rios sagrados Ganges, Yamuna e Saraswati). Todos deveriam chegar ao local ideal de barco, sendo assim as pessoas se dividiram em muitos barcos pequenos a remo. A saída do Guru do acampamento, cruzando a multidão de pessoas, rodeado de discípulos e curiosos, era tumultuada. Fomos seguindo a Sonia, sempre solícita e amiga, na direção do rio com as demais pessoas. Curiosamente conseguimos embarcar na mesma canoa que o mestre Prem Baba. Não havia mais que 8 pessoas naquela canoa. Embora não sejamos hinduístas e devotos deste guru, seu olhar amoroso e sorriso aberto nos cativavam cada vez mais.

Assim como em Varanasi, não pretendíamos entrar no rio, mesmo sabendo que Allahabad fica numa região anterior à Varanasi e supostamente ele seria mais limpo. Sendo assim, muitas dúvidas nos acompanhavam à bordo do pequeno barco: Como seria esse banho? Será que era seguro? Pegaríamos alguma doença? Muitos questionamentos e preconceitos antecederam nossa participação neste ritual. Entretanto, no momento em que chegamos lá, a energia do lugar e das pessoas nos contagiaram. Com a bênção do guru, mergulhamos em nosso primeiro banho sagrado. Afundamos nossas cabeças três vezes, recitando as palavras “moksha” (um mantra de purificação e libertação).

Foi um momento que ficará marcado em nossas lembranças, uma mistura de diversão e comunhão. De início tudo era curioso e engraçado, ver as pessoas, homens de cueca e mulheres de vestido, banhando-se naquelas águas suspeitas. Superada a impressão inicial, fomos envolvidos por aquele momento de celebração e graça. A alegria e a confraternização inundaram nossos corações, potencializadas pelas lindas músicas, cantadas em coro pelo círculo formado pelo nosso grupo, tendo o guru como centro.

Nesta noite, sem uma explicação racional, a Karina foi dominada por um sono fora do comum, embora ainda fosse muito cedo e ainda não tivéssemos jantado. Para Karina recusar um jantar, a coisa era séria (risos). Contudo, essa sonolência foi seguida de uma das noites mais bem dormidas dos últimos meses. Finalmente, conseguimos dormir bem e no dia seguinte nos livrar daquela dor de cabeça leve, mas contínua e que nos perturbava desde o início da viagem.

Os dias no acampamento foram muito tranquilos e revigorantes. Participamos dos banhos, dos satsangs, desfrutamos da comida indiana, das aulas yoga, massagens, das fogueiras à noite, das músicas e, especialmente, da paz. Até que chegou o dia do chamado banho real, dia 10 de fevereiro, dia mais auspicioso para se banhar no Sangam, segundo o Hinduísmo.

O Kumbh Mela (de kumbh, "pote" e mela, "festival") é o principal festival do hinduísmo. Ele se baseia numa lenda na qual deuses e demônios entraram em guerra por causa de um pote que continha o néctar da imortalidade. Algumas gotas do néctar caíram em quatro cidades na Índia: Allahabad, Ujjain, Nasik e Haridwar. Estima-se que somente neste dia 10, mais de 35 milhões de peregrinos, renunciantes, sadhus, gurus, swamis, homens que vivem nas florestas e outros perdidos como eu e a Karina se banharam ao longo destes rios para purificarem seu corpo e alma. O primeiro registro escrito da Kumbha Mela se encontra nos relatos do viajante chinês, Huan Tsang ou Xuanzang (602-664 a.c.).

O escritor Mark Twain, em 1895, descreveu o Kumbh Mela da seguinte forma: “É maravilhoso o poder da fé, que faz multidões e multidões de pessoas velhas e fracas, jovens e frágeis entrarem sem hesitação ou reclamação em jornadas tão incríveis e suportar as misérias resultantes sem ficarem descontentes. É feito no amor, ou é feito no medo; eu não sei qual dos dois. Não importa qual é o impulso, a ação que nasce está além da imaginação”.

Havia multidões de pessoas caminhando em todas as direções. Elas vinham em pequenos grupos, as mulheres com seus lindos saris coloridos, banhavam-se, lavavam seus corpos e roupas, dormiam ao relento e retornavam para suas cidades e vilas distribuídas neste imenso país. Nós estávamos cercados pela maior concentração de buscadores espirituais do mundo. Imagine-se cercado por um mantra coletivo de 35 milhões de pessoas devotas. Acredite, independentemente da sua religião ou credo, a força do lugar era poderosa.

Naturalmente não mantínhamos o mesmo vínculo e sentimento pelo guru brasileiro que seus discípulos manifestavam, mas o respeito por ele crescia a cada dia, especialmente diante de sua sabedoria e amorosidade. Houve um dia em que o Sri Prem Baba decidiu abrir um espaço para, aqueles que assim desejassem, expressassem publicamente a gratidão. Foram momentos lindos de emoção diante de lindas manifestações de reconhecimento, p. ex. à equipe de cozinheiros, algumas artísticas, outros poéticas, outras singelas, mas todas profundas e comoventes.

É curioso reler nossas anotações pessoais destes dias, tanto eu quanto Karina, escrevemos as mesmas impressões e sensações. É difícil dimensionar agora, mas esta passagem pelo Kumbh Mela, na presença do Sri Prem Baba, talvez tenha delineado todo o resto de nossa viagem. Nós nos sentíamos fortes e unidos, conectados entre si e com as pessoas que nos cercavam, vivendo intensamente o presente.

Os dias se passaram de forma leve e agradável, mas ainda não havíamos visto aquele Kumbh Mela que as imagens da TV nos mostraram meses antes. Ele estava lá do outro lado do rio. Passados alguns dias do banho real, a multidão diminuiu e decidimos cruzar de barco o rio. No início caminhamos assustados e timidamente, porém logo nos sentimos à vontade e nos envolvemos naquele grande circo humano.

Havia tendas para todos os lados, com milhares de Sadhus e Naga Babas (nus e cobertos de cinzas), alguns meditando, abençoando as pessoas, fumando haxixe, e outros praticando atos “extravagantes” (enrolar espada no pênis, praticar posições de ioga absurdas, permanecer numa perna só definitivamente, manter um dos braços sempre levantado até a necrose, etc). Os Sadhus são renunciantes, abriram mão da vida material, inclusive a sexual. Muitos destes Sadhus vivem em cavernas e florestas espalhados pela Índia e Nepal, totalmente reclusos, levando uma vida de austeridade e meditação. O Kumbh Mela é onde estes figuras se reúnem para dividir experiências e conhecimento.

Os indianos guardam grande respeito pelos Sadhus, tratando-se, segundo o hinduísmo, de homens santos, ao qual pedem conselhos e bênçãos. Paramos para interagir com alguns Sadhus, parte deles apenas queriam nossa “contribuição”, mas outros realmente nos pareciam homens bons e verdadeiros. Alheios ao dinheiro, estes nos convidaram a nos sentar ao seu lado. Sempre nos perguntam de onde vínhamos e se surpreendiam quando falamos Brasil. Trocávamos algumas frases, tentávamos nos comunicar e ao fim recebíamos sua benção, simbolizada com uma pincelada de cinza na testa.

Numa das tendas, ficamos sentados por algum tempo. Como diz a tradição, deixamos os calçados do lado de fora e quando retornamos meu simplório chinelo havaianas havia desaparecido. Todos ficaram inquietos, inclusive o Sadhu que chamou a polícia. Acompanhado do policial, fizemos uma ronda entre as tendas. Certo de que não encontraria os chinelos, eu lhes disse que não havia problema. Um dos discípulos daquele Sadhu levantou e me entregou seu próprio chinelo. Eu tentei de toda forma dissuadi-lo, mas ele insistentemente me mostrou seus pés cascudos e rachados, aparentemente tentando me dizer que eu era quem precisava de um chinelo naquelas bandas (risos). Saímos da tenda incrédulos e contendo o riso.

Neste dia vimos muita, mas muita coisa exótica e curiosa, a qual nenhuma lente, relato ou filmagem poderia jamais registrar adequadamente. Ao final do dia estávamos exaustos, mas decidimos voltar caminhando e não de barco, o que significa caminhar quilômetros entre os acampamentos, cruzando pontes. Por mais escuro que fosse algumas passagens, a sensação de segurança era total. Aquelas pessoas eram peregrinos, devotos e felizes por estarem naquele lugar sagrado. Nós é que éramos estranhos naquele ambiente. Os indianos frequentemente nos pediam para que tirássemos fotos com eles. Num primeiro momento eles nos fotografavam timidamente à distância, mas quando esboçávamos um sorriso, logo tomavam coragem e pousavam ao nosso lado.

Aquela experiência não foi suficiente para nós. Estávamos decididos a ir novamente para o coração do Kumbh Mela, agora na companhia da Sonia e outras pessoas. Coincidentemente, quando estávamos a caminho da área onde estavam os barcos, unimo-nos ao grupo do Arthur Veríssimo, o qual pretendia realizar algumas filmagens. Foi muito significativo para nós seguir em direção ao Kumbh Mela com a pessoa que mais nos instigou a participar daquele evento. Novamente foram momentos de diversão e consagração ao se aproximar de homens verdadeiramente especiais, como mestre Mahayogi Piloto Babaji e entre outros.

Ao retornarmos ao acampamento, iniciamos nossa preparação para partida do dia seguinte para Khajuraho, cidade esta repleta de templos lindos. Diante disso, Sonia, sempre doce e amiga, providenciou um rápido encontro privado com o Sri Prem Baba, ocasião em que falamos rapidamente sobre nossa experiência e viagem. Contamos o quanto temos vivido as “sincronicidades”, termo por ele utilizado dias antes. Durante um Satsang, o Sri Prem Baba discorreu sobre como sustentar o amor no coração, cujo caminho seria tornar cada ação numa prece e permitir a manifestação das “sincronicidades”, ou seja, sentir a guiança, perceber os sinais, renunciar as expectativas e se entregar à sabedoria da incerteza. Aquelas palavras atingiram nosso coração como uma flecha, marcando definitivamente esta experiência e certamente influenciando a forma como enfrentaríamos os desafios que nos aguardavam pela frente. Encerramos nossa passagem pelo Kumbh Mela recebendo às bênçãos deste amoroso homem.


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• Quem quiser saber mais sobre o Sri Prem Baba, encontramos uma reportagem da revista TRIP neste link: http://revistatrip.uol.com.br/revista/190/arthur-verissimo/baba-prem-baba.html