Extremos
 
COLUNISTA WALDEMAR NICLEVICZ
 
Expedição Vilcabamba
 
texto e fotos: Waldemar Nicleviz
16 de setembro de 2016 - 09:47
 

Cruzando o Palcay Passo (4.700m), rumo ao acampamento-base do Salcantay. Ao fundo o Palcay (5.422m), que escalamos em 2015. Foto: Waldemar Niclevicz
 
  Waldemar Niclevicz  

Desde a insubordinação de Manco Capac II, em 1535, os Andes de Vilcabamba foram o refúgio dos quatro últimos imperadores Incas. Para derrotá-los foi necessário uma aventura comparável, escreve Hiram Bingham (descobridor científico de Machu Picchu): “àquelas de Aníbal e Napoleão através dos desfiladeiros mais baixos dos Alpes e dos cumes mais elevados que os picos do próprio Mont Blanc”.

A guerra dos Incas contra os invasores espanhóis terminou depois de 37 anos, com a captura do imperador Tupac Amaru nas montanhas de Vilcabamba, seguido de sua decapitação e assassinato da esposa e filhos, em uma efusiva e dramática cerimônia realizada pelos espanhóis, em Cusco, em 1572.

Visito Cusco há mais de 30 anos, imagine então a minha satisfação ao percorrer os últimos caminhos usado pelos Incas durante a resistência aos espanhóis, assim como ao escalar as mais imponentes montanhas que marcam até hoje o abrupto limite do Mundo Andino com a Floresta Amazônica!

A Cordilheira de Vilcabamba é uma região realmente surpreendente, onde história, arqueologia, aventura e natureza se misturam em doses exuberantes, para contentar qualquer tipo de viajante! Esta expedição, realizada de 19 de julho a 20 de agosto, foi realmente fascinante!

Havia partido para Cusco logo após conduzir a Tocha Olímpica em Curitiba, duas semanas antes do início das Olímpiadas, e fui acompanhando de longe os Jogos que deixaram a sua marca na história do nosso País. Marca de alegria, de esperança e de glória! De seres humanos que ousam sonhar em superar marcas, bater recordes, e conseguem!

     
     

Enquanto a festa olímpica contagiava os corações do mundo, passei inesquecíveis momentos entre algumas das montanhas mais difíceis da Cordilheira dos Andes, buscando também a minha medalha, aquele cume que parecia distante e inatingível. Como em toda prova que exige superação, tivemos choros e alegrias, mas conseguimos!

Escalamos o Salcantay (6.271m), “a montanha selvagem”, temida e respeitada pelos Incas, que abriga em suas encostas as ruínas de Machu Picchu, além de muitas outras praticamente desconhecidas. Eu havia tentado escalar esta que é a maior montanha de Vilcabamba em 2014 e 2015, mas o clima, fortemente influenciado pela umidade que se aproxima da Floresta Amazônica, não ajudou.

Depois nos embrenhamos um pouco mais em Vilcabamba, para os lados de Choquequirao, outro importante sítio arqueológico, comparado em grandeza e importância com Machu Picchu, onde escalamos o Pumasillo (5.994m), a “garra do puma”, que há 29 anos estava sem ser superado. Foi a escalada mais emocionante e perigosa!

Já havíamos enfrentado o Pumasillo em 2014, quando em uma queda meu companheiro, o americano Nathan Heald, acabou se machucando. Voltamos agora, junto com o também americano Duncan McDaniel, e enfrentamos condições extremas, passagem em rocha de até V, e trechos em gelo de até 90o. Escalamos sobre gigantescos blocos de gelo instáveis, alguns com até 40m de altura, constatando tristemente como as montanhas tropicais estão sendo fortemente afetadas pelo aquecimento global.

     
     

Em apenas dois anos sentimos que os glaciares do Pumasillo se retraíram de uma forma muito rápida, restando das “neves eternas” um amontado de blocos de gelo que podem desabar a qualquer momento. Posso dizer que tivemos muita sorte, já que, dispostos a chegar ao cume, tivemos que nos expor a perigos evidentes. Numa das travessias mais delicadas, um desses blocos de gelo descomunais desabou encontrando no caminho a nossa corda. A principio fiquei paralisado, sabia que não podia fazer nada para evitar o pior. Logo senti o forte puxão da corda, fui jogado violentamente contra o chão pela força da corda que era arrastada. Foram frações de segundos de agonia, aliviada quando senti a corda novamente se afrouxar, enquanto observava toneladas de gelo pulverizando-se ao cair abismo abaixo.

O ataque ao cume do Pumasillo foi tenso do início ao fim. Quando deixamos as barracas do nosso acampamento a 4.800m, às 23horas, estava chovendo e de madrugada passou a nevar. Durante toda a manhã uma forte neblina nos envolveu, dificultando muito a orientação. Apenas na chegada ao cume, às 13 horas, vimos algumas janelas de céu azul. Só voltamos para o nosso acampamento às 22 horas. Foram 23 horas ininterruptas para subir e descer.

Chega? De jeito nenhum, Vilcabamba oferece sempre mais para espíritos sedentos de aventura! Como os Incas, nos embrenhamos ainda mais nas montanhas, indo em direção as ruínas de Vitcos, outro dos bastiões da resistência de nossos antepassados. De lá seguimos em 4×4 em direção ao último grande maciço no distante noroeste de Vilcabamba, onde escalamos o Panta (5.667m), montanha que só contava com uma ascensão, feita em 1960 por uma equipe suíça, pelo lado norte. Nós fizemos uma rota nova pela face sul.

     
     

No Panta também tivemos nossos sustos e apuros, além da forte neblina, mas, como para fechar a expedição com chave de ouro, a escalada teve um encantamento especial em razão da lua cheia e de um bosque de Puyas raimondii, a maior bromélia do mundo, que pode chegar até dez metros de altura. Cada uma dessas plantas produz, uma única vez na vida, até 8 mil flores e cerca de seis milhões de sementes, algo que pode demorar até cem anos para acontecer, e depois morre. Sim, vimos várias Puyas floridas!!!

Este é apenas um resumo da Expedição Vilcabamba, que faz parte do Projeto Mundo Andino, meu “projeto de vida” que busca traçar um perfil tanto físico como humano da Cordilheira dos Andes. Sem patrocínio, atualmente sua continuidade depende exclusivamente da venda do livro O Brasil no Topo do Mundo e das palestras que realizo para as empresas.

Nada melhor do que desafios que nos levem a superação, a choros, a alegrias! Um grande e sincero abraço a todos os amantes das montanhas!

     
     

Namastê,
Waldemar Niclevicz
www.niclevicz.com.br

 
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