+  BLOG DO WALDEMAR NICLEVICZ  
 
Salto Angel, vivendo nas alturas!
 
 
 

Estimados Amigos,

Se você está acompanhando os relatos da expedição que fizemos ao Salto Angel (em fevereiro deste ano - veja os outros relatos neste link), com certeza já deve ter se perguntado como é que dormíamos pendurados no meio de um paredão de 1.100 metros de altura. Não apenas como dormíamos, mas cozinhávamos, íamos ao banheiro, tomávamos banho..., sem deixar nada cair lá para baixo.

Confesso que não foi fácil, ainda mais em seis pessoas, por isso foi importante passar o menor número de dias na parede, para não carregar tanto peso.

Nosso planejamento foi com certeza uma das razões que nos levou ao sucesso, e começou bem antes da nossa escalada, nas sucessivas reuniões que fizemos em Curitiba ou durante os treinamentos na montanha, analisando cada passo que daríamos durante a escalada, anotando necessidades, idéias, sugestões, e logo criando soluções e definindo nosso plano de ação.

A quantidade de comida, de água, de cordas, dos nossos equipamentos, foi definida nos mínimos detalhes. Teríamos que ter auto-suficiência para quinze dias, e isso incluía também baterias para as filmadoras, câmaras fotográficas, rádios de comunicação e telefone por satélite, gás para os fogareiros, materiais de higiene pessoal e primeiros-socorros, tudo na quantia exata, nada em excesso, pois teríamos que içar tudo paredão acima. No final tínhamos meia tonelada de carga!

Sabíamos que as outras únicas três equipes (espanhola, inglesa e francesa) que já haviam superado a verticalidade do Salto Angel, haviam usado 5 lugares para acampar na parede, onde passaram um total de 16, 15 e 14 dias respectivamente. Para evitar levar uma quantidade exagerada de mantimentos, fomos realizando investidas na parede – durante quatro dias, formando depósitos de equipamentos nos acampamentos 1 e 2, e no quinto dia partimos decididos a chegar ao acampamento 3. Acabamos conseguindo, mas foi necessário o dia seguinte inteiro para rebocar tudo para a bela plataforma de apenas 30cm de largura a 370m do chão. Estávamos de fato “em órbita”, e nossa expectativa era viver naquele mundo vertical no máximo duas semanas.

Esses “acampamentos” predefinidos representam os melhores lugares da parede para passar a noite, sendo que o “acampamento 3” é o maior deles, um platô natural, tipo um grande degrau, onde um grupo de seis pessoas encontra lugar para sentar e até deitar, o que é muito importante, porque ainda que tivéssemos os “porta-ledges”, é muito melhor dormir no chão, ou simplesmente ficar apoiado em algo sólido, bem fixo, principalmente na hora de fazer as refeições, ir ao banheiro, ou simplesmente bater um bom papo com os amigos.

Se evitamos os acampamentos 1 e 2 é porque eles são muito pequenos ou apertados, o mesmo vale para o acampamento 4, onde apenas duas pessoas conseguiam dormir sobre a rocha, os outros ficavam nos porta-ledges. Já o acampamento 5 era o mais espaçoso, uma grande falha na parte superior da parede com um trecho de uns 15 metros de comprimento e cerca de um metro de largura, mas com um piso bem irregular, cheio de pontas de pedra, onde era difícil encontrar um lugar plano para deitar, além do mais, nesse acampamento já não se está tão protegido do negativo da parede e quando chovia nos molhávamos, e no final choveu bastante.

O porta-ledge é o máximo do luxo para se dormir numa parede, levamos dois duplos (para duas pessoas – o porta-ledge simples é bem mais comum) que pesavam 7Kg cada um. É um tipo de “barraca suspensa”, na verdade lembra mais uma maca, tem o perímetro de tubos de alumínio bem fortes, o chão de nylon reforçado, e é fixado com tirantes na parte superior em um ponto único, que vai preso a um grampo/chapeleta ou a uma boa ancoragem móvel. Os tirantes são reguláveis, afrouxando ou apertando-os se deixa o porta-ledge na horizontal, isso tem que ser feito novamente depois que as duas pessoas entram devido a diferença de peso de cada uma. Essa barraquinha balança sob qualquer movimento, por isso é importante que tudo esteja amarrado, tudo mesmo, principalmente as pessoas, pois não é raro relato de porta-ledge que ficou de ponta cabeça devido a um movimento brusco de um dos seus ocupantes.

Nossos fogareiros também lembram os porta-ledges, tem cabinhos de aço e ficam pendurados, podendo também ser apoiados no chão. A comida estava distribuída em kits diários, com refeições definidas para seis pessoas, tudo em fartas porções, para repor o grande gasto de nossas energias. No café da manhã tínhamos café passado no coador, e pães ou panquecas fresquinhas, feito na hora. O almoço era um privilégio de quem estava descansando no acampamento, pois quem estava acima escalando comia apenas guloseimas e castanhas. O jantar era sempre a refeição mais esperada, um super macarrão ou um feijão com arroz, pratos a base de carne, lentilha e até polenta. A base da nossa refeição era alimentação liofilizada de fabricação brasileira (LioFoods) de excelente qualidade. Quem garantia nossa satisfação na cozinha era o Yupi (Alfredo Rangel), experiente escalador venezuelano que nos acompanhou com a nobre missão de ser o cozinheiro da equipe.

E depois de comer, vinha sempre aquela vontade de ir ao banheiro, que previamente já tinha o seu lugar reservado num dos lados do acampamento com alguma (ou nenhuma) privacidade. Fazíamos nossas necessidades dentro de pacotes de papel biodegradáveis, que eram cuidadosamente guardados num grande tubo de PVC, o “shit tube”, e depois foram enterrados no cume. Já a urina era dispensada abismo abaixo, mas era importante ter uma “garrafa para xixi”, pois assim era possível urinar dentro do porta-ledge, sem ter que sair lá fora de madrugada.

Tomar banho nem pensar, já que, embora estivéssemos do lado da mais alta cachoeira do mundo, era impossível renovar nosso suprimento de água, tínhamos apenas 220 litros de água, distribuídos em dezenas de garrafas pets, mas apenas para beber e cozinhar. Levamos toalhinhas úmidas, aquelas que se usam para bebês, que sempre eram usadas já na hora de ir ao banheiro, e numa limpeza mais apurada nos momentos de descanso, quando também cortávamos as unhas e desinfetávamos os ferimentos que aos poucos iam surgindo, principalmente nas mãos, após dias seguidos de escalada.

Ainda tínhamos vários outros detalhes e cuidados para garantir a nossa sobrevivência bem como a boa convivência entre os membros da equipe. Toda essa experiência já tínhamos acumulado em expedições anteriores a diversos outros “big walls”, como o El Capitan, Fitz Roy, Cerro Torre e Trango Tower, o que nos garantiu certa tranquilidade na parede, mas claro, não foi nenhuma moleza, afinal foram 13 dias e 12 noites vivendo literalmente pendurado.

Na próxima atualização vou mostrar mais fotos da escalada do Salto Angel, dessa fantástica experiência ainda tenho muita história para contar.

Grande abraço,

Waldemar Niclevicz

 

 
VIVENDO NAS ALTURAS - Enquanto a turma tomava um super café da manhã, aproveitei e fui fazer algumas fotos. Tive que agir rápido para registrar os primeiros raios do sol sobre o nosso acampamento 1, a 370 metros de altura, isso por volta das 7 horas da manhã. A partir das 10h30 ficávamos na sombra, mas na verdade, tivemos essa “luz” em apenas duas ou três oportunidades, pois geralmente estava nublado.
Foto: niclevicz.com.br
 
 
ACAMPAMENTO 2 - Nosso acampamento 2 a 540 metros do chão, realmente não é para quem tem medo de altura, tínhamos que confiar completamente em nossos equipamentos e, principalmente, em cada um de nossos companheiros. Desse ponto em diante era praticamente impossível descer da parede, pois o “Derribos Aria”, o trecho mais negativo, já havia ficado para baixo.
Foto: niclevicz.com.br
 
 
HORA DO RANGO - Nosso querido amigo Yupi, preparando mais um saboroso café da manhã em plena verticalidade do Salto Angel. Muchas gracias Hermano!
Foto: niclevicz.com.br
 
 
EM CASA - Nossos dias em nosso acampamento 3, a 670 metros do chão, foram os mais tensos. Começou a chover, a escalada se tornou muito mais difícil do que esperávamos, demoramos a encontrar uma possível saída da parede, que apenas foi confirmada realmente no último dia. A foto mostra um pouco dessa tensão, o frio úmido dos 14ºC, o cansaço após mais de dez dias na parede, a preocupação de logo terminar a escalada, antes que comida e água começassem a faltar. Graças a Deus, deu tudo certo!
Foto: niclevicz.com.br
 
 
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Alpinista
 
Com 18 anos eu me mudei para a região de Itatiaia, onde morei por três anos. Foi lá que vim a aprender a usar o equipamento técnico, como cordas e mosquetões.

Nesta mesma época, 1985, eu realizei minha primeira grande aventura: uma viagem através da Bolívia e Peru, com o desejo de fazer o Caminho Inca a Machu Picchu. Foi uma viagem decisiva para a minha vida, respirei pela primeira vez o ar rarefeito das altas montanhas, pisei pela primeira vez na neve, apaixonei-me pela cultura e pelo povo andino. Não parei mais de viajar.

Obstinação, paixão e disciplina são as palavras que melhor definem Waldemar Niclevicz, o primeiro brasileiro a escalar o Everest, o K2 e os Sete Cumes do Mundo (a maior montanha de cada um dos continentes).

Também já escalou a Trango Tower (a maior torre de granito do mundo), O El Capitan e o Half Dome, além de 6 das 14 montanhas do planeta com mais de 8 mil metros: o Everest (8.848m), o K2 (8.611m), o Cho Oyo (8.201m), o Shisha Pangma (8.046m), o Gasherbrum (8.035m) e o Lhotse (8.501m).

 
 
 

2000
K2 (Paquistão) com 8.611 metros

1997
Carstensz (Nova Guiné) com 4.884 metros

1997
Mc Kynley (Alasca) com 6.194 metros

1996
Vinson (Antártica) com 4.897 metros

1996
Kilimanjaro (Tânzania) com 5.895 metros

1996
Elbrus (Rússia/Geórgia) com 5.642 metros

1995
Everest (Tibet / China) com 8.848 metros

1988
Aconcágua (Argentina) com 6.962 metros