Extremos
 
COLUNISTA ROBERTO VÁMOS
 
No coração dos Andes
 
texto e fotos: Roberto Vámos
24 de outubro de 2016 - 16:00
 

No Coração dos Andes | Foto: Roberto Vámos
 
  Roberta Abdanur  

Imensidão. Se fosse resumir o que sinto quando estou nos Andes, usaria esta palavra. Imensidão. Acho que só nos Andes você pode rodar centenas de quilômetros sem cruzar com ninguém. Muitas vezes encaramos regiões onde nem trilha havia – o negócio era seguir o rastro de carros que tinham passado há dias. É muito vento, frio e altitude acima dos 4 mil metros onde há pouco oxigênio. Mas a recompensa? Ah, a recompensa é você estar numa paisagem absolutamente surreal. É mágico. Me sinto às vezes um personagem de uma história de ficção científica, teletransportado para um outro planeta. Nos Andes o mundo é vasto, e o homem, muito pequeno. Aqui a natureza nos coloca no nosso lugar. Somos insignificantes perante a imensidão.

Eu sou fotógrafo, e desde os 17 anos, quando fiz um curso de montanhismo nos Andes Chilenos, sou um apaixonado pelos Andes. Já visitei diversas regiões da cordilheira, inclusive subindo vários picos com quase seis mil metros de altitude. Mas nunca explorei a cordilheira inteira, de forma sistemática. Entre janeiro e março de 2016 eu e Margarida Duarte, minha produtora, parceira e co-aventureira, demos o primeiro passo em um projeto de fotografar toda a extensão da cordilheira dos Andes, da Venezuela à Terra do Fogo. Apesar de ser a maior cadeia de montanhas do mundo, os Andes permanecem pouco documentados. Gosto de trabalhar em projetos longos, que requerem a paciência das rochas, das montanhas. Me espelho em fotógrafos como Sebastião Salgado, cujas reportagens demandam anos de trabalho, ou Ansel Adams, que devotou uma vida inteira a retratar as paisagens do oeste americano, principalmente da Califórnia.

Nesta primeira etapa, percorremos o norte da Argentina, norte do Chile e sudoeste da Bolívia. É uma região desértica, onde predomina o vento e a extrema aridez, e onde as paisagens são diferentes de tudo que eu já tinha conhecido. Quando falamos em montanhas, especialmente alta montanha, nossa imaginação nos traz imagens de picos rochosos íngremes, agudos, cobertos de gelo e neve, verdadeiras torres de granito intransponíveis e inalcançáveis. Mas os Andes nesta região não são assim. Aqui a paisagem é suave e as montanhas parecem, de longe, morros arredondados.

Parte desta sensação vem do fato que se observa elas de uma altitude já acima de quatro mil metros. Portanto, montanhas com cinco ou seis mil metros de altitude não surgem proeminentes por cima da paisagem, dominando toda a nossa visão. É também uma região de pouca precipitação, e, portanto, onde mesmo os cumes mais altos têm pouco ou nenhum gelo. Mas o fator principal é a origem vulcânica da grande maioria dos picos, em combinação com milhões de anos de erosão pelo vento e pelo gelo, resultou no formato menos dramático do que nossa imaginação antecipa.

Nesta nossa primeira viagem, que durou quase três meses, o que mais me surpreendeu foram as cores. Normalmente as cores de uma região vem da sua vegetação – pedra tem cor de pedra. Mas não aqui. Aqui, além de quase não existir vegetação, Pachamama, a Mãe-Terra, usou toda a sua paleta de cores nas próprias rochas. O resultado é que você parece estar dentro de uma pintura impressionista. Objetivamente, sei que as cores são dos inúmeros minerais que a ação tectônica aqui jogou e que o tempo expôs, mas quem, ao contemplar um arco-íris petrificado, consegue lembrar de um detalhe como esse?

Arco-Íris petrificado. Foto: Roberto Vámos   As cores dos Andes. Foto: Roberto Vámos
   

A Cordilheira dos Andes

O nome “Andes” vem da palavra Quéchua (a língua dos Incas) antis, que significa “crista elevada”, mas não lhe faz justiça.  A cordilheira dos Andes é a maior cadeia de montanhas do mundo, com mais de sete mil quilômetros de extensão, atravessando sete países: Venezuela, Colômbia, Ecuador, Perú, Bolívia, Chile e Argentina.  E esta enorme extensão abriga algumas das paisagens mais dramáticas e belas do mundo.  São centenas de montanhas e vulcões com mais de cinco mil metros de altitude, incluíndo a montanha mais alta do mundo fora da cordilheira dos Himalaias: o Monte Aconcágua.

Devido à sua orientação norte-sul, e por se estender dos trópicos até quase a região polar, a cordilheira é uma formidável barreira aos ventos e à umidade, criando uma enorme quantidade de microclimas onde a vida prospera e se diferencia. De suas neves, nasce o maior rio do mundo, o Amazonas.  Em suas encostas encontram-se as florestas com maior biodiversidade do planeta. Dos Andes vem alguns dos alimentos mais importantes do mundo moderno, como a batata e o tomate, bem como grãos menos conhecidos, como a quinoa, considerada um dos alimentos mais saudáveis do mundo.

As cores dos Andes. Foto: Roberto Vámos   As cores dos Andes. Foto: Roberto Vámos
   

Seus planaltos e vales são habitados há milhares de anos e deram origem à várias civilizações com uma organização e feitos de engenharia altamente sofisticados, como os Incas e o povo de Tiahuanaco. As técnicas de cultivo usadas pelos Incas e outros povos do altiplano andino não só preservavam o solo da erosão, como aumentavam a sua fertilidade e profundidade, permitindo que essa região de clima extremo e solos pedregosos se tornasse auto-sustentável por milênios e se transformando em um exemplo único de sustentabilidade.

Dezenas de etnias ainda habitam a cordilheira, tentando preservar suas culturas e sabedorias tradicionais perante o avanço homogeneizador do mundo moderno.  Porém, desde a colonização espanhola essa região testemunhou uma grande quantidade de perdas e sofrimento e também ao surgimento de uma cultura mestiça que ainda procura encontrar seu lugar entre suas crenças antigas e realidades modernas.

As cores dos Andes. Foto: Roberto Vámos   Do cume do vulcão Lascar. Foto: Roberto Vámos
   

Os ecossistemas andinos também estão sob perigo.   O desmatamento nas encostas tropicais ameaça a biodiversidade e os rios da região.  Com o aquecimento global, as geleiras dos Andes estão desaparecendo rapidamente, ameaçando o suprimento de água de cidades inteiras como Cusco, La Paz e Lima e suscitando a pergunta: Será que os primeiros refugiados climáticos da América do Sul virão das nações andinas?

Nos próximos relatos contarei mais sobre as regiões que visitamos em nossa primeira expedição.

Roberto Vámos
www.robertovamos.com

 
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